23 Fevereiro 2024

Para assinalar dois anos desde a invasão russa em larga escala à Ucrânia e dez anos da ocupação da Crimeia ucraniana, a Amnistia Internacional recorda que não existe justiça para os ucranianos sem uma responsabilização total por todos os crimes cometidos pela Rússia desde a sua intervenção militar em 2014.

Desde este momento que a Amnistia Internacional documentou inúmeras atrocidades, como ataques deliberados a civis e a infraestruturas civis essenciais, desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais, tortura, privação ilegal de liberdade, transferência forçada de civis e abuso de prisioneiros de guerra.

“Enquanto a guerra prevalece, as provas de cada atrocidade devem ser preservadas tanto quanto for possível. Os responsáveis por crimes de direito internacional têm de responder perante a justiça, apesar do tempo que isso possa levar. Estes são crimes sem prazo de prescrição”, afirmou Denis Krivosheev, diretor adjunto para a Europa Oriental e Ásia Central da Amnistia Internacional.

 

“Estes são crimes sem prazo de prescrição”

Denis Krivosheev

 

Uma década de conflito armado

Em fevereiro de 2014, a Rússia enviou as suas tropas para ocupar a Crimeia ucraniana, mas nunca admitiu que as suas forças armadas também entraram no leste da Ucrânia no mesmo ano. As provas investigadas e publicadas pela Amnistia Internacional em 2014, que compilavam a análise de imagens de satélite e de relatos de testemunhas oculares, corroboram esta entrada. Isto faz com que que este seja, atualmente, um conflito armado internacional com a duração de uma década.

As pessoas sofreram os efeitos da guerra e das violações dos direitos humanos em toda a Ucrânia, mas sobretudo nas regiões de Donetsk e Luhansk, na linha da frente. Entre 2014 e 2021, mais de 10.000 civis ucranianos foram mortos ou feridos. No primeiro ano de combate, foram logo registadas muitas violações das leis da guerra.

Entre 2014 e 2021, mais de 10.000 civis ucranianos foram mortos ou feridos

Centenas de milhares de pessoas acabaram por abandonar o leste da Ucrânia depois de os grupos armados apoiados pela Rússia se terem proclamado “Repúblicas Populares” em Donetsk e Luhansk. No entanto, muitas permaneceram.

“Em Donetsk, eu tinha um lugar para viver, um emprego que me permitia pagar a alimentação e tinha os meus pais que me sustentavam a mim e ao bebé. Foi muito difícil assistir ao que estava a acontecer na minha casa… Mas em 2022, quando a pressão para obter um passaporte russo e a interferência na escola se tornaram demasiado fortes, decidi que era altura de ir embora“, revela Olha* de Donetsk.

A partir do momento em que os grupos armados apoiados pela Rússia assumiram o controlo, as regiões de Donetsk e Luhansk foram palco de raptos, tortura e, em muitos casos, assassinato de civis. Moradores de Slovyansk partilharam à Amnistia Internacional que, em 2014, um grupo armado raptou um pastor local, dois dos seus filhos e dois frequentadores da igreja, pedindo 50.000 dólares americanos de resgate. Quando a comunidade local recolheu o dinheiro, os cinco reféns já tinham sido mortos.

Estas atrocidades foram acompanhadas de um silenciamento brutal de qualquer dissidência, que teve repercussões para os jornalistas e outros trabalhadores dos meios de comunicação social, académicos, ativistas e defensores dedireitos humanos, entre outros.

 

Uma catástrofe de direitos humanos

Em 2022, com a invasão em grande escala da Rússia à Ucrânia – um ato de agressão que constitui um crime ao abrigo do direito internacional -, a catástrofe de direitos humanos, que era já familiar para muitos, estendeu-se a todo o país.

“Aqueles que sobreviveram a 2014 disseram-nos ‘isto é guerra, têm de se retirar‘. Agora sei que tinham razão. E só agora sei o que sentiram: deixar a sua casa, começar a sua vida de novo. E tiveram de o fazer duas vezes”, sublinha Nataliia* de Chernihiv, no norte da Ucrânia.

“Aqueles que sobreviveram a 2014 disseram-nos ‘isto é guerra, têm de se retirar’. Agora sei que tinham razão”

Nataliia*, ucraniana de Chernihiv

Os crimes de guerra cometidos pela Rússia na região de Kiev, durante os primeiros dias da sua invasão em grande escala, demonstraram claramente um padrão de tortura e de execuções de civis, a maioria das quais parecem ser execuções extrajudiciais.

“Vi o Oleh deitado no chão, numa poça de sangue. Faltava-lhe parte da cabeça e sangrava muito nessa zona, da cabeça e do ouvido. Gritei e os soldados apontaram-me as espingardas, berrei-lhes ‘matem-me também’. Os militares obrigaram-nos a sair imediatamente. Só fomos autorizados a regressar depois de se terem retirado de Bucha. O corpo de Oleh ficou ali mesmo, na rua”, revelou Iryna, recordando o assassinato do marido pelas forças russas em março de 2022.

“Temos de garantir que todos os responsáveis por crimes ao abrigo do direito internacional sejam levados à justiça em julgamentos justos. É fundamental que o povo da Ucrânia receba a merecida verdade, justiça e reparação pelo impacto devastador que esta guerra teve nos últimos dez anos e continua a ter no povo, na terra, nas infraestruturas e na economia da Ucrânia”, afirmou Denis Krivosheev. 

“Temos de garantir que todos os responsáveis por crimes ao abrigo do direito internacional sejam levados à justiça em julgamentos justos”

Denis Krivosheev

 

*Nomes alterados para proteger a identidade das fontes
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