14 Outubro 2022

O presidente da república de Timor-Leste, José Ramos-Horta, tornou-se no segundo chefe de Estado de um país produtor de combustíveis fósseis a apelar a um tratado para a sua não proliferação, na sequência do seu discurso ao G7+, à margem da Assembleia Geral da ONU, que decorreu na última semana.

José Ramos-Horta tornou a sua posição pública através de um artigo de opinião no jornal australiano Sydney Morning Herald, intitulado “Por uma fração do orçamento de um caça australiano deixaria o combustível de Timor-Leste no solo”, uma versão resumida da sua oratória na Assembleia Geral da ONU, que defende a necessidade de um tratado para gerir uma transição global justa e as desigualdades do sistema de combustíveis fósseis, expondo ainda as dificuldades que o seu país enfrenta nessa matéria devido à grande dependência das receitas da venda de petróleo e gás.

Na sequência de um apelo dirigido por Tallis Obed Moses, presidente da república de Vanuatu, para que os governos negoceiem um Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis, José Ramos-Hora integrou uma proposta juntamente com outros 100 laureados com o Prémio Nobel, explicando por que razão apoia tal tratado.

“Embora ameaçando a saúde do nosso planeta, a produção de combustíveis fósseis também atrasa uma distribuição mais equitativa da riqueza a nível mundial. Após um recente discurso no Clube Nacional de Imprensa, em Camberra, foi-me pedido que justificasse o desenvolvimento da indústria do petróleo e do gás de Timor-Leste à luz das consequências ambientais. A Austrália é um dos maiores exportadores de gás do mundo e o segundo maior exportador de carvão, mas por esta questão foi o meu país que foi implicado como um vândalo ambiental”, escreveu, sublinhando que está “bem ciente dos danos ambientais causados pelos combustíveis fósseis – a principal causa da crise climática. O nosso planeta está literal e metaforicamente a arder, como se vê pelo registo de inundações, fogos florestais em massa, eventos de calor extremo que ameaçam a vida das populações, secas, tempestades intensas e espécies ameaçadas”.

“Não foram países como o meu que trouxeram a civilização à beira de uma calamidade climática, mas somos nós que agora enfrentamos as consequências ambientais e económicas imediatas”

José Ramos-Horta

José Ramos-Horta defende ainda que “esta crise não foi causada por todos por igual”. “Não foram países como o meu que trouxeram a civilização à beira de uma calamidade climática, mas somos nós que agora enfrentamos as consequências ambientais e económicas imediatas. Esta é tanto uma crise de desigualdade, como qualquer outra coisa. Perante isto, são países ricos como a Austrália, e não nós, que precisam de fazer sacrifícios”, declarou no artigo de opinião.

O governante explica também que “os países de elevado rendimento representam apenas 16% da população mundial, mas são responsáveis por 74% da utilização de recursos. Esta discrepância coloca um fardo injusto sobre os países produtores de baixo e médio rendimento, que enfrentam um grave paradoxo: embora tenhamos de aumentar o fornecimento de energia e os níveis de rendimento, não devemos contribuir para os graves efeitos das alterações climáticas”.

José Ramos-Horta admite que “ficaria feliz” se o seu país “nunca tivesse de expandir a sua indústria de combustíveis fósseis”. “Mas, neste momento, continuamos quase completamente dependentes das receitas do petróleo e do gás, presos a um sistema imposto pelas nações ricas. Somos obrigados a negociar com a Austrália o desenvolvimento do projeto de petróleo e gás do ‘Greater Sunrise”, com um valor estimado para Timor-Leste de, pelo menos, 50 mil milhões de dólares, porque dizem que este é o nosso caminho para a prosperidade. Teria todo o gosto em deixar o combustível no solo, mas se o fizéssemos, renunciaríamos aos nossos benefícios de desenvolvimento. E se, em vez disso, os países de elevado rendimento começassem a financiar uma transição para que pudéssemos construir uma sociedade sustentável baseada em energias renováveis? Apontei um valor de 153,6 mil milhões de dólares para as nossas necessidades, menos de um décimo sexto do custo vitalício do programa de caças F-35 da Austrália”, revelou, ele que defende que “há uma escolha difícil a fazer: continuar as nossas práticas pouco saudáveis e injustas e esperar que os conflitos nos prejudiquem, ou planear uma transição justa à escala global para evitar futuros conflitos relacionados com o clima”.

No artigo de opinião, José Ramos-Horta explica que os argumentos por si apresentados podem fazer “de um Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis um tratado de paz global, uma valiosa política para o nosso tempo. Tal tratado poderia ser um veículo para o financiamento de que necessitamos para a transição dos combustíveis fósseis”, afirmou, lembrando que “a comunidade internacional tem conseguido unir-nos com sucesso na luta contra a varíola, a poliomielite, o buraco na camada de ozono, a proliferação de armas nucleares, e a guerra injusta contra a Ucrânia. Se a comunidade internacional, e particularmente as nações de elevado rendimento, levam a sério a defesa do nosso clima, precisam de fazer mais do que simplesmente descarbonizar as suas próprias economias. Devem ajudar os países que só agora têm a oportunidade de desenvolver os seus próprios recursos nacionais e a sua própria segurança. Comecemos a utilizar os 500 mil milhões de dólares prometidos no financiamento internacional do clima para conseguir uma transição justa e global dos combustíveis fósseis. Comecemos a restaurar e reanimar o nosso planeta ferido e maravilhoso”, concluiu.

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