21 Maio 2019

O discurso contra os direitos humanos, que marcou toda a trajetória política de Jair Bolsonaro, está a deixar de ser retórica para passar à prática. Na ação “Brasil para todo mundo”, anunciada esta terça-feira, a Amnistia Internacional lista as principais preocupações, quase cinco meses depois de o presidente brasileiro ter assumido funções.

“Temos acompanhado atentamente o seu governo e, infelizmente, a nossa preocupação começa a justificar-se: o governo de Bolsonaro tem adotado medidas que ameaçam o direito à vida, à saúde, à liberdade, à terra e ao território de brasileiros”

Jurema Werneck, diretora executiva da Amnistia Internacional Brasil

“Em outubro de 2018, logo após o fim do processo eleitoral, alertámos que as posições de Bolsonaro representavam um risco concreto para os direitos humanos no país. Temos acompanhado atentamente o seu governo e, infelizmente, a nossa preocupação começa a justificar-se: o governo de Bolsonaro tem adotado medidas que ameaçam o direito à vida, à saúde, à liberdade, à terra e ao território de brasileiros que, estejam no campo ou na cidade, desejam uma vida digna e livre do medo”, afirma a diretora executiva da Amnistia Internacional Brasil, Jurema Werneck.

A responsável lembra que “milhões de pessoas” podem ser afetadas. “E, para nós, um país justo não exclui os seus cidadãos. Um Brasil justo é um Brasil para todo o mundo”, nota.

Hoje, Jurema Werneck e a diretora para as Américas da Amnistia Internacional, Erika Guevara-Rosas, visitam Brasília. O objetivo da viagem passa por tentar entregar uma carta que reúne preocupações e recomendações ao presidente e a outros representantes do executivo brasileiro.

O que nos preocupa

As medidas e ações do governo de Jair Bolsonaro que preocupam a Amnistia Internacional são:

  • flexibilização da regulação sobre o porte e a posse de armas, que pode contribuir para o aumento do número de homicídios no Brasil;
  • nova política nacional sobre drogas, que eleva o caráter punitivo e atenta contra o direito à saúde;
  • impacto negativo sobre os direitos dos povos indígenas e quilombolas;
  • tentativa de ingerência indevida no trabalho das organizações da sociedade civil que atuam no Brasil;
  • diversas disposições do “pacote anticrime” (como, por exemplo, a flexibilização da regulação da legítima defesa para o uso da força e de armas de fogo por parte da polícia);
  • medidas contrárias aos direitos das vítimas à verdade, justiça e reparação pelos crimes de direito internacional cometidos pelo Estado durante o regime militar;
  • ataques à independência e autonomia do Sistema Interamericano de Direitos Humanos;
  • manutenção da retórica contra os direitos humanos pelas autoridades de alto nível, incluindo o presidente da República, o que poderá legitimar diversas violações aos direitos humanos.

Crise nas Américas e no mundo

“Este é um momento extremamente delicado nas Américas, com governos que, em vez de proteger os direitos humanos das pessoas dos seus países, promovem medidas e políticas devastadoras para as pessoas, incluindo, por exemplo, as pessoas centro-americanas que precisam de proteção nos Estados Unidos; ou promovem a violência e perseguem os seus oponentes, como é o caso da Venezuela e da Nicarágua. Nos últimos meses, vemos como esta tendência regressiva afeta o Brasil com algumas posturas preocupantes do governo do presidente Bolsonaro”, diz Erika Guevara-Rosas.

“É urgente que o presidente Jair Bolsonaro adote medidas para reverter este quadro, respeite os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, garanta liberdade de atuação para pessoas e organizações que atuam no país pela construção de uma sociedade melhor e abandone o seu discurso contra os direitos humanos”

Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Amnistia Internacional

“Em 2017, a Amnistia Internacional mostrou que o Brasil era um dos países mais perigosos das Américas para os defensores de direitos humanos e a Global Witness revelou que era o mais arriscado do mundo para quem defende os direitos humanos relacionados com a terra e o meio ambiente. É urgente que o presidente Jair Bolsonaro adote medidas para reverter este quadro, respeite os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, garanta liberdade de atuação para pessoas e organizações que atuam no país pela construção de uma sociedade melhor e abandone o seu discurso contra os direitos humanos, que legitima violações contra determinados grupos”, acrescenta.

Erika Guevara-Rosas alerta ainda para a redução do espaço de atuação da sociedade civil, em todo o mundo, com a adoção de múltiplas leis que procuram controlar e impedir o trabalho de Organizações Não Governamentais (ONG).

“Existem, lamentavelmente, cada vez mais países que tentam controlar organizações não-governamentais e buscam impedir o trabalho de organizações que são cruciais por apontarem falhas, crimes e violações de direitos humanos cometidos pelo Estado”

Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Amnistia Internacional

“Existem, lamentavelmente, cada vez mais países que tentam controlar organizações não-governamentais e buscam impedir o trabalho de organizações que são cruciais por apontarem falhas, crimes e violações de direitos humanos cometidos pelo Estado. Preocupa-nos que as medidas adotadas pelo atual governo no Brasil sobre acompanhamento de ONG vão na mesma direção”, indica.

Esta medida é mais um sinal da retórica tóxica contra os direitos humanos. “Temos visto, recentemente, em muitos países, líderes políticos a fazer campanha com uma agenda e um discurso abertamente contrários aos direitos humanos. No Brasil, esta retórica começa a converter-se em medidas concretas. Por isso, pedimos a Bolsonaro que adote medidas firmes e decisivas para proteger e garantir os direitos humanos em todo o país, e assegurar que as pessoas que os defendem e se mobilizam a seu favor possam fazê-lo sem medo de sofrer represálias”.

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