Há um risco iminente de confrontos violentos na região da Amazónia, no Brasil, a não ser que o governo proteja os territórios tradicionais dos povos indígenas. Em causa está o aumento dos casos de ocupação ilegal de terras e a extração de madeira por grupos armados, alerta a Amnistia Internacional, esta terça-feira.
“O governo deve proteger os povos indígenas que estão a defender as suas terras ou será derramado sangue”
Richard Pearshouse, Assessor Sénior de Crises e Meio Ambiente da Amnistia Internacional
Recentemente, foram visitadas três zonas no norte do país, onde se registaram avanços destes intrusos e derrube de árvores. Líderes indígenas garantem que receberam ameaças de morte por defender as terras e, agora, temem mais problemas devido à aproximação da estação seca (maio/junho a outubro/novembro), já que o acesso às florestas é mais facilitado.
“Os povos indígenas do Brasil e as suas terras enfrentam enormes ameaças. Em breve, a situação tornar-se-á insustentável”, afirma o Assessor Sénior de Crises e Meio Ambiente da Amnistia Internacional, Richard Pearshouse.
“O governo deve proteger os povos indígenas que estão a defender as suas terras ou será derramado sangue”, avisa.
Marco de fronteira do território Uru-Eu-Wau-Wau, protegido por lei. © Gabriel Uchida
No passado mês de abril, a Amnistia Internacional entrevistou 23 indígenas em três territórios no norte do Brasil: Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau, no estado de Rondônia, e Arara, no estado do Pará. A Amnistia Internacional também entrevistou 13 pessoas com conhecimento sobre as incursões nestas áreas, incluindo funcionários do governo, delegados do Ministério Público Federal e representantes de Organizações Não-Governamentais (ONG).
De acordo com representantes das autoridades e de ONG, os intrusos são muitas vezes pessoas locais, encorajadas e apoiadas a ocupar lotes de terrenos e/ou a vender a madeira por agricultores e políticos da zona. Em alguns territórios, os povos indígenas realizam patrulhas para monitorizar e proteger as terras. Como do outro lado estão grupos frequentemente armados, há um alto risco de confrontos violentos.
Nos três locais visitados, os líderes indígenas tinham denunciado a ocupação ilegal de terras e a extração de madeira às autoridades. No entanto, obtiveram respostas limitadas e pouco ou nada mudou.
Viajemos até ao território de Uru-Eu-Wau-Wau. Em janeiro, uma invasão de cerca de 40 pessoas resultou numa operação de vigilância governamental. Alguns dias mais tarde, uma pessoa acabou detida, mas saiu em liberdade. Em abril, há registo de outra incursão com centenas de pessoas envolvidas. As autoridades fizeram duas detenções.
Para prevenir a invasão de terras, os povos indígenas organizam patrulhas. © Gabriel Uchida
Tiros rompem o silêncio da noite
Os povos indígenas dos três territórios disseram à Amnistia Internacional que estes grupos trilharam novos caminhos pela floresta fora, bem perto de aldeias e estradas. Os relatos dão ainda conta do som de tratores e motosserras no coração das florestas.
“Temia que viessem até aqui. Não consegui dormir mais. Houve tiros à noite”
Mulher Uru-Eu-Wau-Wau
Uma mulher Uru-Eu-Wau-Wau, de 22 anos, descreve como se sentiu nos dias após o que aconteceu em janeiro: “Quando soube da invasão, fiquei com medo porque estava muito perto da aldeia. Nunca tinha visto assim tão perto. Temia que viessem até aqui. Não consegui dormir mais. Houve tiros à noite.”
Investigadores da Amnistia Internacional observaram novas estradas e novos trilhos feitos dentro dos territórios indígenas, bem como fotos e vídeos de marcadores que delineavam parcelas e de um trator a transportar madeira.
Um líder de Karipuna serviu de porta-voz do receio de que a situação possa acabar em violentos confrontos na estação seca: “Eles [os invasores ilegais] deixaram uma mensagem de que nós [os líderes indígenas] não deveríamos andar nos seus caminhos. Desapareceríamos… Se o governo não proteger o território, pode acontecer uma tragédia entre estes intrusos e os indígenas. Durante a estação seca, as invasões vão aumentar ainda mais porque as autoridades não tomaram qualquer medida.”
A resposta do governo a essas incursões ilegais e à extração de madeira continua a ser inadequada. A vigilância dos territórios depende, em grande parte, da coordenação entre diferentes órgãos governamentais. A Fundação Nacional do Índio (Funai) não tem poderes suficientes e conta com o apoio de outras instituições, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a Polícia Federal. Especialistas adiantaram à Amnistia Internacional que as operações de vigilância foram reduzidas devido a restrições orçamentais, nos últimos meses. Além disso, indicaram que é necessário investigar quem apoia e financia estas operações.
“A menos que a FUNAI e as outras autoridades intensifiquem a luta contra a ocupação ilegal de terras e a exploração madeireira, os confrontos violentos entre os povos indígenas e os invasores são incrivelmente prováveis”
Richard Pearshouse, Assessor Sénior de Crises e Meio Ambiente da Amnistia Internacional
Entre janeiro e abril, o Ministério Público Federal enviou, pelo menos, quatro cartas ao Ministério da Justiça e ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – o órgão responsável pela Funai, desde o início deste ano –, descrevendo a deterioração da situação de segurança e o risco de conflito nos territórios dos Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau. Foi solicitado apoio imediato da Força Nacional de Segurança Pública, enquanto as autoridades desenvolvem um plano a longo prazo de proteção. Até ao momento, não há qualquer desenvolvimento.
“A menos que a FUNAI e as outras autoridades intensifiquem a luta contra a ocupação ilegal de terras e a exploração madeireira, os confrontos violentos entre os povos indígenas e os invasores são incrivelmente prováveis”, nota Richard Pearshouse.
“O governo deve prontamente afirmar o seu compromisso com a proteção dos territórios indígenas e garantir que sejam respeitados”, conclui.
Local de exploração ilegal de madeira, no território Uru-Eu-Wau-Wau. © Gabriel Uchida
Desflorestação continua a piorar
A ocupação ilegal de terras indígenas e a extração de madeira são, geralmente, menos comuns na estação de chuvas. A ONG Imazon reportou a perda de 12 quilómetros quadrados de floresta dentro dos territórios indígenas da Amazónia, durante os primeiros três meses do ano. Trata-se de um aumento de 100% em relação ao mesmo período de 2018.
“Proteger os direitos humanos dos povos indígenas é fundamental para evitar mais desflorestação na Amazónia. A comunidade internacional deve estar atenta e apoiar as comunidades indígenas na linha de frente da luta para proteger as florestas mais preciosas do mundo”, recorda Richard Pearshouse.