29 Novembro 2018

EM RESUMO

  • Nómadas digitais, startups e estabelecimentos de ensino de tecnologias chamados a ajudar em Portugal.
  • Até 5 000 ativistas digitais participam no mundo inteiro.
  • Dados recolhidos pelos decoders serão publicados em plataforma interativa a ser ativada em 2019.

A Amnistia Internacional Portugal está a promover um novo projeto de recolha de dados de investigação que incide sobre Raqqa – chamado “Strike Tracker” – junto de mais de 170 entidades, organizações e instituições portuguesas, encorajando à participação pública no mapeamento da destruição provocada pelos bombardeamentos da coligação militar liderada pelos Estados Unidos da América sobre aquela cidade da Síria, a partir da análise de perícia de imagens de satélite.

A organização de direitos humanos visa, desta forma, usar a internet e a colaboração em rede digital para chegar à verdade e pôr a descoberto violações de direitos humanos, considerando Portugal como um hub tecnológico de enorme potencial para estas iniciativas chegarem a milhares de pessoas para quem a participação de cidadania se estende ao espaço virtual. A Amnistia Internacional Portugal chamou já a participar neste novo projeto de decoders 148 instituições de educação na área da tecnologia e informática, 16 escolas especializadas no ensino de codificação e programação, seis startups e cinco grupos de nómadas digitais.

Esta iniciativa decorre desde este mês de novembro até 21 de dezembro próximo e os dados recolhidos pelos milhares de ativistas digitais participantes em todo o mundo serão compilados e publicados em fevereiro de 2019 numa plataforma interativa.

Ativistas digitais no mundo inteiro de olhos postos em Raqqa

São milhares de ativistas digitais que, no mundo inteiro, estão a participar neste novo projeto inovador de recolha de dados lançado pela Amnistia Internacional, em que são analisadas imagens de satélite para ajudar a identificar como os bombardeamentos da coligação militar liderada pelos EUA destruíram quase 80% de Raqqa.

O “Strike Tracker” constitui a nova fase de investigação profunda da Amnistia Internacional, desenvolvida em parceira com o Airwars, sobre a chocante escala de perda de vidas de civis que resultaram dos bombardeamentos feitos, ao longo de quatro meses, pelos EUA, Reino Unido e França, com o propósito de expulsar daquela cidade o grupo armado autoproclamado Estado Islâmico.

© CNES 2018, Distribution AIRBUS DS

O trabalho de investigação no terreno e análise realizado pela Amnistia Internacional após as batalhas terem terminado, em outubro de 2017, trouxe à luz provas convincentes de aparentes violações da lei humanitária internacional (as leis da guerra) por parte da coligação liderada pelos EUA. E fizeram com que a coligação revisse as suas estatísticas sobre as mortes de civis, de 23 para mais de 100 – um aumento de 300%.

“Com milhares de ‘Strike Trackers’ a trabalharem neste caso, ajudando-nos a identificar exatamente quando e onde os ataques aéreos e de artilharia da coligação destruíram edifícios, conseguiremos aumentar de forma significativa a nossa capacidade de mapear a destruição apocalíptica que foi feita em Raqqa.”

Milena Marin, consultora sénior de Investigação Tática da equipa de Resposta a Crises da Amnistia Internacional

“Com base nas nossas meticulosas investigações no terreno, em centenas de entrevistas feitas no meio dos escombros de Raqqa, e em análises de perícia militar e geoespacial, conseguimos levar a coligação liderada pelos EUA a admitir particamente todos os casos de morte de civis que documentámos até à data. Mas, com corpos ainda a serem recuperados dos destroços e valas comuns a serem encontradas, mais de um ano passado, isto é só a ponta do icebergue”, sublinha a consultora sénior de Investigação Tática da equipa de Resposta a Crises da Amnistia Internacional Milena Marin.

Esta perita da organização de direitos humanos aponta que “existe uma montanha de provas que ainda está por analisar, e a escala da devastação na população civil é, simplesmente, grande demais para o conseguirmos fazer sozinhos”. “Com milhares de ‘Strike Trackers’ a trabalharem neste caso, ajudando-nos a identificar exatamente quando e onde os ataques aéreos e de artilharia da coligação destruíram edifícios, conseguiremos aumentar de forma significativa a nossa capacidade de mapear a destruição apocalíptica que foi feita em Raqqa”, explica ainda.

Como funciona o “Strike Tracker”

O “Strike Tracker” permite que todas as pessoas com um telemóvel ou computador portátil possam contribuir para a investigação vital da Amnistia Internacional aos padrões de devastação civil – incluindo potenciais violações das leis da guerra – que a Coligação não tem sido capaz ou não tem tido vontade em reconhecer.

Dados das Nações Unidas demonstram que foram destruídos ou danificados mais de dez mil edifícios em Raqqa, durante as batalhas em 2017. O “Strike Tracker” vai ajudar a identificar com maior exatidão o quadro temporal em que a destruição de cada um desses edifícios foi causada em cada um desses meses ou até semanas – ou mesmo até ao dia preciso em que tal aconteceu.

Os voluntários que vão trabalhar com este projeto de ativismo digital irão analisar o sucedido a determinado edifício ao longo de uma sequência temporal de imagens de satélite capturadas durante a batalha, para identificar as mudanças ocorridas durante esse tempo, marcando as datas de antes e depois da destruição do edifício.

A Amnistia Internacional estima que entre 3 000 e 5 000 ativistas digitais do mundo inteiro vão estar envolvidos beste projeto com a duração de um mês, até 21 de dezembro. Para garantir a qualidade dos dados recolhidos, cada edifício destruído será analisado múltiplas vezes por vários trackers.

Todo o caminho que se segue

Os resultados obtidos com o projeto “Strike Tracker” vai contribuir para os esforços e trabalho da Amnistia Internacional a uma maior escala, para:

  • consciencializar a opinião pública sobre o impacto devastador sofrido pelos civis encurralados em Raqqa durante as batalhas;
  • levar a coligação liderada pelos EUA a abandonar o atual estado de negação e a reconhecer maiores responsabilidades e proceder a investigações significativas;
  • prestar assistência e capacitar as famílias das vítimas e sobreviventes a obterem justiça e ressarcimento.

O Departamento de Defesa dos EUA – cujas forças fizeram a maior parte dos raides aéreos e de artilharia sobre Raqqa – deixou claro, numa carta enviada à Amnistia Internacional em setembro de 2018, que não aceita nenhuma responsabilidade pelas mortes de centenas de civis que causou. A coligação não tem quaisquer planos para compensar sobreviventes e familiares das pessoas mortas em Raqqa e recusa-se a prestar mais informações sobre as circunstâncias em que foram efetuados os bombardeamentos.

“Estas flagrantes atitudes de negação e de encolher de ombros por parte da coligação são muito pouco escrupulosas. A ofensiva militar que levaram a cabo matou e feriu centenas de civis e, depois, deixou os sobreviventes a mãos com toda a destruição.”

Milena Marin, consultora sénior de Investigação Tática da equipa de Resposta a Crises da Amnistia Internacional

“Estas flagrantes atitudes de negação e de encolher de ombros por parte da coligação são muito pouco escrupulosas. A ofensiva militar que levaram a cabo matou e feriu centenas de civis e, depois, deixou os sobreviventes a mãos com toda a destruição”, frisa Milena Marin.

A perita da Amnistia Internacional em Investigação Tática da equipa de Resposta a Crises aponta que “os dados que vamos recolher com o ‘Strike Tracker’ permitir-nos-ão dar mais um passo em frente na missão de demonstrar a escala desconcertante de perda de vidas de civis e ajudará a consolidar a obrigação legal, assim como o imperativo moral, da coligação a assumir toda a responsabilidade pelas suas ações”. “[A coligação militar liderada pelos EUA] tem de admitir e investigar adequadamente estes casos de uma vez por todas, abrindo caminho à justiça e ao ressarcimento”, reitera.

A Amnistia Internacional e o Airwars publicarão os resultados do projeto “Strike Tracker” como parte de uma plataforma digital interativa no início de 2019.

Os decoders da Amnistia Internacional

O “Strike Tracker” é o mais recente de uma série de projetos de recolha de dados com participação pública da Amnistia Internacional, que a organização de direitos humanos designa por “Decoders”. Desde o lançamento do “Decoders”, em junho de 2016, a Amnistia Internacional já realizou quatro programas, mobilizando o envolvimento de mais de 50 mil ativistas digitais oriundos de 150 países.

Estes voluntários – ou decoders – examinaram enormes quantidades de dados, cumprindo mais de 1,5 milhões de tarefas. Ajudaram os investigadores da Amnistia Internacional, por exemplo, a analisar o sucesso de ações urgentes de campanhas, a detetar aldeias e vilas destruídas na zona remota do Darfur, a chamar a prestar contas empresas petrolíferas por milhares de derrames de petróleo na Nigéria e a monitorizar tweets para detetar abusos e ameaças online contra as mulheres.

  • 50 milhões

    50 milhões

    Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, mais de 50 milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas. A maior parte devido a conflitos armados. (ACNUR, 2014)
  • 12,2 milhões

    12,2 milhões

    No final de 2014, 12,2 milhões de sírios – mais de metade da população do país – dependiam de ajuda humanitária. (UNOCHA)

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