9 Dezembro 2020

Se não forem tomadas medidas urgentes pelos governos e pela indústria farmacêutica para garantir a produção e distribuição de doses suficientes, 67 países só vão conseguir vacinar uma em cada dez pessoas contra a COVID-19. O alerta é feito, hoje, pela People’s Vaccine Alliance, uma coligação de organizações que integra a Amnistia Internacional.

“O açambarcamento de vacinas mina ativamente os esforços globais para garantir que todos, em qualquer lugar, possam estar protegidos da COVID-19”

Steve Cockburn, especialista em Justiça Económica e Social da Amnistia Internacional

Por outro lado, as nações mais ricas compraram doses suficientes para vacinar quase três vezes as suas populações, até ao final do próximo ano, caso todos os testes clínicos que estão a decorrer sejam aprovados. O Canadá está no topo da lista com vacinas suficientes para administrar cinco vezes a cada cidadão.

Os dados mais recentes mostram que os países mais ricos representam apenas 14 por cento da população mundial. Contudo, já adquiriram 53 por cento de todas as vacinas com os resultados mais promissores.

A Amnistia Internacional e as restantes organizações que fazem o alerta, como a Frontline AIDS, Global Justice Now e Oxfam, utilizaram dados recolhidos pela empresa de informação científica e analítica Airfinity para analisar os acordos feitos de compra de oito vacinas. De acordo com as conclusões, 67 países com rendimentos baixos ou médios correm o risco de ficar para trás, ainda que cinco – Quénia, Myanmar, Nigéria, Paquistão e Ucrânia – já reportaram quase 1,5 milhões de casos.

“Ao comprarem a grande maioria da oferta mundial de vacinas, os países ricos estão a violar as suas obrigações de direitos humanos”

Steve Cockburn, especialista em Justiça Económica e Social da Amnistia Internacional

Steve Cockburn, especialista em Justiça Económica e Social da Amnistia Internacional, afirma que “o açambarcamento de vacinas mina ativamente os esforços globais para garantir que todos, em qualquer lugar, possam estar protegidos da COVID-19”. “Os países ricos têm obrigações claras de direitos humanos, não apenas de se absterem de ações que possam prejudicar o acesso à vacina noutros lugares, mas também de cooperarem e prestarem assistência aos países que dela necessitem”, prossegue.

“Ao comprarem a grande maioria da oferta mundial de vacinas, os países ricos estão a violar as suas obrigações de direitos humanos. Se, em vez disso, trabalharem com outros para partilhar conhecimento e aumentar a oferta, podem ajudar a pôr fim à crise global de COVID-19”, conclui o responsável da Amnistia Internacional.

A vacina da Pfizer/BioNTech já recebeu aprovação no Reino Unido e começou a ser administrada esta semana. É provável que seja autorizada por outros países, como os Estados Unidos da América (EUA), dentro de alguns dias.

Duas outras vacinas, da Moderna e da Oxford/AstraZeneca, também vão ser submetidas para aprovação ou aguardam parecer dos reguladores. A vacina Sputnik da Rússia já anunciou resultados positivos nos testes e outras quatro estão na fase 3.

Até agora, todas as doses da Moderna e 96 por cento da Pfizer/BioNTech foram adquiridas por países ricos. Num contraste positivo, a Oxford/AstraZeneca comprometeu-se a fornecer 64 por cento das suas vacinas a países em desenvolvimento.

Desequilíbrios a mitigar

Os acordos já estabelecidos com a Oxford/AstraZeneca foram feitos principalmente com alguns dos grandes países em desenvolvimento, como a China e a Índia. A maioria não avançou com a compra de doses e, por essa razão, terá de entrar na pool de distribuição da COVAX.

Uma empresa não pode fornecer vacinas para todo o mundo. Ou seja, só a partilha de tecnologia entre os produtores pode tornar isso possível.

A People’s Vaccine Alliance apela a todas as farmacêuticas que desenvolvem vacinas contra a COVID-19 para partilharem a sua tecnologia e propriedade intelectual, através da Organização Mundial da Saúde, para que milhares de milhões de doses possam ser produzidas de forma segura e eficaz. A coligação também pede aos governos que façam tudo ao seu alcance para garantir que as vacinas se tornem num bem público global e sejam distribuídas gratuitamente, com base nas necessidades. Um primeiro passo seria apoiar a proposta da África do Sul e da Índia, no Conselho da Organização Mundial do Comércio desta semana, para que se renuncie aos direitos de propriedade intelectual de vacinas, testes e tratamentos da COVID-19, até que todas as pessoas estejam protegidas.

As vacinas desenvolvidas pela AstraZeneca/Oxford, Moderna e Pfizer/BioNTech receberam mais de cinco mil milhões de dólares de financiamento público. Para a aliança, as empresas devem ter a responsabilidade de agir com base no interesse público global.

A necessidade de uma vacina para todos tem sido apoiada por sobreviventes da COVID-19, especialistas em saúde, ativistas, economistas e líderes mundiais e religiosos, como Cyril Ramaphosa, Imran Khan, Ellen Johnson Sirleaf, Gordon Brown, Helen Clark, Mary Robinson, Joseph Stiglitz, John Nkengasong e Thomas Piketty.

Nos EUA, mais de 100 altos responsáveis de diversas organizações juntaram-se a ex-membros do Congresso norte-americano, economistas e artistas para assinar uma carta aberta em que pediam ao presidente-eleito Joe Biden para que apoiasse a iniciativa de vacinas para todos.

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