18 Maio 2012

A Amnistia Internacional Portugal e a Universidade Lusófona promoveram, na passada quarta-feira, 16 de maio, uma reflexão sobre o “Passado, Presente e Futuro dos Direitos Humanos, desde a Revolução Francesa até ao Novo Milénio”. Os alunos encheram o Auditório Agostinho da Silva para conhecer alguns momentos cruciais da História dos Direitos Humanos e para discutir perspetivas futuras.

 

Primeiro Painel

altA conferência começou com uma viagem ao passado, através da história dos Direitos Humanos. Fernando Catroga, Historiador e Professor Catedrático, recordou as inovações trazidas pelas Revoluções Europeias e Transatlânticas, quando foram elaboradas as primeiras declarações de Direitos Humanos. Os movimentos desta época desencadearam um processo histórico que influenciou grandemente a produção destes documentos internacionais em vários países, que exaltavam os Direitos Humanos abolindo os (até então vigentes) direitos feudais e de servidão. Contudo, contrapôs o historiador, é preciso não esquecer que quem redigiu as declarações foram as elites culturais e burguesas da altura, que incluíram nelas os seus valores, que poderiam não representar os da maioria. Acrescentou ainda que o que diferenciou cada uma das declarações elaboradas nas revoluções foram as experiências históricas e culturais vivenciadas por cada povo.

Seguiu-se a intervenção de Freitas do Amaral, Professor de Direito e ex-Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, que refletiu sobre um outro momento histórico marcante para os Direitos Humanos: o pós-Segunda Guerra Mundial e a Ordem Mundial que daí emergiu. A irracionalidade do Homem e a sua animalidade foram levadas ao limite neste período, tendo sido cometidas inúmeras violações aos Direitos Humanos que estavam já consagrados em declarações, referiu. A necessidade de reforçar a importância destes valores, e de impossibilitar que a sua violação voltasse a acontecer, justificou a urgência na criação de uma comunidade internacional forte e com instituições fidedignas. A Organização das Nações Unidas foi então criada, em 1945, com o objetivo de assegurar mecanismos de paz, de segurança e de liberdade para os cidadãos de todo o mundo, mesmo face a abusos cometidos pelos seus próprios Estados.

altO ex-Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas referiu ainda a dificuldade que foi redigir o documento que viria a dar corpo à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, com diferentes correntes em oposição na mesa de trabalhos. Freitas do Amaral apresentou então alguns momentos históricos – triunfantes para os Direitos Humanos – que ajudaram a consolidar o documento internacional, como a queda do Bloco Soviético. Para concluir, o orador defendeu que estamos num momento de construção de uma nova ordem mundial e que a Declaração Universal dos Direitos Humanos continua a ser um instrumento de poder, apesar de todas as ações que têm sido desenvolvidas contra os princípios nela veiculados.

Vítor Nogueira, Presidente da Amnistia Internacional Portugal, encerrou o painel da manhã com uma apresentação sobre o papel das organizações não governamentais no combate às violações dos Direitos Humanos e na promoção destes valores. Fez referência à evolução – verificada após a criação das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos e com a nova Ordem Mundial – que levou ao aparecimento de movimentos sociais e de grupos de interesse e/ou pressão para a defesa dos Direitos Humanos. O dirigente referiu, porém, que os Direitos Humanos estão muitas vezes subordinados à vontade dos Estados, que podem formular a sua própria lei nacional. Exemplificando, Vítor Nogueira citou as violações do direito à religião e dos direitos das mulheres em alguns países islâmicos e recordou o Apartheid, na África do Sul, quando os Direitos Humanos dos negros não eram levados em consideração. O Presidente da Amnistia Internacional Portugal realçou ainda o facto de a Declaração Universal dos Direitos Humanos não ser legalmente vinculativa, necessitando de tratados específicos que a complementem.

altAinda no que diz respeito ao papel das organizações não governamentais, o dirigente referiu o cinismo que por vezes existe por parte das autoridades, quando usam os relatórios de organizações independentes – que registam as violações de Direitos Humanos cometidas por alguns Estados – para legitimarem as suas ações. A título de exemplo, Vítor Nogueira referiu as atitudes de George Bush e do seu filho, George W. Bush, que enquanto Presidentes dos Estados Unidos da América legitimaram alguns dos seus atos violentos com relatórios de organizações onde eram mencionadas violações de Direitos Humanos nos países que atacaram. A fechar a sua intervenção, o Presidente da Amnistia Internacional referiu a progressão que se tem sentido nas organizações não governamentais, que utilizam novas técnicas e mecanismos de ação e trabalham com profissionais cada vez mais especializados. A este nível era impossível não lembrar a importância das novas tecnologias nas formas de ação e comunicação das organizações da sociedade civil, dando como exemplo as revoluções das Primavera Árabe. 

 

Segundo Painel

altA sessão da tarde começou com uma reflexão sobre a indivisibilidade dos Direitos Humanos, embora “a comunidade internacional continue a ver os Direitos Económicos, Sociais e Culturais como algo mais trivial”, ou como o “parente pobre dos Direitos Humanos”, reconheceu Vera Ávila, diplomata da Divisão de Direitos Humanos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A provar isso mesmo, e como consequência, está o facto de ainda não ter entrado em vigor o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais – que vai permitir aos cidadãos de todo o mundo apresentarem queixa contra o seu país junto das Nações Unidas se o referidos direitos não estiverem a ser cumpridos (ler mais aqui). Contrariamente, acrescentou Vera Ávila, o Protocolo Facultativo dos restantes Direitos Humanos – os Civis e Políticos – foi aberto a assinatura logo em 1966 e entrou em vigor em 1976.

Sem pudor, a diplomata reconheceu ainda que “é lamentável que Portugal ainda não tenha ratificado” o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que precisa de 10 ratificações para entrar em vigor (neste momento tem oito). Recorde-se que o documento foi elaborado por um Grupo de Trabalho liderado pela portuguesa Catarina Albuquerque e que desde 2009 que está aberto a ratificação, tendo Portugal sido o primeiro país a vincular-se através da sua assinatura. A diplomata explicou que a demora na ratificação se prende com questões burocráticas, uma vez que é necessária a aprovação do Protocolo por todos os Ministérios que trabalhem a matéria que este regula. Tal já tinha acontecido, mas com a mudança de governo foi preciso revalidar todos os pareceres positivos, explica. E é isso que está a acontecer. “Esperamos dar por concluído este processo até final do ano”.

altSeguiu-se o testemunho da jornalista da SIC Cândida Pinto sobre o que viveu na Líbia, em 2011, durante o regime de Kadhafi e após a sua queda, e o discurso emocionado do jornalista freelancer recém-chegado a Portugal, Tiago Carrasco, que partiu com dois colegas pelos países do Médio Oriente e Norte de África um ano após o início das revoluções, no projeto a que chamaram Estrada da Revolução. Os dois oradores defenderam um jornalismo que promova os Direitos Humanos. “O jornalismo é importante porque às vezes é possível mudar um bocadinho as coisas”, garantiu Cândida Pinto, apresentando o exemplo das imagens captadas pelo jornalista inglês Max Stahl durante o massacre de Santa Cruz, que mudaram a história de Timor Leste. Tiago Carrasco contou ainda que, na Síria, os três aventureiros portugueses eram protegidos, porque, diziam-lhes os rebeldes, “vocês são as nossas armas para divulgar ao mundo o que está a acontecer”.

altA fechar a conferência esteve Maria João Silveira, docente da Universidade Lusófona, que apresentou “Uma Nova Pedagogia para os Direitos Humanos”, começando, desde logo, por quebrar ideias enraizadas. Primeiro, afirmou, “nego que o Ser Humano seja um animal racional”. Em segundo lugar, “nego que a vida humana seja um valor”. Duas afirmações chocantes que explicou, demonstrando que o Ser Humano é muito mais do que só a sua cabeça, sendo pleno de consciência e de sentimentos. E provou que a vida humana não pode ser um valor, senão seria passível de discussão, de ser comprada ou de ter um valor diferente em locais e culturas diferentes. “Nós não somos relativizáveis”, afirmou, e concluiu dizendo que só quando tudo isto for claro para todas as pessoas do mundo é que terão começado os Direitos Humanos.

 

 

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