14 Janeiro 2013

“Enquanto fazia os preparativos frenéticos de última hora para viajar para a Tunísia integrada na delegação da Amnistia Internacional para observar as violações de direitos humanos, no contexto da agitação social que assola o país desde o final do ano passado, um colega disse em tom de brincadeira que iria estar sentada no quarto de hotel em Túnis a acompanhar os desenvolvimentos através da Al-Jazira.

Apesar de nos termos rido bastante disso na altura, a profecia acabou por estar correta.

Desde o momento da minha chegada, dia 14 de janeiro, sexta-feira, senti que a Tunísia era um país diferente. Ao contrário do normal nas outras missões de investigação da Amnistia Internacional, não fomos acompanhados por forças de segurança desde o aeroporto. Ficou claro que as suas preocupações iam muito além de obstruir o relatório da Amnistia Internacional que criticava o terrível registo de direitos humanos no país.

Duas horas após a nossa chegada o aeroporto e o espaço aéreo de Túnis foram encerrados, aparentemente pelo exército. Depois disso os eventos desenrolaram-se a uma velocidade incrível.

Uma manifestação em frente ao Ministério do Interior foi violentamente dispersada; o Presidente Zine El Abidine Ben Ali demitiu o governo; e a televisão tunisina anunciou a imposição do estado de emergência nacional e o recolher obrigatório entre as cinco da tarde e as sete da manhã.

Enquanto estava presa no quarto de hotel esperando ansiosamente pelo anúncio prometido na televisão tunisina, fomos inundados por uma imensidão de rumores: o exército tinha tomado posse, Ben Ali tinha abandonado o país, e a família da sua mulher tinha sido presa pelas forças de segurança quando tentava voar para fora do país. Alguns deles provaram ser verdadeiros – quanto a outros ainda não se sabe ao certo.

Apesar da frustração de estar tão perto de eventos históricos e estar confinada a um quarto de hotel, consegui ter uma ideia da ocasião memorável.

Consegui ver fumo a erguer-se no centro de Túnis.

Consegui ouvir tiros à distância.

Consegui ouvir pessoas assobiando e aplaudindo dentro de suas casas quando foi anunciado que Ben Ali tinha renunciado ao poder, e que o Primeiro-Ministro, Mohamend Ghannouchi, tinha assumido as funções do Presidente até que se realizem eleições dentro de seis meses (o Presidente do Parlamento tunisino tornou-se o presidente interino).

Do lado de fora da janela do meu hotel vi ruas desertas e silenciosas. Por volta das dez da noite, passou um veículo do exército. Uma hora e meia depois, consegui ouvir helicópteros a circundar os céus.

Antes da imposição do recolher obrigatório, tivemos oportunidade de conhecer os jornalistas reunidos no sindicato da imprensa. A maior parte deles tinha acabado de regressar do protesto frente ao Ministério do Interior.

Eles disseram-nos que as forças de segurança lançaram gás lacrimogénio contra os manifestantes e espancaram alguns deles. Lamentaram a falta de acesso à informação por parte dos meios de comunicação social e o facto de alguns colegas terem sido presos. Expressaram simpatia pelas dezenas de manifestantes abatidos pelas forças policiais tunisinas nas últimas semanas.

Um deles disse que Ben Ali sobreviveu durante 23 anos devido à repressão da liberdade de expressão. Hoje porém, eles envolvem-se livremente numa animada e sincera troca de ideias sobre o futuro do seu país sem medo.

Depois de duas décadas de feroz repressão em nome da segurança, os tunisinos esperam que as autoridades comecem finalmente a defender os diretos humanos que têm restringido durante tanto tempo.

A Amnistia Internacional passou décadas a documentar os abusos das forças policiais tunisinas, incluindo prisões arbitrárias e detenções, tortura e julgamentos flagrantemente injustos.

As autoridades tunisinas também reprimiram fortemente todas as vozes dissidentes. A oposição política foi esmagada, foi negado o registo legal às organizações independentes da sociedade civil, ou foram vítimas de “golpes” perpetrados pelos apoiantes do governo. Os ativistas de direitos humanos, advogados ou jornalistas enfrentaram vigilância e intimidação numa base diária.

As forças de segurança, particularmente a tão temida “polícia política”, controlaram muitos aspetos das vidas dos tunisinos.

Continua por saber se este novo começo da Tunísia levará à responsabilização dos abusos cometidos no passado.

Enquanto o futuro do país permanece imprevisível, é certo que a revolta mudou drasticamente a política tunisina.

O seu impacto irá sem dúvida ser sentido a nível regional – onde outros sistemas políticos têm sobrevivido pela repressão dos dissidentes com um punho de ferro e total desrespeito pelos direitos humanos, como o provam as pequenas manifestações desta tarde no Cairo apelando à demissão do Presidente Hosni Mubarak, no poder desde 1981.

É difícil de acreditar que os eventos despoletados em dezembro pelo ato desesperado e trágico de Mohamen Bouazizi, imolando-se pelo fogo após a polícia ter confiscado a sua tenda de fruta e vegetais, levou à partida de Ben Ali, há duas décadas no poder, da Tunísia menos de um mês depois.

Em 5 de janeiro, Mohamed Bouazizi sucumbiu aos ferimentos; mas certamente será imortalizado na história moderna da Tunísia. O legado de Ben Ali é menos claro, especialmente tendo em conta as vozes que se têm erguido apelando a que seja acusado pelas violações de direitos humanos perpetradas durante a sua governação.”

Postado em 15 de janeiro de 2011, por Diana Eltahawy naTunísia, investigadora da Amnistia Internacional para o Norte de África.

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