14 Fevereiro 2022

Apesar dos apelos urgentes para que fosse assegurada a distribuição equitativa de vacinas contra a COVID-19 em 2021, as empresas farmacêuticas não conseguiram estar verdadeiramente à altura da crise de saúde e de direitos humanos global. Em vez disso, monopolizaram a tecnologia, bloquearam e pressionaram a partilha de propriedade intelectual, cobraram preços elevados pelas vacinas e priorizaram os fornecimentos a países ricos, revelou hoje a Amnistia Internacional numa nova avaliação das principais empresas produtoras de vacinas contra a COVID -19.

No ano passado, foram produzidas dez mil milhões de doses de vacinas contra a COVID-19, valor mais do que suficiente para atingir a meta de vacinação global de 40%, definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) até o final de 2021. Porém, o novo relatório “O Dinheiro dita as regras: A resposta das farmacêuticas à crise das vacinas contra a Covid-19” (na versão original: Money calls the shots: Pharma’s response to the Covid-19 vaccines crisis) – revela que pouco mais do que 4% da população que vive em países de baixos rendimentos foi efetivamente vacinada até ao fim do ano passado.

Este relatório é uma atualização da investigação da Amnistia Internacional em setembro de 2021: Uma dose dupla de desigualdade: as empresas farmacêuticas e a crise das vacinas contra a COVID-19.

“Mais de 1.2 mil milhões de pessoas em países de baixo e médio-baixo rendimentos poderiam ter sido vacinadas até final de 2021, se os países de alto rendimento e fabricantes de vacinas tivessem cumprido as suas obrigações e responsabilidades de direitos humanos”, assinala Rajat Khosla, diretor sénior de pesquisa, advocacia e incidência política na Amnistia Internacional.

“Além de os países de rendimento elevado terem escolhido acumular vacinas, bloqueando o seu abastecimento às partes mais pobres do mundo, as companhias farmacêuticas desempenharam um papel central nesta perpetuante crise de direitos humanos – deixando os mais necessitados a enfrentá-la sozinhos. Estas empresas poderiam ter sido exemplares em 2021. Em vez disso, ignoraram quem mais necessitava de vacinas e prosseguiram os seus negócios, pondo os lucros à frente das pessoas. Se queremos que 2022 seja o último ano desta pandemia, precisamos de mudar o rumo agora para atingirmos a meta de 70% da OMS, em julho deste ano.”

“Se queremos que 2022 seja o último ano desta pandemia, precisamos de mudar o rumo agora para atingirmos a meta de 70% da OMS, em julho deste ano”

Rajat Khosla

Em 2021, a Pfizer, a BioNTech e a Moderna projetaram receitas até 46 mil milhões de euros, mas forneceram menos de 2% das suas vacinas a países de baixo rendimento. As empresas chinesas Sinovac e Sinopharm entregaram apenas 0.5% e 1.5%, respetivamente, das suas vacinas a países de baixo rendimento.

Os registos da Johnson & Johnson e da AstraZeneca sobre distribuição foram melhores – com 50% do seu stock a chegar a países de baixo e médio-baixo rendimento (com muitas destas doses fornecidas como “doações” de países de rendimento mais elevado, não como parte de acordos de vendas). Contudo, ambas as empresas recusam ainda  partilhar a sua tecnologia e propriedade intelectual através de iniciativas coordenadas pela Organização Mundial de Saúde e estão agora a abandonar o seu modelo de fixação de preços sem fim lucrativo.

“Apesar dos milhares de milhões em financiamento público, estas empresas continuam a colocar a sua própria ganância à frente das suas responsabilidades de direitos humanos. É profundamente preocupante que os lucros estejam a ser priorizados em vez das pessoas – mesmo sob um cenário de mais de 5.6 milhões de pessoas mortas pela COVID-19 até à data. Quantas variantes mais teremos de atravessar antes de os países de rendimentos elevados e as empresas farmacêuticas compreenderem que as pessoas nos países mais pobres necessitam de acesso às vacinas – não apenas as dos países ricos?”, questiona Rajat Khosla.

Outras descobertas providenciadas pela Airfinity, uma empresa de ciência de dados, até 31 dezembro de 2021, incluem:

 

  • A AstraZeneca produziu cerca de 2.4 mil milhões de doses de vacinas em 2021 e forneceu 1.7% destas a países de baixo rendimento e 70% a países de médio-baixo rendimento, um aumento relativamente à avaliação anterior.

 

  • A Johnson & Johnson produziu pouco acima de 300 milhões de doses em 2021 e entregou 20% destas a países de baixo rendimento e 31% a países de médio-baixo rendimento, um aumento significativo face à avaliação anterior.

 

  • A Moderna produziu 673 milhões de doses em 2021 e entregou 2% destas a países de baixo rendimento e 23.5% a países de médio-baixo rendimento, um aumento significativo relativamente à avaliação anterior, mas ainda aquém do que é necessário.

 

  • A Pfizer/BioNTech produziu 2.4 mil milhões de doses em 2021 e entregou 1% destas a países de baixo rendimento e 14% a países de médio-baixo rendimento, um aumento ligeiro relativamente à anterior avaliação, mas bem abaixo da meta de 50% da Amnistia Internacional.

 

  • A Sinopharm produziu pouco acima de 2.2 mil milhões de doses em 2021, a maior parte das quais foi fornecida domesticamente no interior da China. A empresa entregou 1.5% das suas doses a países de baixo rendimento e 24% a países de médio-baixo rendimento, aquém do que é requerido para uma distribuição justa das suas vacinas.

 

  • A Sinovac produziu mais de 2.4 mil milhões de doses em 2021, a maior parte das quais foi fornecida domesticamente no interior da China. Entregou 0.4% das suas doses a países de baixo rendimento e 20.5% a países de médio-baixo rendimento.

 

O relatório da Amnistia Internacional também mostra como estas empresas não partilham a sua propriedade intelectual, conhecimento e tecnologia, colocando obstáculos a um acesso justo às vacinas, e pressionando ativamente contra a flexibilização dos direitos de propriedade intelectual.

“A luta pela distribuição equitativa de vacinas está longe de terminar”, refere Rajat Khosla. “Continuaremos a apelar às empresas farmacêuticas para que deem prioridade à entrega a países de baixos rendimentos, de forma a cumprir a meta global da OMS de 70% de vacinação antes da metade do ano de 2022. Toda as pessoas são dignas de uma oportunidade justa de aceder a uma vacina e, ao entrarmos no nosso terceiro ano de pandemia, é tempo de que todos possam aceder a uma vacina, independentemente de quem são e onde vivam.

“A luta pela distribuição equitativa de vacinas está longe de terminar”

Rajat Khosla

A Amnistia Internacional está ainda a apelar às empresas para que partilhem a propriedade intelectual emitindo licenças abertas e não-exclusivas ou participando no Grupo de Acesso à Tecnologia da COVID-19 (C-TAP), estabelecido para apoiar a partilha de licenças abertas e não-exclusivas, divulgando publicamente todos os termos, condições e preços das vacinas, de forma a que o lucro não impeça o acesso às vacinas contra a COVID-19.

“Os investidores também desempenharam um papel enorme nesta crise global. A sua falta de ação significativa mostra que enquanto a COVID -19 desencadeava um sofrimento inimaginável de milhões de pessoas em todo o mundo, eles prosperavam, não fazendo nada para garantir que os seus investimentos não comprometiam os direitos humanos devido à abordagem orientada para o lucro assumida pelas empresas farmacêuticas”, concluiu Rajat Khosla. “Estamos a apelar aos investidores para que assumam imediatamente as suas ações e utilizem a sua influência para pressionar as empresas farmacêuticas a retirarem os obstáculos ao acesso justo a vacinas, e a promover responsabilização e transparência.”

 

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