26 Março 2015

 

Grupos armados palestinianos deram mostras de um claro desrespeito pelas vidas de civis ao lançarem repetidos ataques indiscriminados de rockets e morteiros contra zonas civis israelitas durante o conflito de julho e agosto de 2014 entre Gaza e Israel, sustenta a Amnistia Internacional em novo relatório.

O documento – intitulado “Unlawful and deadly: Rocket and mortar attacks by palestinian armed groups during the 2014 Gaza/Israel conflict” (Ilegal e mortal: ataques de rockets e morteiros por grupos armados palestinianos durante o conflito Gaza/Israel em 2014) e divulgado esta quinta-feira, 26 de março – fornece provas de que vários ataques lançados a partir da Faixa de Gaza constituem crimes de guerra.

Seis civis em Israel, incluindo um rapaz de quatro anos, foram mortos em ataques daquela natureza durante os 50 dias que durou o conflito. No mais mortal dos incidentes que se crê ter sido causado por um ataque palestiniano morreram 11 crianças de entre 13 civis mortos, quando um morteiro disparado da Faixa de Gaza caiu no campo de refugiados de Shati.

“Grupos armados palestinianos, incluindo o braço armado do Hamas, lançaram repetidos ataques ilegais durante o conflito, tendo causado a morte a seis civis e ferindo muitos outros [em território israelita]. Ao fazerem estes ataques, deram mostras de um desrespeito claro pela lei internacional humanitária e pelas consequências das violações de direitos humanos cometidas sobre os civis tanto em Israel como na Faixa de Gaza”, frisa o diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Philip Luther.

Todos os rockets usados pelos grupos armados palestinianos são projéteis não-guiados que não podem ser dirigidos com precisão a um determinado alvo e são, por isso, indiscriminados. A utilização deste tipo de armamento é proibida pela lei internacional e o seu uso constitui um crime de guerra. Os morteiros são igualmente munições de enorme imprecisão e não devem nunca ser usados para atacar alvos militares localizados dentro ou nas proximidades de áreas civis.

“É imperioso que os grupos armados palestinianos ponham fim a estes ataques diretos contra civis e aos ataques indiscriminados. Têm também de tomar todas as precauções exequíveis para proteger os civis na Faixa de Gaza dos efeitos de tais ataques. E isto inclui encetar todas as medidas possíveis para evitar colocar combatentes e armas dentro ou próximo de zonas densamente povoadas”, prossegue Philip Luther.

Os crimes de uns não absolvem os crimes de outros

Pelo menos 1.585 civis palestinianos – incluindo mais de 530 crianças – foram mortos em Gaza, e pelo menos 16.245 casas destruídas ou ficaram inabitáveis devido a ataques israelitas durante o conflito, alguns dos quais constituem também crimes de guerra.

“O impacto devastador dos ataques israelitas contra civis palestinianos durante o conflito é inegável, mas as violações cometidas por um dos lados nunca justificam as violações cometidas pelos seus oponentes”, defende o diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

Philip Luther reitera que “o facto de ser aparente que grupos armados palestinianos cometeram crimes de guerra ao dispararem rockets e morteiros de forma indiscriminada não absolve as forças israelitas das suas obrigações ao abrigo da lei internacional humanitária”. “Esta guerra registou um nível de morte, de destruição e de feridos sem precedentes sobre a população de 1,8 milhões de pessoas na Faixa de Gaza, e alguns dos ataques feitos pelos israelitas também têm de ser investigados como crimes de guerra”, diz ainda.

Para o diretor da Amnistia Internacional “as autoridades israelitas e palestinianas têm de cooperar com as investigações da Comissão de Inquérito das Nações Unidas e do Tribunal Penal Internacional para pôr fim a décadas de impunidade que perpetuaram um ciclo de violações em que os civis de ambos os lados pagaram um preço muito elevado”.

De acordo com dados das Nações Unidas, mais de 4.800 rockets e 1.700 morteiros foram disparados de Gaza na direção de Israel durante o conflito do verão passado. Dos milhares de rockets e mosteiros disparados, uns 224 terão atingido áreas residenciais israelitas, enquanto muitos outros foram intercetados pelo escudo de defesa antimíssil israelita “Cúpula de Ferro”.

A morte de Daniel Tregerman, de quatro anos, a 22 de agosto de 2014, ilustra bem as consequências trágicas do uso de armamento impreciso como morteiros contra áreas civis. A família Tregerman tinha fugido da sua casa no kibbutz de Nahal Oz devido aos combates, mas regressara no dia antes de Daniel ser morto. Alguns momentos após terem soado as sirenes de alarme, um morteiro lançado a partir de Gaza atingiu o carro da família estacionado à porta da casa. A irmã mais nova de Daniel viu o irmão morrer à frente dela.

“O meu marido e o meu filho encontravam-se na sala de estar e eu gritava-lhes para virem para o abrigo. Os estilhaços [da explosão do morteiro] atingiram Daniel na cabeça, matando-o imediatamente”, descreveu a mãe, Gila Tregerman, à Amnistia Internacional.

O braço militar do Hamas, as Brigadas Ezzedin al-Qassam, reivindicou a autoria deste ataque.

Comunidades beduínas em Israel sem nenhuma proteção

Este relatório destaca também o falhanço das autoridades israelitas em protegerem adequadamente os civis nas comunidades vulneráveis durante o conflito, especialmente as das povoações de beduínos na região do deserto do Negev e de Naqab, muitas das quais não são reconhecidas oficialmente pelo Governo israelita. Ouda Jumi’na al-Waj morreu a 19 de julho de 2014 devido a um rocket que atingiu a povoação de Qasr al-Sir, próxima da cidade israelita de Dimona.

Grande parte das povoações beduínas está classificada administrativamente como “áreas abertas” não-residenciais pelas autoridades israelitas, pelo que o escudo de defesa antimíssil que interceta rockets não opera naquela região, nem sequer há ali abrigos antibomba. São, porém, mais de mil pessoas que vivem nas povoações beduínas no Sul de Israel.

“Os civis que vivem nas povoações beduínas ficaram vulneráveis e expostos durante o conflito, o que constitui uma manifestação da discriminação que estas comunidades enfrentam diariamente. As autoridades de Israel têm de garantir que todos recebem proteção igual”, insta Philip Luther.

Entre os civis mortos por ataques lançados de Gaza está também Narakorn Kittiyangkul, trabalhador agrícola de origem tailandesa, que se encontrava numa plantação de tomate no Sul de Israel quando foi mortalmente atingido por um morteiro. E ainda Ze’ev Etzion e Shahar Melamed, mortos por um ataque de morteiro contra o kibbutz de Nirim a 26 de agosto.

Rocket palestiniano atingiu campo de refugiados

No mais letal dos incidentes que se crê terem sido causados por grupos armados palestinianos durante o conflito, morreram 13 civis palestinianos – 11 deles crianças – quando um projétil explodiu perto de um supermercado no densamente povoado campo de refugiados de Shati, em Gaza, a 28 de julho, durante o primeiro dia da festa do Eid-Fitr, que comemora o fim do Ramadão. As crianças estavam a brincar nas ruas, a comprar guloseimas e refrigerantes no supermercado, no momento do ataque.

Apesar de palestinianos terem apontado responsabilidades ao Exército israelita por aquele ataque, um perito independente em munições que examinou as provas disponíveis para a Amnistia Internacional veio concluir que o projétil utilizado contra o campo de Shati foi um rocket palestiniano.

“Estas provas que indicam que um rocket disparado por um grupo armado palestiniano pode ter causado os 13 mortos civis em Gaza sublinham quão discriminadas estas armas podem ser e as consequências terríveis de as usar”, diz Philip Luther.

Mahmoud Abu Shaqfa e o filho de cinco anos Khaled foram ambos gravemente feridos no ataque a Shati. E o filho mais velho, de oito anos, Muhammad, morreu. “O rocket caiu junto ao nosso carro… e o carro todo foi perfurado pelos estilhaços. Um dos estilhaços atingiu-me. E Khaled veio para mim aos gritos ‘Papá, papá, levanta-te’. Uma das minhas pernas estava aberta ao meio e um dos meus braços todo torcido para trás das costas”, contou Mahmoud.

Não há abrigos de bombas nem sistemas de aviso de sirenes para proteger os civis em Gaza.

Este relatório detalha também outras violações da lei internacional humanitária cometidas por grupos armados palestinianos durante o conflito do verão de 2014, como é o caso do armazenamento de rockets e outras munições em edifícios civis, incluindo escolas tuteladas pelas Nações Unidas, assim como casos em que grupos armados palestinianos lançaram ataques ou armazenaram munições e armamento muito perto de locais onde centenas de civis deslocados em Gaza estavam abrigados.

“A comunidade internacional tem de ajudar a evitar que ocorram mais violações, enfrentando a enraizada impunidade neste conflito e pondo fim aos fornecimentos de todas as armas e equipamento militar aos grupos armados palestinianos e a Israel que possam ser usados para cometer graves violações da lei internacional humanitária”, remata Philip Luther.

A Amnistia Internacional insta ainda todos os países a darem o seu apoio à Comissão de Inquérito das Nações Unidas e à jurisdição do Tribunal Penal Internacional sobre os crimes cometidos por todas as partes envolvidas neste conflito.

 

Artigos Relacionados