28 Junho 2011

 

Declaração conjunta da Amnistia Internacional e da sociedade civil indonésia
 
As autoridades indonésias devem revogar imediatamente a regulamentação imposta pelo governo que permite a circuncisão feminina (‘sunat perempuan’), e criar legislação específica com penalidades adequadas proibindo todas as formas de mutilação genital feminina.
 
A nova regulação legitima a realização de mutilação genital feminina e autoriza certos profissionais da área da saúde, como médicos, parteiras e enfermeiras, a realizarem esta prática. A nova regulação define esta prática como “o acto de cortar a pele que reveste a frente do clítoris, sem agredir o mesmo”. O procedimento inclui “um corte na pele que reveste a frente do clítoris (frenulum clítoris), utilizando a ponta de uma agulha esterilizada de uso único” (Artigo 4.2 (g)). De acordo com a nova regulação, o acto de circuncisão feminina pode apenas ser conduzido depois do pedido e consenso da pessoa que sofre a circuncisão, dos seus pais, e/ou dos seus tutores. 
 
Esta nova regulação, imposta pelo Ministério da Saúde (No. 1636/MENKES/PER/XI/2010), que diz respeito à circuncisão feminina e foi implementada em Novembro de 2010, vai contra as medidas do governo de aumentar a igualdade de género e combater a discriminação contra as mulheres, em todas as suas formas. Viola várias leis indonésias, incluindo a Lei No. 7/1984, sobre a ratificação da Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres; a Lei No. 5/1998 sobre a ratificação da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Lei No. 39/1999 sobre Direitos Humanos; a Lei No. 23/2002 sobre a Protecção das Crianças; a Lei No. 23/2004 sobre a Eliminação da Violência Doméstica; e a Lei No. 23/2009 sobre a Saúde. Também vai contra um manifesto governamental de 2006, No. HK.00.07.1.3. 1047a, assinado pelo Director Geral da Saúde Comunitária, que fazia um alerta específico para os efeitos nocivos da prática de mutilação genital feminina para a saúde das mulheres. 
 
A mutilação genital feminina constitui uma forma de violência contra as mulheres, que devia ser erradicada. Quando o Estado falha na contestação efectiva destas práticas, reforça a percepção que os outros têm o direito de controlar a sexualidade de uma jovem ou de uma mulher, o que significa, decidir em que circunstâncias deve (ou não) empreender a sua actividade sexual. A Amnistia Internacional preocupa-se com o facto desta regulação desculpar e encorajar a mutilação genital feminina, uma prática que inflige dor e sofrimento às mulheres e jovens, e viola por isso a proibição absoluta da tortura e de maus-tratos. A mutilação genital feminina também encoraja estereótipos discriminatórios sobre a sexualidade da mulher. 
 
Tal como documentado num relatório de 2010, “Left without a choice: Barriers to reproductive health in Indonesia”, muitas mulheres e jovens disseram à Amnistia Internacional que escolheram fazer mutilação genital feminina às suas próprias bebés. Esta prática é geralmente realizada por uma parteira tradicional durante as primeiras seis semanas depois do nascimento na criança. As mulheres afirmaram que tomaram esta decisão por motivos religiosos. Outras das razões citadas pelas mulheres, variam desde quererem assegurar a “limpeza” das suas filhas (os genitais femininos externos são considerados sujos) e evitar doenças; a perpetuar práticas locais ou culturais; ou procurar regular ou suprimir a necessidade das raparigas de “actividade sexual” enquanto adultas. Algumas mulheres descreveram o procedimento como um mero “corte simbólico”, enquanto noutros casos explicaram que consistia em cortar uma pequena parte do clítoris. Muitas das mulheres entrevistadas concordaram que havia alguma perda de sangue como resultado do procedimento.  
 
Independentemente da extensão do procedimento, a prática de mutilação genital feminina destaca estereótipos discriminatórios sobre os genitais femininos serem “sujos” ou degradantes; que as mulheres não têm o direito de fazer as suas próprias escolhas no que toca à sua sexualidade da mesma forma que os homens; e que as mulheres e jovens só podem ter dignidade total na sua prática religiosa, se os seus corpos forem alterados, na medida em que há alguma coisa extremamente errada no corpo feminino. Atitudes que denigrem as mulheres devido à sua sexualidade actual ou entendida, são utilizadas de forma comum para justificar a violência contra as mulheres. 
 
Nas suas conclusões apresentadas em 2007, o Comité da Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres recomendou que a Indonésia desenvolvesse um plano de acção para eliminar a prática da mutilação genital feminina, incluindo a implementação de campanhas de sensibilização públicas para alterar as percepções culturais sobre este assunto, provendo educação no que diz respeito à prática enquanto violação dos direitos humanos das mulheres e jovens que não tse baseiam na religião.
 
Já em 2008, o Comité das Nações Unidas contra a Tortura, também recomendou que o país adoptasse todas as medidas adequadas para erradicar a prática persistente de mutilação genital feminina, incluindo campanhas de sensibilização em cooperação com organizações da sociedade civil. 
 
Como Estado-membro do Comité da Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, as autoridades indonésias devem imediatamente tomar os passos seguintes: 
 
1.Revogar a lei do Ministério da Saúde No. 1636/MENKES/PER/XI/2010, no que diz respeito à circuncisão feminina;
 
2.Decretar legislação específica com penalidades adequadas proibindo a mutilação genital feminina;
 
3.Implementar campanhas de sensibilização públicas para alterar as percepções culturais associadas à mutilação genital feminina. 

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