7 Fevereiro 2023

A Amnistia Internacional considerou esta segunda-feira que as autoridades iranianas continuam a perpetuar o encobrimento de crimes condenáveis pelo direito internacional e a extinção de qualquer forma de oposição política, recordando a inexistência de responsabilização pelos massacres de 1988, numa altura em que a República Islâmica do Irão comemora o 44º aniversário.

Numa declaração pública intitulada “Envolvimento dos antigos diplomatas do Irão no encobrimento dos massacres das prisões de 1988”, a Amnistia Internacional recorda as vítimas dos desaparecimentos forçados em massa e das execuções extrajudiciais dos anos 80, e detalha o papel desempenhado pelos representantes diplomáticos do Irão na negação dos massacres, na divulgação de informações erradas e na oposição a uma investigação internacional face à acumulação de provas credíveis.

Mais de quatro décadas depois, os atuais governantes iranianos executam estratégias semelhantes à época dos massacres para encobrirem e enfraquecerem as respostas internacionais a crimes de direito internacional e outras violações graves dos direitos humanos, à medida que tentam anular os protestos em curso no país do Médio Oriente. As manifestações foram desencadeadas pela morte de Mahsa (Zhina) Amini, em setembro de 2022, na sequência de relatos credíveis sobre a sua tortura e outros maus-tratos.

“As autoridades do Irão continuam a esconder sistematicamente o destino e o paradeiro de milhares de dissidentes políticos que mataram extrajudicialmente na década de 1980 e despejados em sepulturas não marcadas”

Diana Eltahawy

“As autoridades da República Islâmica do Irão têm mantido o poder durante décadas através de um horror com absoluta impunidade. Continuam a esconder sistematicamente o destino e o paradeiro de milhares de dissidentes políticos que mataram extrajudicialmente na década de 1980 e despejados em sepulturas não marcadas. Escondem ou destroem valas comuns, e assediam e intimidam sobreviventes e familiares em busca de verdade, justiça e reparação”, disse Diana Eltahawy, Diretora Adjunta da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

“O aniversário da república acontece no meio de uma terrível onda de derramamento de sangue em torno dos últimos protestos, bem como de execuções arbitrárias e sentenças de morte contra os manifestantes. Isto realça a necessidade de uma ação global urgente por parte de países de todo o mundo para levar os funcionários iranianos envolvidos em crimes de direito internacional à justiça”.

A Amnistia Internacional há muito que apela à comunidade internacional a tomar medidas para acabar com a impunidade de crimes passados e continuados contra a humanidade, decorrentes dos massacres prisionais de 1988. Em 2021, o Grupo de Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos Forçados e Involuntários juntou-se ao apelo para uma investigação internacional.

 

Encobrimento dos massacres prisionais de 1988

Entre 1988 e 1990, diplomatas iranianos de todo o mundo e funcionários governamentais no Irão fizeram comentários semelhantes e por vezes idênticos, rejeitando relatos de execuções em massa em 1988 como “propaganda de grupos da oposição” e afirmando que as mortes tinham ocorrido no contexto da incursão armada da Organização Mojahedin do Povo do Irão (PMOI), um grupo da oposição então sediado no Iraque.

A Amnistia Internacional reuniu provas que apontam para o envolvimento de vários antigos representantes diplomáticos e funcionários governamentais no Irão, incluindo os seguintes indivíduos (antiga posição entre parênteses): Mohammad Jafar Mahallati (Representante Permanente do Irão junto da ONU em Nova Iorque), Sirous Nasseri (Representante Permanente do Irão junto da ONU em Genebra); Mohammad Ali Mousavi (Encarregado de Negócios do Irão em Otava, Canadá); Mohammad Mehdi Akhoundzadeh Basti (Encarregado de Negócios do Irão em Londres); Raeisinia – primeiro nome desconhecido – (Primeiro Secretário da Embaixada do Irão em Tóquio, Japão); Abdollah Nouri (Ministro do Interior); Ali Akbar Velayati (Ministro dos Negócios Estrangeiros); Mohammad Hossein Lavasaniand Manouchehr Mottaki (Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros).

Como Representante Permanente do Irão junto da ONU, em Nova Iorque, na altura dos massacres, Mohammad Jafar Mahallati desempenhou um papel particularmente ativo na tentativa de minar relatórios credíveis do então Relator Especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos no Irão e da Amnistia Internacional, e de enfraquecer a resposta da ONU. Em novembro de 1988, negou relatórios de execuções em massa numa reunião com o Relator da ONU e afirmou falsamente que “muitas mortes tinham, de facto, ocorrido no campo de batalha”.

Em dezembro de 1988, descreveu como “injusta” uma resolução da ONU que expressava a preocupação com as execuções de julho a setembro de 1988 e afirmou que “uma organização terrorista baseada no Iraque” era a principal fonte de “informação falsa”. De acordo com relatos dos meios de comunicação, nas semanas que antecederam a adoção da resolução, Mohammed Jaafar Mahallati tentou que a resolução fosse “abandonada” ou “diluída” e condicionou a cooperação do Irão com a ONU na eliminação de referências críticas às violações sistemáticas dos direitos humanos, incluindo as execuções em massa, e insistiu na adoção de “um texto mais suave que apenas saudaria a decisão de Teerão de cooperar com a Comissão dos Direitos Humanos [da ONU]”.

A 28 de fevereiro de 1989, Mohammad Jafar Mahallati enviou também uma carta à Amnistia Internacional onde, mais uma vez, “negava a existência de quaisquer execuções políticas” e descrevia as vítimas como “indivíduos que, como eles próprios admitiram numa ofensiva contra o Irão, mataram 40 mil iranianos”.

 

Encobrimento dos assassínios nas manifestações de 2022

Os atuais funcionários iranianos estão a recorrer a táticas semelhantes para desacreditarem uma nova geração de manifestantes e dissidentes como “desordeiros”, negar o envolvimento em centenas de mortes ilegais e resistir aos apelos à investigação internacional e à responsabilização.

Na preparação de uma sessão especial no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, em novembro de 2022, sobre a repressão letal do Irão contra os manifestantes, funcionários iranianos em Genebra dinamizaram longas sessões de informação, que atribuíram as mortes dos manifestantes a “terroristas contratados”, “suicídios” ou “acidentes”, ou questionaram a veracidade da morte de algumas vítimas.

Em novembro de 2022, Amir Saeed Iravani, actual Representante Permanente do Irão junto da ONU, em Nova Iorque, apelou aos Estados para se absterem de apoiar uma reunião informal de membros do Conselho de Segurança da ONU sobre a repressão letal do Irão contra os manifestantes, que descreveu como uma “campanha de desinformação maliciosa”. Ignorando um vasto conjunto de provas sobre a morte ilegal de centenas de manifestantes e transeuntes, incluindo crianças, pelas forças de segurança do Irão, afirmou que “o direito à liberdade de expressão e reunião pacífica foi reconhecido e garantido pela Constituição da República Islâmica do Irão, e o gozo deste direito por parte do nosso povo foi sempre apoiado pelo Governo”.

Durante décadas, o governo do Irão e os seus representantes diplomáticos em todo o mundo têm orquestrado campanhas de negação e desinformação para enganar a comunidade internacional e roubar aos afetados e à sociedade em geral o direito à verdade. É mais do que tempo de os diplomatas iranianos revelarem a natureza e a fonte das instruções que receberam da capital, e deixarem de contribuir para o manto de secretismo que rodeia os massacres das prisões de 1988, o que só tem acentuado a impunidade e agravado o sofrimento dos sobreviventes e familiares”, disse Diana Eltahawy.

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