6 Julho 2012

A Líbia arrisca-se a repetir as mesmas violações que conduziram à Revolução de 17 de fevereiro, a menos que os vencedores das eleições marcadas para esta semana tenham como prioridade o estabelecimento de um Estado de direito e o respeito pelos direitos humanos, afirma a Amnistia Internacional num novo relatório divulgado hoje.

No relatório Lybia: rule of law or rule of militias?, a organização afirma que quase um ano depois de Tripoli ter caído nas mãos dos combatentes revolucionários (Thuwar), as violações contínuas – incluindo detenções arbitrárias, maus tratos e tortura que por vezes levam à morte, impunidade pelos homicídios e desalojamentos forçados – estão a assombrar aquelas que serão as primeiras eleições nacionais do país desde a queda do regime de Khadafi.

Durante uma visita à Líbia em maio e junho, a Amnistia Internacional descobriu que centenas de milícias armadas continuam a agir à margem da lei, recusando-se a desarmar ou a juntar-se ao exército nacional ou à força policial. O Ministro do Interior disse-nos que conseguiu desmantelar quatro milícias em Tripoli, mas estes são só uma pequena quantidade do número total.

“É profundamente deprimente que depois de tantos meses, as autoridades tenham falhado no que diz respeito a conter a pressão das milícias sobre a segurança na Líbia, o que teve consequências dramáticas para as pessoas que suportam o peso das suas ações”, afirma Hassiba Hadj Sahraoui, vice-diretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

 “Os apelos ao fim da repressão e da injustiça foram o que levou à Revolução de 17 de fevereiro. Sem uma ação imediata para cessar os abusos e ilegalidades, há um perigo bastante real que se acabe por reproduzir e enraizar os mesmos padrões de violações que verificamos ao longo das últimas quatro décadas.”

 

Abusos sobre os detidos e mortes sob custódia

As milícias continuam a deter pessoas e mantê-las em centros de detenções secretos e não oficiais. Apesar de alguns progressos, é estimado que mais de 4.000 detidos continuem nestes locais, fora do alcance das autoridades centrais. Alguns mantêm-se detidos há mais de um ano sem nenhuma acusação e continuam a verificar-se abusos nestas prisões.

Uma equipa investigação da Amnistia internacional descobriu provas de espancamento e outros abusos – em alguns casos relacionados com tortura – em 12 dos 15 centros de detenção, onde foi possível entrevistar detidos em privado.

Os métodos mais comuns de tortura que foram relatados à organização incluem suspensão em posição contorcida, choques elétricos e espancamentos durante grandes períodos de tempo com vários objetos, incluindo barras de metal e correntes, cabos elétricos, paus de madeira, mangueiras de plástico, canos de água e coronhas de arma.

A Amnistia Internacional tem informações detalhadas de pelo menos 20 casos de mortes sob custódia devido a torturas levadas a cabo pelas milícias, desde agosto de 2011.

 

Confrontos armados e deslocamentos forçados

Continuam a registar-se confrontos entre as milícias armadas, que utilizam metralhadoras, lança granadas e outras armas, em áreas residenciais, ferindo e matando pessoas que não estão envolvidos nos combates.

Registaram-se três situações de confronto na cidade de Kufra, onde habita a minoria Tabu, entre fevereiro e junho. A Amnistia Internacional afirmou que estes confrontos, que normalmente envolvem detenções arbitrárias e torturas, consolidam ainda mais as divisões regionais, étnicas e tribais.

A Amnistia Internacional também criticou fortemente as autoridades por não resolverem a situação dos deslocamentos forçados das comunidades, durante o conflito do ano passado, que continuam impedidos de regressar às suas casas que foram saqueadas e queimadas pelas milícias armadas. Estima-se que os mais de 30 mil Tawarghas (oriundos da África Subsariana) continuem impedidos de regressar às suas casas.

 

A situação de risco dos cidadãos estrangeiros

O relatório destaca também a situação de africanos oriundos da África Subsariana – particularmente os imigrantes sem documentação – que continuam a ser sujeitos a detenções arbitrárias e prolongadas, espancamentos e torturas e exploração às mãos das milícias armadas. Esta situação é agravada pelo fracasso das autoridades em combater o racismo e a xenofobia que existe contra a população líbia de pele escura e africanos oriundos da África Subsariana.

 

A falta de justiça para com as vítimas

As autoridades líbias continuam a subestimar a dimensão e a gravidade dos padrões de abusos de direitos humanos pelas milícias, considerando que estas ações são individuais que necessitam de ser verificadas dentro do contexto de abusos sofridos durante o governo de Khadafi.

Em maio, as autoridades de transição adotaram legislação que garante a imunidade aos Thuwwar sobre crimes militares e civis cometidos com o “fim de manter ou proteger a Revolução de 17 de fevereiro”.

Em junho a Amnistia Internacional reuniu-se com o Procurador-geral da Líbia que não forneceu detalhes acerca dos Thuwwar e da impunidade deste grupo que tem cometido graves abusos de direitos humanos.

 

Apelo às futuras autoridades líbias

A Amnistia Internacional disse que após as eleiçõesestará atenta ao Congresso Geral Nacional e ao governo para verificar se admitem a dimensão e a gravidade do abuso dos direitos humanos, condenando-os de forma inequívoca e enviando assim uma mensagem de que tais violações não serão mais toleradas.

“Para honrar os sacrifícios e o sofrimento do povo líbio, aqueles que tomarem a responsabilidade de governar a nova Líbia têm de deixar bem claro a intenção de levar à justiça e responsabilizar todos aqueles que cometeram abusos de direitos humanos – independentemente da sua posição ou afiliação” disse Hassiba Hadj Sahraoui.

 

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