26 Agosto 2011

 

O que deve acontecer ao Coronel al-Kadhafi depois da sua captura?
 
O Coronel al-Kadhafi deve ter direito a um julgamento justo. É essencial para que as vítimas na Líbia possam sentir que foi feita justiça. Todos devem ser levados à justiça, independentemente do seu cargo.
 
O Conselho de Segurança das Nações Unidas referiu a situação na Líbia ao Procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Fevereiro. Depois de uma investigação preliminar, o Procurador do TPI concluiu que existem motivos razoáveis para acreditar que al-Kadhafi, o seu filho Saif al-Islam e o chefe da inteligência militar Abdallah al-Sanussi cometeram crimes que podem ser julgados pelo Tribunal e pediu ao TPI para emitir mandados de captura contra os mesmos. Os três mandados de captura do TPI, lançados a 27 de Junho de 2011, devem ser colocados em prática imediatamente.
 
Se algum dos três homens for capturado, deve ser tratado humanamente e entregue em segurança e de forma imediata ao TPI para que a sua conduta seja investigada.
 
Al-Kadhafi deve ser investigado por que crimes?
 
Os mandados do TPI cobrem dois crimes contra a humanidade – homicídio e perseguição – cometidos desde 15 de Fevereiro. No seguimento dos protestos anti-Kadhafi em Bengasi, teve início, em Fevereiro, uma onda de homicídios e desaparecimentos forçados que vitimaram principalmente os indivíduos suspeitos de criticarem o governo.
 
Os oficiais líbios devem também ser responsabilizados por graves violações dos direitos humanos cometidas antes dos confrontos deste ano, algumas dos quais despoletaram as manifestações. As acusações contra o Coronel al-Kadhafi não cobrem as décadas em que as forças de segurança sob o seu controlo torturaram, mataram e fizeram “desaparecer” pessoas impunemente. Por exemplo nenhum oficial foi responsabilizado pelas mais de 1200 mortes do infame massacre da prisão de Abu Slim, em 1996.
 
Como devem ser tratados os abusos dos direitos humanos cometidos antes de 15 de Fevereiro?
 
A nova liderança líbia deve reconstruir rapidamente o seu sistema judicial para permitir que os tribunais nacionais investiguem e condenem os crimes de acordo com o Direito Internacional. Isto deve também incluir crimes cometidos antes de 15 de Fevereiro, assim como os alegadamente cometidos por pessoas que não enfrentarão investigações no TPI.
 
As autoridades líbias devem também desejar estabelecer uma comissão independente de inquérito ou uma comissão de verdade. Revelar a verdade sobre os crimes e as violações dos direitos humanos do passado ajudaria a assegurar que as vítimas desses crimes tenham acesso à justiça e a indemnizações.
 
Porque motivo não pode o Coronel al-Kadhafi ser julgado na Líbia?
 
Uma vez que o TPI decidiu abrir uma investigação sobre este caso, os tribunais nacionais podem não o fazer, estando livres da obrigação de o fazer. Para além disso, desde que o TPI emitiu um mandado de captura contra al-Kadhafi, todos os estados – incluindo a Líbia – são obrigados a cooperarem inteiramente com o Tribunal.
 
Quais são os problemas com o sistema de justiça líbio?
 
– A nova liderança precisará de avaliar a reforma do sistema judicial, da polícia e de outras importantes instituições o mais rápido possível depois dos conflitos terem terminado. Os seguintes pontos são prioridades da reforma:
 
– O Código Criminal da Líbia não define adequadamente os crimes sob o direito internacional, tais como genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, tortura, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais.
 
– O Código do Processo Criminal da Líbia não possui salvaguardas legais adequadas, particularmente em casos considerados de natureza política.
A independência do sistema judicial líbio tem sido minada ao longo de décadas pela interferência política.
 
– As forças de segurança desprezaram rotineiramente as poucas salvaguardas que existem na legislação líbia. Em 2007, foi criado um sistema legal paralelo para lidar com casos “contra o estado”, onde os padrões internacionais não são cumpridos.
 
– A pena de morte é utilizada para uma grande variedade de crimes.
 
Deve o Coronel al-Kadhafi receber a pena de morte?
 
Não. A Amnistia Internacional opõe-se categoricamente à pena de morte em todos os casos, independentemente da magnitude do crime. A pena de morte viola o direito à vida e é o castigo mais cruel, desumano e degradante.
 
E se outro país oferecer refúgio seguro ao Coronel al-Kadhafi?
 
O Direito Internacional proíbe a concessão de imunidade a qualquer pessoa suspeita de cometer crimes graves. Se al-Kadhafi fugisse da Líbia, a Amnistia Internacional apelaria à sua imediata detenção e transferência para o TPI para investigação.
 
A concessão de imunidade a al-Kadhafi não teria ajudado a salvar vidas, acabando rapidamente com o conflito?
 
Tais acordos ridicularizam o Direito Internacional e não podem nunca ser aceites. Violam o direito das vítimas à justiça, verdade e reparação. A responsabilização perde o seu significado se os acusados dos crimes mais graves tiverem um cartão para “sair da prisão livremente” por acordarem em parar de cometer esses crimes.
 
A experiência demonstrou que um legado de impunidade alimenta um ciclo de violações dos direitos humanos e prolonga um conflito. Quer seja na Colômbia, República Democrática do Congo, Haiti, Israel/Territórios Ocupado da Palestina ou Irão, os líderes chegam e partem mas os perpetradores ficam imunes e as violações continuam a uma escala enorme. Experiências no Chile, Argentina, Libéria e Serra Leoa mostram que as imunidades e amnistias por graves violações dos direitos humanos não resultaram.
 
O TPI não é mais um exemplo de intervenção do “ocidente” nos negócios líbios / africanos?
 
Não, o TPI é uma instituição global. Mais de metade dos países mundiais (116) ratificaram o Estatuto de Roma que criou o TPI, incluindo 32 países africanos. Além disso, 23 países assinaram o tratado e espera-se que o ratifiquem no futuro. Um dos últimos países a fazerem-no foi a Tunísia, que se juntou ao TPI em Junho de 2011.
 
Esperamos que o novo governo líbio ratifique sem demoras o Estatuto de Roma do TPI.
 
Quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas decidiu unanimemente referir a situação na Líbia ao TPI, não foram apenas os países do ocidente mas todos os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de diferentes continentes, que apoiaram a resolução.

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