13 Setembro 2010

Relatório da Amnistia Internacional afirma que dezenas de milhar de detidos, sem julgamento, muitos dos quais foram recentemente transferidos de prisões dos EUA, permanecem em risco de sofrer tortura e outros tipos de maus-tratos, no Iraque.

O relatório NEW ORDER, SAME ABUSES: Unlawful detentions and torture in Iraq destaca milhares de detenções arbitrárias, por vezes sem acusação ou julgamento durante vários anos, agressões físicas severas de detidos, frequentemente em prisões secretas, de modo a obter confissões forçadas, e desaparecimentos forçados.

“As forças de segurança iraquianas têm sido responsáveis pela violação sistemática dos direitos dos detidos, e é-lhes permitido fazê-lo com impunidade”, afirmou Malcolm Smart, Director da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África. 

“Até ao momento, as autoridades dos EUA, cujo registo sobre os direitos dos detidos tem sido tão deficitário, transferiram agora milhares de pessoas que tinham sido detidas pelas forças norte-americanas, abdicando de qualquer responsabilidade pelos seus direitos humanos, que agora vão enfrentar este catálogo de ilegalidades, violência e abusos”. 

A Amnistia Internacional estima que 30 mil detidos continuem mantidos sem julgamento no Iraque, embora as autoridades iraquianas não tenham conseguido fornecer os números precisos. Dez mil foram recentemente transferidos de prisões dos EUA, à medida que as tropas de combate norte-americanas terminavam algumas operações no Iraque. 

Sabe-se que vários detidos chegaram a morrer na prisão, aparentemente como resultado da tortura ou outros maus-tratos infligidos pelos interrogadores iraquianos e guardas prisionais, os quais regularmente se recusam a confirmar a sua detenção ou paradeiro aos familiares. 

Riyadh Mohammad Saleh al-‘Uqaibi, de 54 anos, casado e com filhos, morreu na prisão a 12 ou 13 de Fevereiro de 2010, como resultado de uma hemorragia interna, tendo sido agredido durante o interrogatório de tal modo brutal, que lhe partiram as costelas e danificaram o fígado. 

Antigo membro das Forças Especiais iraquianas, foi detido em finais de Setembro de 2009 e mantido na Zona Verde, uma área fortemente fortificada, em Bagdad, antes de ter sido transferido para a prisão secreta situada no antigo aeroporto de Muthanna.  

O corpo foi entregue à sua família várias semanas depois. A certidão de óbito indicava como causa de morte uma “paragem cardíaca”. 

“As autoridades iraquianas fracassaram na tomada de medidas eficazes para acabar com a tortura e punir os seus autores, apesar da evidência esmagadora da sua prática”, afirmou Malcolm Smart. 

“Elas têm o dever de investigar e prender os responsáveis, levá-los à justiça, e proporcionar a reabilitação às vítimas. O falhanço das autoridades iraquianas na tomada destes passos em concreto, transmite a mensagem que tais violações são toleradas e podem ser repetidas”. 

Mais de 400 detidos foram mantidos na prisão secreta do antigo aeroporto de Muthanna, cuja existência foi revelada publicamente em Abril de 2010. 

Muitos dos detidos contaram à Amnistia Internacional que haviam sido detidos com base em informações falsas, obtidas pelas forças de segurança iraquianas a partir de informadores secretos. 

Foram mantidos na prisão sem terem qualquer acesso ao mundo exterior e alguns foram torturados ou maltratados durante o interrogatório, de modo a confessar o seu envolvimento em atentados bombistas ou outros crimes que podem incorrer na pena de morte.  

A tortura é amplamente usada no Iraque para obter “confissões”. Em muitos casos, estas são desde logo preparadas pelos interrogadores e os detidos são forçados a assiná-las de olhos vendados e sem ler o seu conteúdo.    

As confissões preparadas são frequentemente usadas como única prova contra os detidos quando levados a tribunal, incluindo os casos em que as acusações incorrem na pena de morte.Centenas de detidos foram condenados à morte e alguns foram executados, após terem sido condenados com base em “confissões”, as quais foram apontadas pelos mesmos como sendo falsas e assinadas sob tortura e outras coacções.     

Os métodos de tortura incluem agressão física com cabos e mangueiras, suspensão prolongada pelos membros, administração de choques eléctricos em partes sensíveis do corpo, fractura dos membros, remoção de unhas dos dedos das mãos ou dos pés, asfixia e perfuração do corpo com berbequins, e tortura psicológica, tal como ameaças de violação.Milhares de pessoas continuam também detidas, apesar das ordens judiciais emitidas para a sua libertação e da Lei de Amnistia de 2008, segundo a qual prevê a libertação de detidos que não tenham sido acusados e que se encontrem nessa situação num período de entre seis a doze meses. 

As forças norte-americanas completaram a transferência de todos os detidos, com excepção de 200, para custódia iraquiana a 15 de Julho de 2010, sem quaisquer garantias contra a prática de tortura ou maus-tratos.  

O relatório da Amnistia também destaca as detenções a longo prazo na região Norte do Curdistão pela polícia de segurança Asayish. 

Walid Yunis Ahmad, de 52 anos de idade e pai de três filhos, tem estado arbitrariamente detido, sem qualquer acusação ou julgamento, há mais de 10 anos desde a detenção a 6 de Fevereiro de 2000 em Erbil, pelos membros da Asayish, na capital da região semi-autónoma do Curdistão no Iraque.  

  

Para a Amnistia Internacional, Walid é o detido mantido há mais tempo sem julgamento no Iraque.  

Três anos após a detenção de Walid, a sua família descobriu que ainda se encontrava vivo, embora detido, e foi-lhe permitida visitá-lo. 

Walid Yunis Ahmad terá sido alegadamente torturado e mantido em solitária desde a greve de fome que fez durante 45 dias em 2008 como protesto pala sua continuada detenção. Walid encontra-se actualmente detido na sede da Asayish, em Erbil. 

“As autoridades iraquianas têm de tomar medidas firmes e decisivas agora, na conclusão da transferência dos estabelecimentos prisionais para sua custódia, a fim de demonstrar que têm vontade política para defender os direitos humanos de todos os iraquianos, em conformidade com as suas obrigações internacionais, e acabar com a tortura e outros abusos graves dos direitos dos detidos, que hoje em dia é tão dominante”, afirmou Malcolm Smart.

 “Os detidos que são mantidos durante longos períodos, sem acusações criminais reconhecidas contra si e sem serem julgados, devem ser imediatamente libertados ou levados a julgamento, em plena concordância com os padrões internacionais de um julgamento justo, e sem o recurso à pena de morte”.

 

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