5 Abril 2012

Mais uma data de calendário se cumpre a 8 de abril, como Dia Internacional dos Ciganos, (International Roma Day). Esta mesma ocasião será uma oportunidade para promover seminários, fóruns de discussão, palestras, onde se voltará a dizer, ou não, quase sempre o mesmo, seguramente sempre com boas intenções.

Falar-se-á inevitavelmente de discriminação, de desalojamentos forçados, de falta de acesso à educação e à formação, à habitação, discutir-se-ão velhos problemas como se fossem recentemente identificados, bem como se salientarão medidas a tomar, sobretudo no combate à exclusão escolar e social. Mas concretamente o que se confirmará é que os ciganos, mesmo na Europa, ainda estão longe de terem assegurados alguns dos direitos fundamentais que a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra.

Nem sempre se tem presente esta realidade, mas os ciganos representam a nível mundial a maior etnia – composta por mais de 10 milhões de pessoas, sendo que a nível europeu rondam os oito milhões e em Portugal serão aproximadamente 40.000. A Amnistia Internacional tem vindo a alertar para a discriminação de que os ciganos são vítimas. Muitos vivem no limiar da pobreza, senão mesmo da miséria, o que só por si é um atentado aos Direitos Humanos. Vai fazer dois anos que o jornal Público deu conta do apelo da União Europeia aos Estados Membros para que “se tomassem iniciativas concretas para acabar com o ciclo de discriminação, exclusão e pobreza da etnia cigana”. Ora, com frequência esta mesma União Europeia tem sido acusada de não aplicar corretamente os recursos existentes em favor desta etnia.

Em 22 de Agosto de 2010, o Papa Bento XVI exortou os peregrinos a “acolher as legítimas diversidades humanas”, a 27 do mesmo mês, o Comité para Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas pedia a França que garantisse o acesso dos roma à educação, à saúde, à habitação e a infraestruturas temporárias, em respeito ao princípio da igualdade.

Em Portugal, a nossa relação com os ciganos está ainda marcada pelos estereótipos que têm raízes centenárias. Com os ciganos há distanciamento. Sobre os ciganos há poucos estudos, há poucos técnicos a trabalhar no terreno, há poucos apoios canalizados para projetos de inclusão, de formação e ensino, há poucos dados concretos sobre a sua realidade sociocultural, há pouco estímulo e incentivo a projetos associativos. O facto de ainda não conhecermos com rigor o número de ciganos em Portugal (entre 35.000 a 90.000) evidencia também esse “desleixo” administrativo por parte do Estado português face a uma etnia de considerável dimensão.

O sociólogo Paulo Machado enquadra exemplarmente nestes termos a questão dos ciganos: “(…) os contrastes sociais e culturais ainda hoje existentes permitem assinalar uma vulnerabilidade acentuada à pobreza, facto que o acesso de muitas famílias ciganas ao Rendimento Mínimo Garantido e aos programas de realojamento dramaticamente demonstra. Com efeito, a marginalização, a guetização, a desvinculação estrutural face ao mercado formal de emprego, o analfabetismo, a inserção profissional prematura no contexto da economia informal, o retraimento ao nível da participação sociopolítica, são regularidades que marcam, ainda hoje, a realidade social vivida pela gente cigana”.

Vários relatórios internacionais têm identificado os fatores de maior peso na relação da sociedade com os ciganos, bem como de outros grupos minoritários étnicos, entre os quais racismo e discriminação, mitos, estereótipos. Os mesmos relatórios identificam prioridades: escolarização, ensino, formação. É certo que alguns dos “obstáculos” à escolarização radicam na própria tradição cultural dos ciganos. Mas a sociedade, no seu todo, não pode admitir tal reserva como inevitável para justificar a inação, até porque vários projetos de educação e formação, também orientados para meninas e mulheres ciganas, têm obtido sucesso assinalável. Felizmente cada vez mais ciganos, homens e mulheres, constatam que o ciclo da pobreza e discriminação se pode “romper” com mais estudos e conhecimentos e que, afinal, estudar e aprender não põe em causa a sua cultura e identidade específicas.

Texto: Maria Fernanda Ruivo
Coordenadora do Grupo 32/Leiria da Amnistia Internacional Portugal e Assessora para as Comunidades Ciganas

Se quiser fazer mais pode assinar aqui o apelo que a Amnistia Internacional está a promover sobre desalojamento de uma comunidade roma na cidade de Cluj-Napoca, na Roménia.

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