7 Abril 2019

A tendência global e perigosa de políticas de divisão e ódio mostra que os líderes mundiais ignoraram as terríveis lições do genocídio de 1994, no Ruanda, alerta a Amnistia Internacional, hoje, no dia em que se assinala o 25.º aniversário.

“É vergonhoso que, muitas vezes, a consciência dos líderes mundiais seja beliscada só depois de grandes atrocidades. Assim que a notícia avança, políticos de todo o mundo vão diretos a uma retórica de ódio e desumana, que alimenta, em primeiro lugar, estes incidentes horríveis”, afirma o secretário-geral da Amnistia Internacional, Kumi Naidoo.

Em apenas 100 dias, entre abril e julho de 1994, cerca de 800 mil pessoas foram mortas, a grande maioria delas tutsis, tendo sido alvo de uma tentativa deliberada do governo de eliminar o seu grupo étnico. Alguns hutus que se opunham ao genocídio também foram visados.

“Neste terrível aniversário, solidarizamo-nos com as vítimas, as suas famílias e os sobreviventes do genocídio, na sua dor e tristeza”

Kumi Naidoo

Tudo foi planeado. O governo interino – que havia tomado o poder na sequência da morte do presidente Juvenal Habyarimana, cujo avião foi abatido sobre a capital Kigali – demonizou, de forma deliberada, a minoria tutsi. Ao manipular e exacerbar as tensões existentes, usou o ódio que tinha fomentado como uma ferramenta de manutenção do poder, à custa de vidas humanas.

“Neste terrível aniversário, solidarizamo-nos com as vítimas, as suas famílias e os sobreviventes do genocídio, na sua dor e tristeza. Lembrar estes acontecimentos deve servir para despertar a nossa consciência e a nossa humanidade compartilhada. Somos todos seres humanos com os mesmos direitos humanos e desejos de uma vida livre de abuso ou repressão”, sublinha Kumi Naidoo.

A ascensão da política de demonização, documentada pela Amnistia Internacional, continua a corroer, seriamente, os direitos humanos. Políticos que procuram ganhar votos a qualquer custo tentam, cinicamente e de forma sistemática, fazer de algumas pessoas bodes expiatórios, com base em partes da sua identidade – incluindo religião, raça, etnia ou sexualidade. Muitas vezes, este é um esforço para distrair o público do fracasso dos governos em fornecer provisões básicas de direitos humanos, que garantam segurança económica e social.

Como consequência, líderes mundiais proeminentes têm pressionado com perigosas narrativas de “nós contra eles”, incutindo medo e repressão onde deveria haver união na humanidade e respeito pelos direitos humanos.

“De tempos a tempos, assistimos horrorizados a mais atrocidades cometidas em massa. Deveríamos aprender com essas tragédias, como a Nova Zelândia parece estar a fazer, aplicando políticas mais generosas, que promovem a nossa humanidade”

Kumi Naidoo

Vinte e cinco anos depois do genocídio, o mundo tem testemunhado incontáveis ​​crimes contra a lei internacional, bem como violações de direitos humanos, muitas vezes motivados pelas mesmas táticas de exclusão e demonização usadas em 1994 pelo então governo ruandês.

No Myanmar, em 2017, e depois de décadas de discriminação e perseguição pelo Estado da etnia predominantemente muçulmana Rohingya, mais de 700 mil pessoas foram forçadas a fugir para Bangladesh, numa campanha viciosa de limpeza étnica realizada pelo exército. A Amnistia Internacional e outras organizações documentaram milhares de homicídios. O ataque generalizado e sistemático incluiu ainda violações, tortura e outros abusos.

As Nações Unidas exigiram que altas patentes militares fossem investigadas e julgadas por crimes contra a humanidade e genocídio. Uma investigação preliminar também está a ser realizada pelo Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional.

Este ano, vários processos eleitorais estão em perspetiva, na Índia ou em estados da União Europeia. Muitas vezes, estes momentos são a ignição para um discurso de demonização, por isso, os líderes mundiais devem-se comprometer a fazer política de maneira diferente.

“Depois do genocídio no Ruanda, o mundo concordou que não se deve permitir que políticas de ódio e divisão criem, outra vez, raízes. Contudo, de tempos a tempos, assistimos horrorizados a mais atrocidades cometidas em massa. Deveríamos aprender com essas tragédias, como a Nova Zelândia parece estar a fazer, aplicando políticas mais generosas, que promovem a nossa humanidade e nos permitem acarinhar as nossas diferenças”, defende Kumi Naidoo.

“Somos todos seres humanos com os mesmos direitos humanos e desejos de uma vida livre de abuso ou repressão”

Kumi Naidoo

Contexto

A partir de hoje, o Ruanda assinala o 25.º aniversário do genocídio de 1994, com 100 dias de comemorações. Os números têm um significado. Em apenas 100 dias, entre abril e julho desse ano, cerca de 800 mil pessoas foram mortas, numa campanha organizada para eliminar o grupo étnico tutsi.

Os tribunais comunitários, conhecidos como Gacaca, julgaram mais de dois milhões de pessoas após o genocídio. O Tribunal Penal Internacional das Nações Unidas para o Ruanda condenou 62 pessoas, incluindo antigos funcionários de topo do governo que desempenharam um papel enquanto arquitetos do genocídio.

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