15 Dezembro 2016

As populações de tártaros da Crimeia e outras vozes dissidentes têm vindo a ser submetidas a uma perseguição sistemática por parte das autoridades russas desde a ocupação e anexação ilegal do território pela Federação Russa, alerta a Amnistia Internacional em novo relatório.

“In the Dark: The silencing of dissent” (Na obscuridade: o silenciamento da dissidência) – publicado esta quinta-feira, 15 de dezembro – documenta as táticas de repressão usadas pelas autoridades russas contra a comunidade de tártaros (grupo étnico turcomano) e outras vozes dissidentes ao longo dos últimos dois anos e meio em que mantêm o controlo da península da Crimeia.

“Sendo o grupo mais visível e coeso na Crimeia que se opõe à ocupação russa, os tártaros têm sido deliberadamente tomados como alvo pelas autoridades locais de facto e pelas autoridades russas, numa vaga de repressão que visa silenciar a dissidência e garantir a submissão de todas as pessoas na península à anexação”, avalia o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.

O perito frisa que “com a adoção do enquadramento legal repressivo da Rússia na Crimeia, que é em si mesma uma violação da lei internacional, as autoridades russas têm levado a julgamento e forçado ao exílio virtualmente todas as vozes dissidentes, incluindo as de líderes e ativistas de topo dentro da comunidade de tártaros da Crimeia”.

“Este enquadramento legal, além de ser usado como uma ferramenta contra a minoria de tártaros na península, tem tido consequências desastrosas de forma generalizada na liberdade de reunião e na liberdade de imprensa na Crimeia”, prossegue John Dalhuisen.

A Federação Russa impôs a sua legislação na íntegra a todo o território da Crimeia – numa violação clara da lei internacional –, com a qual as autoridades ficaram capacitadas para perseguir personalidades-chave da comunidade de tártaros com base em acusações forjadas de antiextremismo e outras. Muitos destes casos estão documentados no relatório “In the Dark: The silencing of dissent”.

O órgão-executivo representativo dos tártaros da Crimeia, Mejlis, foi banido de forma arbitrária com o argumento de ser uma “organização extremista” e qualquer associação a ele passou a ser criminalizada.

“Independentemente da anexação da Crimeia poder ser muito popular junto de muitas pessoas na península, não há como escapar ao facto de ter sido alcançada com um muito alto custo para aqueles que a ela se opõem”, considera o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central. John Dalhuisen reitera ainda que “todas as restrições impostas ao Mejlis têm de ser anuladas e os processos penais concebidos para perseguir e intimidar os seus membros, e outros que se opõem pacificamente à ocupação e anexação russa, têm de acabar”.

Mesmo antes de o Mejlis ter sido banido, já as autoridades locais de facto e as russas perseguiam personalidades proeminentes da organização. O líder do Mejlis, Refat Chubarov, foi forçado ao exílio, assim como o seu antecessor, Mustafa Djemiliev, tártaro da Crimeia, veterano ativista de direitos humanos e conhecido opositor à ocupação. Após a proibição do Mejlis, as autoridades viraram a sua atenção para os restantes membros de topo daquele órgão representativo dos tártaros que ainda permaneciam na península, incluindo o vice-presidente, Ilmi Umerov.

Depois de ter dado uma entrevista televisiva, na qual defendeu que a Rússia devia sair do território da Crimeia, Ilmi Umerov foi levado para interrogatório por agentes dos Serviços de Segurança Federal russos (FSB, agência que sucedeu ao KGB em matéria de serviços secretos nacionais). Foi então informado que estava a ser investigado por “ameaças à soberania territorial da Federação Russa”. Ao fim de vários meses de investigação foi confinado à força a uma instituição psiquiátrica e, sob o pretexto de ser submetido a um “exame psiquiátrico”, colocado numa ala fechada para doentes com condições psíquicas muito graves.

Outro dos líderes do Mejlis, Akhtem Chiigoz, foi detido em janeiro de 2015 e acusado de ter organizado “maciças perturbações” na sequência dos confrontos nas ruas que ocorreram em fevereiro de 2014 entre membros da fação pró-russa e pró-ucranianos. De acordo com testemunhas oculares e imagens de vídeo, Chiigoz tentara naquela ocasião manter as fações afastadas uma da outra para evitar a eclosão de violência.

O julgamento de Akhtem Chiigoz começou em agosto passado, depois de ter passado 15 meses em detenção. Não lhe foi permitido estar presente no tribunal, tendo de participar através de uma ligação Skype de muito fraca qualidade, o que significa que não conseguiu ouvir tudo o que estava a ser dito no julgamento nem sequer pode conversar com o advogado em privado. Este julgamento ainda não chegou ao fim.

Outro caso é o do ativista Ervin Ibragimov que desapareceu a 24 de maio, não sendo conhecido o seu paradeiro. Ervin Ibragimov fazia parte de uma organização que promovia os direitos da população dos tártaros da Crimeia e a herança cultural desta comunidade após a anexação. Pouco antes do desaparecimento, o ativista contara a amigos que estava a ser vigiado e seguido.

A Rússia tem lançado mão também da legislação antiterrorismo para perseguir os tártaros da Crimeia. Pelo menos 19 homens, incluindo o defensor de direitos humanos Emir-Usein Kuku, foram detidos e acusados de serem membros de um grupo terrorista banido – o Hizb ut-Tahrir. A Amnistia Internacional acredita que estas acusações formuladas contra Emir-Usein Kuku, e muito possivelmente outros, são infundadas.

“Os casos documentados neste relatório demonstram a crueldade com que as autoridades russas impedem absolutamente toda a dissidência ao seu controlo da Crimeia”, defende John Dalhuisen. “A comunidade internacional pode ter poucas ferramentas para confrontar as políticas subjacentes, mas tem de se fazer ouvir em defesa daqueles que estão a ser intimidados e subjugados ao silêncio”, remata o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central.

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