15 Março 2021

É tempo de o Conselho de Segurança das Nações Unidas ultrapassar a sua paralisia de veto e pressionar para a responsabilização por violações de direitos humanos em curso, de forma a assegurar que os perpetradores destes crimes são responsabilizados, disse a Amnistia Internacional, no dia em que se assinala o décimo aniversário da crise.

Desde que, em 2011, tiveram início os protestos pacíficos em Damasco, forças governamentais sírias e, mais tarde, grupos de oposição armados, cada parte com o apoio dos seus aliados, sujeitaram milhões de civis a ataques terrestres e aéreos ilegítimos, a detenções arbitrárias generalizadas e sistemáticas, e a tortura, levando a mortes sob detenção, deslocações e desaparecimentos forçados, e a cercos que resultaram em fome.

Ao longo da última década, a Rússia e a China vetaram, pelo menos 15 vezes, as resoluções do Conselho de Segurança da ONU para impedir violações de direitos humanos na Síria.

“Dez anos volvidos, os perpetradores de horrendas violações, incluindo crimes contra a humanidade e crimes de guerra, continuam a infligir sofrimento incomensurável a civis enquanto escapam à justiça.”

Lynn Maalouf, Diretora Adjunta para o Médio Oriente e Norte de África na Amnistia Internacional

“Os membros do Conselho de Segurança da ONU têm o poder e o mandato para ajudar as pessoas da Síria. Ao invés, eles falharam-lhes completamente. Dez anos volvidos, os perpetradores de horrendas violações, incluindo crimes contra a humanidade e crimes de guerra, continuam a infligir sofrimento incomensurável a civis enquanto escapam à justiça” disse Lynn Maalouf, Diretora Adjunta para o Médio Oriente e Norte de África na Amnistia Internacional.

“A Rússia e a China abusaram repetidamente dos seus poderes de veto para restringir a provisão de ajuda humanitária transfronteiriça vital, para parar o encaminhamento da situação na Síria para o Tribunal Penal Internacional e para bloquear resoluções que imporiam embargos de armas ou sanções dirigidas contra indivíduos de todos os lados responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.”

A Rússia, bem como o Irão e a Turquia, também deram o seu apoio a partes responsáveis por atrocidades no conflito na Síria, permitindo-lhes continuar a cometer abusos. A Rússia e os EUA também participaram diretamente no conflito armado; a Rússia conduziu ataques Ilegítimos em conjunto com o governo da Síria, e a coligação liderada pelos EUA, que combateu contra o grupo armado Estado Islâmico em Raqqa e noutras áreas, foi também responsável por destruição generalizada resultante de ataques ilegítimos.

“Durante demasiado tempo, os estados colocaram desavergonhadamente lealdades políticas e interesses à frente das vidas de milhões de crianças, mulheres e homens – permitindo efetivamente que a história de horror na Síria continue sem fim à vista”, disse Lynn Maalouf.

“É mais que tempo de as potências que apoiam as forças no terreno se darem conta de que não podem continuar a ignorar a justiça e a responsabilização para que haja alguma esperança num futuro seguro e digno para o povo sírio.”

 

Vislumbres de esperança por justiça

Em 2016, na sequência de falhanços sucessivos no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Assembleia Geral da ONU estabeleceu um mecanismo internacional para investigar e julgar alguns dos mais graves crimes sob a lei internacional cometidos na Síria desde março de 2011. Isto ofereceu aos cidadãos sírios o único caminho para justiça até à data, já que facilita a prossecução de casos através de tribunais nacionais, sob o princípio da jurisdição universal.

“Sem justiça, o ciclo de derramamento de sangue e sofrimento na Síria continuará. Um conjunto de estados está a liderar o caminho ao tomar passos cruciais em direção à justiça, agora é tempo de outros seguirem o exemplo.”

Lynn Maalouf, Diretora Adjunta para o Médio Oriente e Norte de África na Amnistia Internacional

Apesar de uma década de estagnação, nos meses recentes emergiram os primeiros vislumbres de esperança por justiça. No mês passado, na Alemanha, um responsável do governo sírio foi pela primeira vez condenado por crimes contra a humanidade. Eyad al-Gharib, um agente de segurança sírio, foi sentenciado a quatro anos e meio na prisão pelo seu papel de auxílio e cumplicidade na tortura de manifestantes detidos em Damasco.
A 4 de março de 2021, o Canadá requereu negociações formais sob a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura para responsabilizar a Síria por violações dos direitos humanos. A Holanda fez um pedido similar em 2020.

“Sem justiça, o ciclo de derramamento de sangue e sofrimento na Síria continuará. Um conjunto de estados está a liderar o caminho ao tomar passos cruciais em direção à justiça, agora é tempo de outros seguirem o exemplo”, disse Lynn Maalouf.

Hoje, a situação na Síria permanece desoladora. Civis no noroeste do país, incluindo Idlib, as regiões de Aleppo ocidental e noroeste de Hama, enfrentam a ameaça iminente de outra onda de hostilidades, enquanto insegurança e repressão continuada em Daraa e Sweida, no sul da Síria, conduziram a prisões, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais.

O governo sírio continua a restringir o acesso de organizações de ajuda humanitária a áreas sob o seu controlo, exacerbando uma crise económica e humanitária desesperada. Em paralelo, detenção arbitrária, tortura e outros maus-tratos e sequestros continuam por parte de grupos de oposição armados apoiados pela Turquia e pelo Hay’at Tahrir al-Sham no norte da Síria.

 

Uma década de crimes de guerra
 
Ao longo do conflito, tanto o governo sírio como grupos de oposição armados cometeram repetidamente violações da lei internacional humanitária.

Forças governamentais sírias, responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, executaram ataques ilegítimos, matando e ferindo dezenas de milhares de civis e danificando instalações civis, incluindo hospitais, escolas e lares. Estas usaram armas explosivas de baixa precisão, incluindo bombas de barril e munições de fragmentação internacionalmente proibidas, e mesmo armas químicas.

Em alguns casos, ataques ilegítimos foram executados e apoiados por aviões russos.

A coligação liderada pelos EUA conduziu ataques aéreos durante uma campanha de quatro meses de bombardeamento contra o grupo armado Estado Islâmico em Raqqa. Os ataques aéreos, alguns dos quais violaram a lei humanitária internacional, mataram e feriram centenas de civis e destruíram casas e infraestruturas civis.

O governo sírio também deteve arbitrariamente e sujeitou a desaparecimento forçado dezenas de milhares de pessoas por exercerem pacificamente os seus direitos, incluindo advogados, defensores dos direitos humanos, jornalistas, trabalhadores de assistência humanitária e ativistas políticos. Os detidos são mantidos em condições desumanas e enfrentam sistematicamente tortura, levando a milhares de mortes sob detenção.

Grupos de oposição armados também sequestraram indivíduos em áreas que controlam, sujeitando-os a tortura e outras formas de maus-tratos e ocultando o seu paradeiro ou destino.

Todas as partes no conflito levaram a cabo execuções extrajudiciais.

A Amnistia Internacional continua a apelar ao governo sírio e a todos os grupos de oposição armados para que libertem imediatamente todas as pessoas detidas arbitrariamente e que revelem o destino e os paradeiros de todas aquelas que foram vítimas de desaparecimentos forçados, sequestradas ou detidas de outras formas, Devem, ainda, providenciar acesso irrestrito a observadores independentes em todos os lugares de detenção, e acesso razoável de familiares e advogados a quem está detido.

O grupo armado autointitulado Estado Islâmico (EI), o Hay’at Tahrir al-Sham, e outros grupos de oposição armados apoiados pela Turquia e pelos estados do Golfo também cometeram crimes de guerra e outras violações. Coligações de grupos armados apoiados pela Turquia executaram ataques ilegítimos em áreas sob o controlo das Unidades de Proteção do Povo Curdo, conhecidas como YPG. As YPG, agora parte da Forças Democráticas Sírias apoiadas pelos Estados Unidos, foram também responsáveis pela deslocação forçada de civis e pela demolição de casas civis.

Desde o início do conflito, dezenas de milhares de pessoas foram deslocadas internamente e vivem em campos ou estaleiros de construção em condições terríveis, com carência de necessidades básicas, tais como comida e medicamentos. Pelo menos cinco milhões fugiram do país – sobretudo para os países vizinhos, onde enfrentam restrições ao seu acesso a serviços ou a ajuda, deixando milhares de pessoas desamparadas.

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