5 Setembro 2013

Nos últimos dias, vários governos assinalaram a intenção de intervir militarmente contra o Governo sírio, que consideram ser responsável pelos alegados ataques com armas químicas no dia 21 de agosto. Um grande número de civis, incluindo crianças, foram aparentemente mortas nos ataques nos arredores da capital síria, Damasco.

A Amnistia Internacional não condena nem aprova uma intervenção armada internacional. Também não toma posição relativamente à base moral ou legal para tal intervenção. Em situações de conflito armado, a Amnistia Internacional foca-se em garantir que as partes em conflito respeitam a lei humanitária internacional e os direitos humanos.

A Amnistia Internacional encontrou evidências do uso de armas químicas por parte da Síria?

A Amnistia Internacional recolheu informações provenientes de sobreviventes do ataque com armas químicas, que se acredita terem ocorrido na região oriental de Ghuta, a leste de Damasco, no dia 21 de agosto, bem como de médicos que examinaram os mortos e trataram as pessoas afetadas pela contaminação. Também partilhámos esta e outras informações relativas ao alegado ataque químico com especialistas em agentes químicos. Baseada nesta investigação e em análise de especialistas, a Amnistia Internacional acredita que existe uma elevada probabilidade que agentes químicos tenham contaminado vários bairros nas localidades adjacentes de Zamalka e Ain Tarma, no leste de Ghuta.

Segundo os especialistas consultados, os sintomas apresentados pelas pessoas que sofreram o alegado ataque químico são consistentes com a exposição a agentes nervosos organofosforados. Estes agentes são parte de um composto de inibidores de colinesterase que impedem que a enzima responsável pelas transmissões nervosas transmita mensagens aos músculos, levando a uma redução da atividade muscular. Este mecanismo impede que chegue oxigénio suficiente aos pulmões, resultando em dificuldades respiratórias que, em casos severos, resultam em morte. A atividade muscular reduzida causada pela exposição a agentes nervosos organofosforados também resulta em movimentos musculares involuntários, incluindo espasmos e convulsões, e compressão das pupilas, todos estes foram sintomas apresentados pelos indivíduos presentes em Zamalka e Ain Tarma horas após o alegado ataque.

A Amnistia Internacional não possui informação suficiente para determinar quem usou ou libertou os agentes químicos nas áreas afetadas de Zamalka e Ain Tarme, que se encontram sobre o controlo das forças da oposição.  

A Amnistia Internacional não foi capaz de, até agora, conduzir uma investigação mais exaustiva sobre o ataque com armas químicas que se acredita ter ocorrido em Mo’damiya, a leste de Damasco, também no dia 21 de agosto. Contudo, os sintomas apresentados pelos indivíduos afetados neste ataque, como demonstrado em imagens de vídeo, aparentam ser semelhantes aos sintomas apresentados pelos afetados no alegado ataque no leste de Ghuta. Como tal, a Amnistia Internacional receia que Mo’damiya tenha sido igualmente contaminada por um agente químico semelhante.

Resultados conclusivos sobre o uso dos agentes químicos e acerca de quem os usou requer investigações no local por parte de especialistas que tenham livre acesso às áreas afetadas e a informação relevante.

A equipa da ONU no local encontrou provas do uso de armas químicas na Síria?

O seu trabalho continua a decorrer, e os resultados serão posteriormente transmitidos.

A missão da ONU para investigar as alegações do uso de armas químicas na Síria iniciou a sua missão a 19 de agosto para visitar três locais onde foram alegadamente utilizadas armas químicas no início deste ano, incluindo Khan al-Asal na província de Alepo. No seguimento do mais recente ataque de armas químicas a 21 de agosto, as autoridades sírias foram pressionadas para permitirem acesso também a estas áreas por parte da equipa da ONU. Está previsto que a equipa da ONU permaneça 14 dias na Síria, com possibilidade de prolongamento.

O trabalho da equipa tem sido prejudicado por questões de segurança. A comitiva na qual viajavam foi atacada no dia 26 de agosto e a missão da ONU adiou a visita no dia 27 de agosto por forma a melhorar a segurança da equipa. O Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, afirmou no dia 28 de agosto que os inspetores que se encontram a investigar o local do alegado ataque de 21 de agosto necessitavam de um total de quatro dias para levarem a cabo as visitas ao local e, posteriormente, mais tempo para analisarem os seus resultados.

A comunidade internacional deve garantir que o governo sírio e as forças da oposição permitam o acesso, sem restrições, a todas as áreas que a missão da ONU desejar visitar e devem cooperar na totalidade com o seu trabalho, para que se possa determinar o uso efetivo de armas químicas.

Se encontrarem provas, o que irá significar?

Qualquer confirmação do uso de armas químicas é, evidentemente, muito grave. O uso de tais armas proibidas constituir-se-ia como uma séria violação do direito humanitário internacional, bem como um crime de guerra. (Já que é o ataque deliberado a civis através da utilização de armas de qualquer tipo).

Contudo, o mandato da missão da ONU tem como objetivo único determinar se armas químicas foram utilizadas, e não identificar os perpetradores.

O que pode a comunidade internacional fazer se forem verificadas provas do uso de armas químicas?

A Comissão de Inquérito para a Síria mandatada pela ONU tem de ter acesso ao terreno de modo a avaliar quem foi responsável pelo ataque, bem como para investigar outros alegados crimes previstos no direito internacional, cometidos no contexto do conflito armado. Visto que foi negada à Comissão de Inquérito a permissão para entrar na Síria desde que foi formada, em agosto de 2011, o Conselho de Segurança deve exigir que o governo sírio e as forças da oposição permitam o acesso ao território sobre o seu controlo e cooperem plenamente com os seus inquéritos. Os demais governos devem usar qualquer influência sob as partes do conflito para apoiar esta exigência.

Tal como a Amnistia Internacional tem vindo repetidamente a pedir, o Conselho de Segurança da ONU deve também referir a situação na Síria ao Tribunal Penal Internacional para garantir a responsabilização pelo uso de armas químicas e por todos os crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

Qual é a posição da Amnistia Internacional acerca da intervenção militar/uso de força armada?

Geralmente a Amnistia Internacional não condena nem é a favor do uso da força a nível das relações internacionais nem realiza qualquer tipo de comentários ou julgamentos sobre os argumentos que justificam o uso da força.

No contexto do conflito armado na Síria não pedimos qualquer tipo de intervenção armada mas pedimos à comunidade internacional que tomassem outras medidas para proteger os civis e que prevenissem crimes previstos na lei internacional, incluindo crimes contra a humanidade. Se estas medidas tivessem sido adotadas no início do conflito, é possível que os sírios tivessem sido poupados às graves violações de direitos humanos dos últimos dois anos e meio.

Caso ocorra uma intervenção armada internacional a Amnistia Internacional focar-se-á no modo como serão conduzidas estas intervenções à luz das regras do direito internacional humanitário e dos direitos humanos.

Os Estados não deveriam esgotar todos os outros meios antes de usarem a força na Síria?

 A Amnistia Internacional geralmente não condena nem apoia o uso da força e, assim sendo, não toma uma posição sobre se a força armada é ou não justificada.

No entanto, é claro que pouco foi feito pela comunidade internacional relativamente aos crimes cometidos durante o conflito que são condenados pela lei internacional.

Apesar de Lakhdar Brahimi, enviado especial das Nações Unidas e da Liga Árabe, ter tentado reunir uma conferência internacional para resolver a crise na Síria, o impasse no Conselho de Segurança tem dificultado a resolução do conflito.

O Governo sírio tem tido carta branca para continuar a cometer graves violações de direitos humanos, incluindo crimes condenados pela lei internacional, confiante que têm a proteção de aliados como a China e Rússia. Se esta dinâmica não mudar e se não for aplicada pressão sobre todas as fações, será improvável que apenas as negociações resolvam esta crise.

Sanções direcionadas (nomeadamente o congelamento dos bens do presidente Bashar al-Assad e outros envolvidos na ordenação e perpretação de crimes condenados pela lei internacional), referimento da situação na Síria ao Tribunal Penal Internacional e envio de monitores internacionais de direitos humanos poderiam contribuir para o sucesso das negociações para encontrar uma solução que respeite os direitos humanos de todos os sírios.

Se for levada a cabo uma intervenção militar o que é que a Amnistia Internacional pedirá aos poderes militares estrangeiros e ao governo sírio?

Qualquer ataque por parte dos EUA, Reino Unido, França ou outros países contra a Síria significaria o início de um conflito armado entre o governo sítio e forças militares estrangeiras. Está também em curso um conflito interno entre o governo sítio e grupos armados da oposição. É essencial que todas as fações envolvidas no conflito respeitem plenamente o direito internacional humanitário e o direito internacional dos direitos humanos.

A Amnistia Internacional apelaria a que todas as fações cumprissem na íntegra o direito internacional humanitário, especialmente no que diz respeito à proteção de civis. Nomeadamente deveriam:

  • Abster-se de atingir civis ou objetos civis;
  • Abster-se de levar a cabo ataques indiscriminados e desproporcionais;
  • Abster-se de usar armas que não identificam os alvos ou que são proibidas pelo direito internacional humanitário, incluindo bombas de fragmentação;
  • Tomar todas as precauções necessárias em ataques para que sejam poupadas vidas de civis, o que incluirá emitir avisos para civis sempre que possível e prestar particular atenção ao facto de estarem pessoas detidas em bases e instalações militares;
  • Tomar todas as precauções para proteger civis que estejam sob o seu controlo contra os efeitos dos ataques incluindo, sempre que possível, evitar levar a cabo operações militares dentro ou perto de áreas densamente povoadas e removendo, sempre que possível, civis das imediações de objetivos militares;
  • Abster-se de usar civis como escudos humanos

O que é que a Amnistia Internacional pede à comunidade internacional como um todo?

A comunidade internacional como um todo deveria fazer o seguinte:

  • Deverá tomar passos urgentes para aliviar a grave situação humanitária que se vive no país, onde mais de 4,25 milhões de pessoas estarão deslocadas das suas casas. Deverá assegurar que todas as fações do conflito armado na Síria permitem total acesso a organizações e agências humanitárias que providenciam assistência à população civil. No caso do governo sírio, este deve garantir acesso transfronteiriço, assim como acesso entre diferente fações. Todas as fações devem providenciar assistência sem discriminação.
  • Deverá aumentar os esforços para partilhar a responsabilidade pelos refugiados e aliviar a corrente para os países vizinhos de modo a assistir e proteger quem foge do conflito. Os vizinhos da Síria e outros países devem acolher sírios e assegurar que não são obrigados a regressar ao seu país.
  • Deverá aceitar responsabilidade partilhada para investigar e julgar crimes contra a humanidade e outros crimes cometidos ao abrigo da lei internacional cometidos na Síria e em qualquer outro lugar. Em particular deve exercer a jurisdição universal sob esses crimes perante tribunais nacionais em julgamentos justos e sem recorrer à pena de morte. Isto é especialmente importante tendo em conta que o Conselho de Segurança tem sistematicamente falhado o referimento da situação na Síria ao Tribunal Penal Internacional.

Qual seriam os pedidos da Amnistia Internacional aos Estados que providenciam ajuda militar ao governo sírio e aos grupos armados da oposição?

Na ausência de um embargo de armas internacional e devido aos ataques armados sistemáticos pelas forças armadas sírias  e pelas milícias aliadas que têm resultado em crimes contra a humanidade, qualquer Estado que transfira armas para o governo sírio deverá imediatamente cessar estas transferências que incluam armas, munições, equipamentos militares, de segurança e de polícia, assim como treino e pessoal.

Não deverão ser realizadas transferências de armas para grupos de oposição armados nos quais se verifique um risco substancial que o grupo cometa graves violações de direitos humanos e de direito internacional humanitário. O ónus deverá estar nos Estados que considerem transferências militares para estes grupos, pois deverão primeiro assegurar o estabelecimento de mecanismos concretos e passíveis de serem implementados que possam remover os riscos substanciais que o equipamento militar fornecido não seja usado ou desviado para cometer ou facilitar graves abusos de direitos ou outro tipo de violações do direito internacional humanitário.

Quais são os pedidos da Amnistia Internacional às fações do conflito interno na Síria?

  • Cessar os ataques a civis e objetos civis;
  • Absterem-se de levar a cabo ataques desproporcionais e indiscriminados;
  • Cessar as execuções sumárias, tortura e outros maus tratos;
  • Libertar qualquer pessoa presa por causa da sua religião, etnicidade e opinião política;
  • Comunicar uma política de tolerância zero aos abusos cometidos pelas forças sob o seu comando e condenar publicamente os abusos;
  • Permitir acesso total e sem restrições a agências e organizações humanitárias para providenciar assistência a população civil sem qualquer tipo de discriminação. No caso do governo, este deve incluir acesso transfronteiriço e acesso às zonas controladas por diferentes fações;
  • Providenciar acesso à Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Síria para que investigue os alegados crimes condenados pela lei internacional e violações e abusos do direito internacional humanitário;
  • Permitir a organizações de direitos humanos e a meios de comunicação internacionais acesso total a todas as áreas sob o seu controlo, incluindo centros de detenção.

O que deveriam fazer os aliados internacionais da Síria, como a Rússia e o Irão, para minimizar os riscos para os civis?

A Rússia e outros aliados do governo sírio devem cessar o fornecimento de armas e equipamento às forças governamentais. Devem trabalhar em conjunto com outros Estados para pressionar a Síria de modo a evitar mais crimes condenados pela lei internacional e providenciar acesso sem restrições a organizações humanitárias, à Comissão de Inquérito mandatada pelas Nações Unidas e a organizações de direitos humanos.

 

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