14 Janeiro 2016

 

Novas provas de mortes às mãos das forças de segurança tunisinas e práticas de tortura durante interrogatórios de detidos, recolhidas pela Amnistia Internacional em missão de investigação, sugerem que a repressão está outra vez em crescendo no país, cinco anos passados desde o derrube do anterior e totalitário regime pela Revolução de Jasmim que gerou a vaga de revoltas no Médio Oriente e no Norte de África em 2011.

Numa missão de terreno em dezembro passado, os investigadores da Amnistia Internacional reuniram informações sobre mortes ocorridas sob tutela policial assim como denúncias de tortura cometida durante interrogatórios feitos pela polícia tunisina.

“Há cinco anos os tunisinos ergueram-se e deitaram fora os grilhões do autoritarismo. A tortura e a repressão eram marcas do regime do antigo Presidente Zine al-Abidine Ben Ali; não pode ser permitido que voltem a estar presentes na Tunísia na era pós-revolta”, insta o vice-diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Said Boumedouha.

Os dados recolhidos pela Amnistia Internacional atestam que pelo menos seis pessoas foram mortas sob tutela policial, desde 2011, em circunstâncias que não foram devidamente investigadas ou em que os inquéritos não resultaram na formulação de quaisquer acusações criminais aos responsáveis.

Um desses casos é o de Sofiene Dridi, que foi detido à chegada ao aeroporto de Tunes a 11 de setembro de 2015 depois de ter sido deportado da Suíça. As autoridades tunisinas tinham um mandado de captura em seu nome por acusações de agressão violenta que datavam de 2011.

Dridi foi levado a tribunal a 15 de setembro do ano passado, encontrando-se então de boa saúde, e foi posteriormente transferido para a prisão de Mornaguia. Três dias após aquela audiência judicial a família foi informada que Sofiene Dridi tinha sido levado para o hospital. Tentaram visitá-lo, mas funcionários hospitalares negaram ter qualquer informação. Os familiares voltaram ao tribunal para obter informações, onde lhes foi dito que Dridi morrera de ataque cardíaco. Na morgue, ao verem o corpo, constataram que o mesmo apresentava equimoses no corpo e na cara. A certidão de óbito de Sofiene Dridi tem a data de 17 de setembro. Até hoje os familiares continuam a aguardar informação detalhada sobre as circunstâncias e causa de morte.

A Amnistia Internacional recolheu também informações sobre práticas de tortura e maus-tratos de detidos, incluindo mulheres, acusados de atos de terrorismo, quando se encontravam nas prisões tunisinas durante o ano de 2015.

Segundo alguns dos testemunhos obtidos pelos investigadores da organização de direitos humanos, detidos foram submetidos a choques elétricos, incluindo nos órgãos genitais, e a posições de desgaste físico conhecidas como “frango assado” (suspensão do corpo com as mãos e pés algemados a uma barra). Alguns detidos foram esbofeteados, forçados a despirem-se e foram-lhes feitas ameaças à família, na tentativa de os coagir a assinarem confissões falsas.

Reformas de fundo das forças de segurança por fazer

A Amnistia Internacional exorta a que todas estas denúncias sejam investigadas de forma independente, com as conclusões dos inquéritos públicas, e que sejam deduzidas acusações contra aqueles sobre os quais há suficientes provas admissíveis de que foram cometidas violações de direitos humanos. No caso das mortes ocorridas sob tutela policial, as investigações aos casos têm de incluir autópsias adequadas por parte de patologistas forenses independentes e imparciais.

“Muito pouco tem sido feito em matéria de reformas das forças policiais e de responsabilização judicial por tais atos”, frisa Said Boumedouha. “É compreensível que a segurança seja uma prioridade para o Governo, dado os ataques sangrentos que ocorreram na Tunísia nos últimos 12 meses, mas tal não pode ser usado como pretexto para fazer inversão de marcha no modesto progresso de direitos humanos que foi alcançado desde a revolta”, sustenta o perito da Amnistia Internacional.

Ao longo dos últimos cinco anos, a Tunísia aprovou uma nova Constituição que contém importantes garantias de direitos humanos, ratificou tratados internacionais de direitos humanos cruciais, levou a cabo eleições presidenciais e legislativas democráticas e viu os grupos da sociedade civil fortalecerem-se, após anos de repressão exercida pelo regime de Ben Ali.

Mas ao longo de 2015 as autoridades tunisinas adotaram uma série de medidas preocupantes, em nome da segurança, que podem pôr em risco todas aquelas conquistas.

A nova lei antiterrorismo aprovada pelo Parlamento tunisino em julho de 2015 define terrorismo em termos extremamente vagos. E dá às forças de segurança vastos poderes de vigilância e monitorização, além de prolongar o período de detenção em regime de incomunicabilidade e isolamento de seis para 15 dias, o que aumenta significativamente os riscos de tortura.

Em novembro passado, foi declarado o estado de emergência no país pela segunda vez em 2015, após um ataque mortal contra a Guarda Presidencial, em Tunes, a capital. Sob o estado de emergência, as autoridades fizeram milhares de buscas e detenções, e centenas de pessoas ficaram sujeitas a detenção domiciliária.

Familiares de suspeitos de terrorismo procurados pelas autoridades relataram à Amnistia Internacional a ocorrência de continuada perseguição e intimidação por parte das forças de segurança. Um homem de 65 anos, cujo filho é procurado com base em acusações por terrorismo, contou aos investigadores da organização de direitos humanos que agentes das forças de segurança lhe arrombavam a porta de casa praticamente todos os dias. Descreveu que estas buscas da polícia eram assustadoras para todos os residentes da casa, incluindo os seus dois filhos que ali habitam, um dos quais é deficiente mental, e os seus dois pequenos netos. Esta testemunha avançou ainda que os membros da família são repetidamente chamados a responder a perguntas pela polícia e que os dois filhos que com ele moram foram espancados pelos agentes durante os interrogatórios.

Outras pessoas contaram à Amnistia Internacional que a polícia força a entrada em suas casas diariamente e que por vezes lhes são roubados pertences, além de que tal torna muito difícil para os familiares dos suspeitos procurados conseguirem ir para os seus trabalhos e viver uma vida normal.

Muitas testemunhas descreveram serem abordados nas ruas repetidamente por polícias. Um homem contou ter sido interrogado ou detido em várias ocasiões por ter barba; numa dessas vezes foi obrigado a sair do autocarro onde viajava e questionado sobre a sua fé e práticas religiosas.

Liberdade de expressão e media sob limitações

Leis que restringem arbitrariamente a liberdade de expressão continuam em vigor na Tunísia e os críticos – em especial aqueles que criticam a atuação das forças de segurança – são acusados por difamação e “indecência”. O trabalho dos órgãos de comunicação social independentes tem sido limitado ao abrigo da nova legislação antiterrorismo e os jornalistas enfrentam condutas violentas por parte das forças de segurança quando estão a cobrir manifestações e protestos ou o rescaldo de ataques. Em novembro o Ministério da Justiça emitiu uma declaração avisando que os jornalistas serão criminalmente acusados caso ajam de alguma forma que as autoridades considerem que põem em risco os esforços do país no combate ao terrorismo.

As organizações de direitos humanos são também atacadas por defenderem os direitos dos suspeitos de terrorismo e são identificadas como obstáculos na luta ao terrorismo no discurso público das autoridades que, incorretamente, coloca direitos humanos e segurança uns contra os outros.

“As conquistas de direitos humanos na Tunísia estão a mostrar-se cada vez mais frágeis à luz destes passos regressivos”, avalia o vice-diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África. “Estamos perante um risco muito real de que este recuo infundado leve a Tunísia de volta à era negra em que estava há cinco anos”, remata o perito.

Em 2011, a Amnistia Internacional destacou um conjunto de áreas prioritárias em que eram necessárias reformas de fundo na Tunísia. Atualmente, estas reformas essenciais continuam por concretizar.

Apesar de o país ter aprovado várias novas leis, incluindo em matéria de tortura e de liberdade dos órgãos de comunicação social, muita legislação repressiva permanece inalterada e permite que continuem a ser cometidas violações de direitos humanos. Tem-se registado muito pouca responsabilização pelas mortes ilegais de manifestantes na resposta aos protestos de 2011 e verifica-se um falhanço na reforma dos aparelhos de polícia e de segurança no país.

Em resultado, a tortura continua a ocorrer, especialmente nas detenções preventivas e durante interrogatórios, e os juízes e procuradores pouco fizeram para responsabilizar as autoridades pelas denúncias de tortura e de ataques a manifestantes e a jornalistas. Os esforços dos mecanismos e instituições transicionais de justiça têm sido lentos e repletos de falhas.

Acresce que a discriminação – na lei e na prática – contra as mulheres e raparigas continua a verificar-se e as autoridades não protegem efetivamente os cidadãos da violência de género. Os membros da comunidade lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual (LGBTI) continuam a ver ser-lhes negados os mais básicos direitos humanos.

 

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