10 Fevereiro 2022

A política repressiva na Venezuela tem-se sustentado na coordenação entre ataques e mensagens de estigmatização emitidas por meios de comunicação social com ligações ao governo de Nicolás Maduro, e nas detenções arbitrárias com motivações políticas realizadas pelas forças de segurança sob o comando do governo, com um evidente padrão de discriminação política, assim conclui a investigação da Amnistia Internacional em conjunto com o Foro Penal e o Centro para los Defensores y la Justicia (CDJ), duas organizações de direitos humanos sediadas em Caracas.

“Há anos que o mundo conhece a política de repressão instaurada pelo governo de Nicolás Maduro. A nossa investigação demonstrou a existência de casos onde se verifica uma alta correlação entre a estigmatização pública e as detenções arbitrárias politicamente motivadas. Esta correlação é um novo indicador de uma política sistemática de repressão e aponta para o crime contra a humanidade de perseguição, que deve ser investigado pelo sistema judicial internacional”, salienta Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Amnistia Internacional.

“A nossa investigação demonstrou a existência de casos onde se verifica uma alta correlação entre a estigmatização pública e as detenções arbitrárias politicamente motivadas”

Erika Guevara-Rosas

A investigação denominada “Repressão Calculada: Correlação entre estigmatização e detenções arbitrárias na Venezuela” (Calculated Repression: Correlation between stigmatization and arbitrary detentions in Venezuela, na versão original), foi realizada durante mais de um ano, em colaboração com o Foro Penal e o CDJ. Aos registos de ambas as organizações, desde janeiro de 2019 até junho de 2021, foram aplicados diferentes modelos estatísticos como a correlação de Pearson, e outros de analítica descritiva como análises evolutivas e a distribuição percentual de frequência. Os modelos estatísticos foram validados por um processo de revisão de pares (peer review).

Marianna Romero, diretora Geral do CDJ, declarou que foi possível “documentar como as campanhas de estigmatização têm sido a base da política de repressão e criminalização na Venezuela”. Desde os mais altos níveis do Estado, o sistema foi concebido para desacreditar, acusar, ameaçar e atingir aqueles que defendem, promovem e exigem o respeito pelos direitos humanos, através de declarações públicas, dos meios de comunicação social e das redes sociais, pessoais e institucionais. Esta investigação evidencia claramente como a estigmatização se fundamenta na lógica de que existe um inimigo interno e acaba por se materializar em atos de violência e perseguição por parte do Estado”.

“Desde os mais altos níveis do Estado, o sistema foi concebido para desacreditar, acusar, ameaçar e atingir aqueles que defendem, promovem e exigem o respeito pelos direitos humanos, através de declarações públicas, dos meios de comunicação social e das redes sociais, pessoais e institucionais”

Marianna Romero

O estudo revelou uma correlação entre as detenções arbitrárias com motivações políticas, levadas a cabo por funcionários de segurança do Estado, e a estigmatização, praticada por vários meios de comunicação social. Esta análise concluiu que, enquanto em 2019 a correlação geral entre ambas as variáveis era de 29%, em 2020 aumentou para 42% e, na primeira metade de 2021, atingiu os 77%.

As correlações anuais entre detenções arbitrárias e estigmatização também variam consoante as diferentes forças de segurança envolvidas nas detenções. Em 2019, há uma maior correlação (74%) com as detenções por agências de inteligência – Direção Geral de Contra-Inteligência Militar (DGCIM) e Serviço Nacional de Inteligência Bolivariano (SEBIN). Em 2020, a correlação é maior (92%) com detenções pelas unidades sob o comando da Polícia Nacional Bolivariana (PNB), incluindo as Forças de Ação Especial (FAES). Por sua vez,em 2021, a correlação é maior com os organismos civis e descentralizados, tais como a FAES, as forças policiais municipais e o Corpo de Investigação Científico, Penal e Criminal (CICPC), onde a correlação entre detenção e estigmatização chega aos 92%.

Outra descoberta significativa foi a elevada correlação (94%) observada no período de janeiro de 2019 ajunho de 2021, entre a estigmatização pelo programa de televisão “Con El Mazo Dando” e as detenções arbitrárias de motivação política, efetuadas por um organismo de segurança militar e processadas emtribunais militares.

A dimensão qualitativa da investigação inclui a análise dos fenómenos de estigmatização, as detenções arbitrárias politicamente motivadas, a natureza e funcionamento dos meios de comunicação social ligados ao governo – muitos dos quais recebem financiamento público – e o contexto sociopolítico do país durante o período abrangido pelo estudo. Tudo isto foi comparado com as normas internacionais de direitos humanos e o direito penal internacional, levando à conclusão de que os padrões de estigmatização sugerem a existência de perseguição política.

“Segundo os resultados obtidos, não há dúvida que existe uma relação estreita entre agentes do Estado venezuelano, meios de comunicação social públicos e privados, e ataques contra defensores dos direitos humanos, que não devem ficar impunes”, acrescenta Gonzalo Himiob, diretor do Foro Penal.

As organizações envolvidas apelam ao Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional para que considere incluir na sua investigação sobre crimes contra a humanidade na Venezuela, os factos expostos nesta investigação, com vista a determinar atores-chave, casos específicos e possíveis participantes nos crimes contra a humanidade de privação arbitrária de liberdade e perseguição.

As organizações instam ainda a comunidade internacional para que continue a apoiar a Missão Internacional Independente de Investigação de Factos no seu mandato para contribuir para a responsabilização pelas violações de direitos humanos na Venezuela desde 2014.

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