23 Outubro 2021

Em Itália, os profissionais de saúde e prestadores de cuidados, que levantaram preocupações sobre as condições de trabalho precárias e inseguras em lares de acolhimento durante a pandemia da COVID-19, foram sujeitos a procedimentos disciplinares injustos, e temeram retaliação por parte dos seus empregadores, afirma a Amnistia Internacional numa nova investigação.

Em vez de atenderem às preocupações de saúde e segurança dos trabalhadores relativamente ao uso de equipamentos de proteção pessoal e ao verdadeiro número de casos de pessoas infetadas em lares, os empregadores reprimiram-nos, através de despedimentos sem justa causa, e outras medidas antissindicais.

“Os profissionais de saúde e prestadores de cuidados estiveram na linha da frente na luta contra a COVID-19. Foram homenageados pelo governo italiano e pelo seu trabalho árduo em circunstâncias terríveis. Ainda assim, esses mesmos trabalhadores foram silenciados pelos seus empregadores quando tentaram levantar preocupações sobre a segurança dos seus pacientes, e mesmo sobre a sua”, afirmou Marco Perolini, investigador da Amnistia Internacional para a Europa Ocidental.

Entre fevereiro e agosto de 2021, a Amnistia Internacional falou com 34 profissionais de saúde e prestadores de cuidados, que trabalharam em lares de idosos durante a pandemia, assim como sindicalistas, advogados e especialistas jurídicos. O resultado das entrevistas traça o quadro de um setor altamente feminizado, sob pressão por falta de pessoal, com baixos salários e condições de trabalho precárias, fatores agravados pela pandemia.

A pandemia afetou gravemente o staff dos lares italianos, composto por 85% de mulheres. De acordo com estatísticas oficiais, 65.6% do número total de trabalhadores em Itália, que contraiu COVID-19 no local de trabalho, eram profissionais de saúde e prestadores de cuidados. Quase um quarto dos trabalhadores que morreram após contrair o vírus no local de trabalho, eram profissionais de saúde e funcionários de lares.

 

Medidas disciplinares e antissindicais

Um terço dos trabalhadores que a Amnistia Internacional entrevistou, levantou preocupações sobre o clima de medo e retaliações no seu local de trabalho. Os advogados entrevistados relataram mais de uma dúzia de casos de processos disciplinares e despedimentos que visaram trabalhadores, incluindo representantes sindicais que manifestaram preocupações quanto à falta de medidas adequadas de saúde e segurança em diferentes lares.

Em dezembro de 2020, o Tribunal do Trabalho de Milão considerou que Piero, um sindicalista e enfermeiro que trabalhava num grande lar da cidade, tinha sido injustamente despedido devido às suas atividades relacionadas com o sindicato. Piero tinha levantado preocupações relativamente à elevada taxa de mortalidade entre as pessoas mais velhas que viviam no lar de idosos e, depois de receber sete advertências disciplinares por falar publicamente sobre o assunto, foi suspenso do trabalho durante um mês.

“As cooperativas e os lares do setor público colocam uma mordaça nas pessoas que relataram as suas preocupações publicamente ou falaram com a imprensa”, descreveu ‘Marco’, um enfermeiro subcontratado que trabalha num lar privado na Lombardia.

A lei italiana de 2017, de proteção de denunciantes, defende as pessoas que revelam irregularidades no local de trabalho. No entanto, não garante uma proteção adequada dos trabalhadores, por exemplo em termos de confidencialidade e independência, no setor privado, que cobre 73% dos lares em Itália. As autoridades italianas devem proteger os direitos de todos os trabalhadores do setor privado contra abusos.

 

Mortes nos lares

Mais de 130.200 pessoas morreram de COVID-19 em Itália antes de 29 de setembro de 2021. Destas, mais de 95% tinha idade superior a 60 anos. Algumas estimativas sugerem que 8.5%de todas as pessoas idosas que vivem em lares em Itália, morreram nos primeiros meses da pandemia.

Em dezembro de 2020, a Amnistia Internacional sublinhou as falhas das autoridades italianas na implementação de políticas adequadas para proteger as pessoas idosas residentes em lares, nomeadamente os seus direitos à vida, à saúde e a estarem livres de discriminação.

A campanha de vacinação, ao priorizar os residentes de lares, e também os trabalhadores de saúde e prestadores de cuidados, resultou num decréscimo da morbidez e mortalidade, tanto entre as pessoas idosas como os funcionários dos lares. Ainda assim, neste setor, existem preocupações de longa data por resolver, como os baixos salários, a sobrerrepresentação das mulheres e as condições de trabalho precárias.

 

A urgência de um inquérito independente

As autoridades italianas devem assegurar que as vozes destes trabalhadores são ouvidas.

A Amnistia Internacional está a apelar ao Parlamento italiano para que crie uma comissão de inquérito independente, destinada a investigar a resposta das autoridades à pandemia da COVID-19, com um foco específico nos lares. Embora algumas propostas estejam em fases iniciais, não foi ainda aprovado qualquer inquérito.

Qualquer comissão deste tipo deve considerar as sérias preocupações levantadas por trabalhadores e sindicatos no que diz respeito à saúde, à segurança e às más condições de trabalho durante a pandemia de COVID-19, e até mesmo antes.

“É vital que o Parlamento italiano aprove um inquérito independente, para que possam ser aprendidas lições, para que sejam prevenidos erros semelhantes, e possa ser providenciada justiça às pessoas que morreram desnecessariamente e àquelas que foram dispensadas sem justa causa”, mencionou Debora Del Pistoia, investigadora na Amnistia Internacional Itália.

 

Uma tendência global de repressão 

O silenciamento dos profissionais de saúde e prestadores de cuidados em Itália faz parte de uma tendência global alarmante, de violações à liberdade de expressão durante a pandemia. O mesmo perfil de trabalhadores tem sido reprimido na Polónia, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos.

 

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