1 Maio 2021

A Organização Mundial de Saúde considerou 2021 o Ano Internacional dos Trabalhadores da Saúde e Cuidadores, pela sua dedicação, sacrifício e compromisso demonstrados no combate à COVID-19.

Neste Dia do Trabalhador, damos, uma vez mais, voz a quem se entrega plenamente à missão de cuidar o outro e salvar vidas. Marco Melo, médico no serviço de medicina intensiva do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, leva-nos numa viagem aos desafios profissionais e pessoais que os profissionais de saúde enfrentam em tempos de pandemia.

Como tem sido trabalhar na linha da frente da pandemia?

“Uma experiência única. Acho que nunca ninguém imaginou que fosse passar por algo deste género, obrigou-nos a uma mudança de quase 180º no que concerne a hábitos e rotinas no nosso local de trabalho. Geralmente, quem trabalha em Cuidados Intensivos já está imbuído de espírito de abnegação e formatado para dispender grande parte do seu tempo e da sua vida na dedicação a este trabalho, a esta tipologia de doentes e às respetivas famílias. O intensivista, tal como o Internista, deverá ter uma visão holística do doente, fazer a “gestão” da fase crítica da sua doença e a devida articulação com a família. Tudo isto se manteve neste novo enquadramento de pandemia, mas com o dobro ou triplo da dificuldade.

Tivemos de nos habituar a trabalhar com um número de doentes muito além da nossa capacidade, de sair da zona de conforto e tratar o doente crítico “fora de portas”, em locais improvisados e, muitas vezes, em condições aquém do desejado para prestar cuidados com a qualidade a que estávamos habituados. Houve necessidade de uma nova adaptação, num curto espaço de tempo, a novos espaços e, sobretudo, a novos profissionais. A cadência com que os mesmos nos surgiam era de tal modo que, muitas vezes, era fácil confundir.

A par disto, está a barreira que nos foi imposta no contacto com os doentes, o fato e todas as medidas individuais de proteção, que nos dificultam muito a abordagem completa do doente. E o desconforto que nos causam – calor, dor (os óculos, as máscaras e as viseiras, devidamente ajustados, são desconfortáveis). Não poder “coçar” o rosto, não beber líquidos com medo de ter vontade de ir à casa de banho e não o podermos fazer, é indiscrítivel!

E, porque somos seres humanos, o medo! O medo deste inimigo invisível, que enfrentamos como se numa guerra estivéssemos. Eu encarei isto como uma batalha. Nunca, em toda a minha vida, receei tanto a morte como nesta altura. Mas, entenda-se, não é tanto o medo da morte, porque, pessoalmente, acho que estou preparado para tal. É mais o medo de morrer nestas condições. Sem a família por perto, sem um toque, um abraço, um beijo de quem mais gostamos e queremos perto, sem a dignidade que todo o ser humano tem direito a ter no fim de vida.”

O que mudou no seu trabalho ou nas condições de trabalho desde o início da pandemia? 

“Como referi, houve necessidade quase imediata de uma readaptação a novos espaços e colegas, muitos deles sem a devida e necessária experiência em doente crítico. Mas, sublinho, todos eles com uma entrega e espírito de missão irrepreensíveis, nomeadamente anestesiologistas e internistas, que colaboraram mais de perto connosco. Passámos de um serviço alocado a um único espaço, com seis camas críticas, para várias áreas dedicadas a doente críticos covid e não-covid. Neste âmbito, passámos a trabalhar em vários locais, com diferentes serviços a disponibilizarem-nos espaços e camas. No total, fomos de uma gestão de seis camas críticas para 27.

Felizmente, tenho uma grande capacidade de adaptação a novas situações e desafios que, associado ao amor que tenho pela minha profissão (nunca me imaginei a fazer outra coisa na vida), tem ajudado a ultrapassar todas estas dificuldades. Agora, depois de vacinado, sem dúvida com mais conforto e segurança.”

Que desafios tem enfrentado no trabalho e na sua vida pessoal por causa da pandemia? Qual foi a parte mais difícil?

“No que diz respeito ao trabalho, tem sido mais fácil depois da vacinação. Ainda se mantêm reservas, não “baixamos a guarda” e atuamos, a bem dizer, com todas as medidas de proteção.

É claro que o que tenho vivido em termos profissionais tem-se repercutido, todos os dias e em todos os momentos, em termos pessoais. No que concerne ao trabalho, não tem sido fácil testemunhar o distanciamento imposto entre doentes e famílias. Tem sido árduo “gerir” o doente sem o seu apoio. Há informações, dadas presencialmente pelas famílias/cuidadores, que são extremamente úteis e que ajudam a complementar os meios de diagnóstico e de terapêutica. A presença da família e das referências dos doentes é um fator altamente condicionante e favorecedor da sua recuperação. Isto não tem sido possível atualmente.

Todos os doentes, covid e não-covid, têm ficado dias, semanas e até meses sem contacto com um familiar de referência! Há, inclusive, despedidas (sim, despedidas!) que acontecem, entre famílias e doentes em fim de vida (agónicos!) por ipad! Isto tem sido o mais difícil para mim e já trabalho há quase 25 anos!

Familiares que se vêm despedir através de um vidro! Um filho de 16 anos que me disse: “Doutor, por favor, salve o meu Pai!”. Um doente com pneumonia, que tive que entubar e me pediu, antes de ser anestesiado: “Não me deixem morrer, quero ver o meu neto que está para nascer”. Um outro, nas mesmas condições, que me abordou: “Se eu morrer, digam à minha mulher que quero ser cremado”. Estes dois últimos casos tiveram um final feliz. O primeiro não. E, por fim, a D. Celeste, a quem tive que convencer a ser anestesiada e entubada, que me disse: “Doutor, eu confio em si”. Confiou em mim sim, mas fui a última pessoa com quem falou! Cem anos que viva, jamais esquecerei!

Em termos pessoais, não tem sido fácil. Considero-me um felizardo. Não fiquei doente, faço parte de um grupo que foi dos primeiros a ser vacinado, vou para o trabalho com gosto e amo a minha profissão, à qual me dedico de corpo e alma, muitas vezes com prejuízo pessoal. Não foi fácil passar o meu dia de aniversário e passagem de ano sozinho. Não vou à minha terra natal (Açores) há quase dois anos e não vejo, há um ano, os meus irmãos e sobrinha.”

Esta experiência trouxe alguma bênção/coisas positivas, no seu trabalho e vida pessoal?   

“Há sempre algo de positivo que podemos extrair! No trabalho, vamos ter um novo serviço, cujas obras já iniciaram, com mais do dobro das camas iniciais, que beneficiará o hospital e o nosso distrito! Em termos pessoais, passei a viver mais e melhor a minha casa, a minha cozinha (o que eu tenho cozinhado, uma coisa rara e episódica até então), o meu sofá, a minha varanda! O bem que me sabe tomar o pequeno-almoço em casa e um café na minha varanda!”

Como é que permanece esperançoso e o que lhe dá forças?

“Deposito uma esperança imensa na vacinação. Acho que é a melhor e mais poderosa arma que temos, até ao momento, para ultrapassar este desafio. Urge obter a imunidade de grupo para que possamos voltar à normalidade, tão rápido quanto possível. Não é viável viver confinado ad eternum, somos seres sociais. É a primeira vez na História que se confinam pessoas saudáveis! Já os gregos diziam, em lição, e passo a citar os Cínicos, nomeadamente Diógenes que, dentro da sua barrica, não tão confinado quanto isso, diz a Alexandre: “Sai da frente do meu Sol”, professando que “a vida não vale nada se não se aspirar à boa vida”.”

Já foi vacinado? Se não, porquê ou quanto tempo necessita de esperar até ser vacinado? 

“A melhor prenda de aniversário que tive em 2020 foi um telefonema que recebi, a agendar a minha primeira dose da vacina Covid-19. Já fiz a primeira e segunda dose, sem intercorrências nem incidentes, sem efeitos secundários. Apenas ligeira dor no local da aplicação e cefaleia, também ligeira e de curta duração.”

Marco Melo, no Serviço de medicina intensiva do CHBV

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