16 Abril 2015

Novo relatório da Amnistia Internacional detalha os violentos abusos – incluindo tortura, detenções arbitrárias e uso excessivo da força – contra ativistas pacíficos e críticos do Governo que continuam a ocorrer no Bahrein, quatro anos depois da revolta que agitou este reino do Golfo Pérsico em 2011 e apesar das repetidas promessas de reformas feitas pelas autoridades em matéria de direitos humanos.

Behind the Rhetoric: Human rights abuses in Bahrain continue unabated” (Por trás da retórica: abusos de direitos humanos no Bahrein continuam sem diminuir), publicado esta quinta-feira, 16 de abril, demonstra que as autoridades do país não cumpriram as reformas cruciais e necessárias para pôr fim à repressão do Estado, mesmo com todas as promessas e garantias dadas aos seus aliados ocidentais de que o país está verdadeiramente empenhado no respeito pelos direitos humanos.

Este relatório é lançado a dias apenas de o mundo centrar as atenções no Grande Prémio em Fórmula 1 que decorre este fim de semana no circuito de Sakhir, nos arredores da capital do Bahrein, Manamá.

“Poucos darão conta, ao olhar para o Grande Prémio do Bahrein este fim de semana, que a imagem internacional que as autoridades do país tentam projetar, de um Estado progressista e reformador, empenhado no respeito e cumprimento dos direitos humanos, não é mais do que uma máscara que esconde a sinistra realidade”, alerta o vice-diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Said Boumedouha.

O perito frisa que “quatro anos passados desde a revolta que abalou o Bahrein, a repressão é generalizada e os abusos violentos continuam a ser cometidos por parte das forças de segurança”. “As autoridades do Bahrein têm de dar provas concretas de que as promessas de reformas que fizeram são mais do que uma retórica vã”, insta.

Nos anos recentes, as autoridades deste reino do golfo continuaram a firmar o seu poder através de uma repressão terrível da dissidência; ativistas pacíficos e críticos do Governo são detidos e presos por todo o país. Todas as manifestações públicas em Manamá estão proibidas desde há dois anos. Os protestos que ocorrem fora da capital são dispersos regularmente pelas forças de segurança com recurso a gás lacrimogéneo e tiros de espingardas de caça aos pássaros, que têm causado ferimentos graves e mesmo a morte de manifestantes.

“Confissões” extraídas sob tortura

Um rapaz de 17 anos contou à Amnistia Internacional ter sido atingido por uma granada de gás lacrimogéneo no lado direito da cara, que lhe rasgou a carne e partiu o osso da mandíbula, ao ser perseguido por agentes das forças de segurança que dispersavam uma marcha em que ele participava, em dezembro de 2014. Esta testemunha relatou que o agente que o deteve o atirou ao chão e lhe pôs o pé em cima da cabeça, dizendo-lhe: “Mato-te hoje mesmo”.

Foi depois levado a um hospital por um grupo de polícias que se riram do sofrimento dele, deixando-o mais de meia hora a gritar de dor até que perdeu a consciência. Mais tarde acabou por ser libertado sem lhe ser deduzida nenhuma acusação, mas voltou a ser detido alguns dias mais tarde num raide da polícia.

Outros manifestantes detidos pela polícia descreveram também terem sido brutalmente espancados, torturados e ameaçados para lhes serem extraídas “confissões”. Um deles descreveu que lhe bateram com a cabeça de um martelo em várias partes do corpo.

Aqueles que ficam detidos a aguardar julgamento são também rotineiramente torturados para lhes serem extraídas “confissões”. O novo relatório da Amnistia Internacional dá conta de dezenas de casos de detidos brutalmente espancados, privados do sono, recebendo alimentação desadequada, queimados com cigarros, agredidos sexualmente, eletrocutados até nos órgãos genitais e queimados com ferros incandescentes. Uma destas testemunhas descreveu ter sido violado com a inserção de um cano plástico no ânus.

“Todas estas denúncias de tortura e violência que constam do relatório mostram bem como pouco mudou desde 2011. A brutalidade continua a ser cunho da conduta das forças de segurança do Bahrein”, critica Said Boumedouha. “As autoridades têm de agir prontamente para eliminarem a impunidade entrincheirada há anos, de forma a pôr fim de uma vez por todas à espiral de abusos no Bahrein”, avança.

Poucas reformas e de impacto reduzido

Apesar de algumas reformas legais encetadas e da criação de novas instituições nacionais de direitos humanos – cumprindo as recomendações feitas pela Comissão Independente de Inquérito do Bahrein (organismo formado para investigar a repressão violenta dos protestos de 2011) –, o impacto destas medidas tem sido extremamente reduzido na prática.

Também em sintonia com aquelas recomendações, foi criado o cargo de Provedor do Ministério do Interior e uma Unidade Especial de Investigação com tutela de supervisionar e inquirir em casos de violações de direitos humanos cometidas pelas forças de segurança. Porém, nenhum destes organismos é suficientemente independente, imparcial e transparente. As reformas de legislação que foram entretanto introduzidas com o objetivo de pôr fim às restrições à liberdade de expressão e de reunião têm sido feitas ao mesmo tempo que são adotadas outras medidas com o propósito claro de manter e fortalecer as leis repressivas.

“As esperanças que existiam de que a Comissão traria uma mudança real já se desvaneceram por completo. As autoridades do Bahrein têm de acabar com esta fachada de que aprenderam com os seus erros do passado, e agir imediatamente para garantir que as reformas que façam são significativas e que cumprem as suas obrigações em matéria de direitos humanos”, sublinha o vice-diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

Ativistas e líderes da oposição detidos como “ameaças” à segurança

Ativistas e líderes políticos que são detidos enfrentam com frequência acusações de segurança nacional como “incitamento ao ódio contra” o Governo ou “ameaça de derrube” do Governo. O líder do principal grupo de oposição, a Al-Wefaq, está a ser julgado por acusações desta natureza. E outros foram detidos no âmbito de leis que proíbem insultos ou atos de desrespeito ao chefe de Estado, a entidades públicas e outras instituições, bandeiras e símbolos governamentais e militares.

Proeminentes ativistas como Nabeel Rajab e Zainab al-Khawaja estão entre muitos que se encontram detidos ou foram condenados a penas de prisão apenas por terem publicado comentários no Twitter ou até, num dos casos, ler um poema num festival religioso.

Foram ainda introduzidas leis que restringem a liberdade de associação política,e que permitem às autoridades governativas suspenderem ou fecharem tais organizações, e também a estarem presentes em reuniões que estas tenham com representantes de organizações ou governos estrangeiros.

“A ideia de que o Bahrein respeita a liberdade de expressão é uma pura ficção. Onde está a liberdade num país em que ativistas pacíficos, dissidentes e líderes da oposição são repetidamente intimidados e detidos arbitrariamente apenas por fazerem tweets em que expressam as suas opiniões ou lerem um poema e que, por isso, podem acabar na prisão? As autoridades têm de libertar todas as pessoas que tenham sido detidas por simplesmente exercerem de forma pacífica o seu direito de liberdade de expressão”, urge Said Boumedouha.

ONG limitadas e leis cada vez mais duras

Apesar de manterem que as organizações não-governamentais podem funcionar livremente no país, as autoridades do Bahrein detêm vastos poderes para interferirem nas suas atividades. Os defensores de direitos humanos enfrentam intimidação e perseguição rotineiras e está em discussão uma proposta-de-lei de regulamentação das ONG que ameaça restringir ainda mais as suas liberdades fundamentais.

O acesso de organizações internacionais de direitos humanos ao país, assim como de jornalistas estrangeiros, tem igualmente vindo a ser limitado nos anos recentes, no que aparenta ser um esforço concertado para impedir a análise da real situação de direitos humanos no Bahrein.

As autoridades têm tentado também endurecer a legislação antiterrorismo devido ao aumento de violência contra as forças de segurança, e expandiram os seus poderes de forma a poderem retirar a nacionalidade a quem seja considerado opositor do Governo. O falhanço redondo em cumprir as promessas feitas conduziu a um aumentar das tensões dentro país, que se traduzem em protestos, recorrentes episódios de violência de rua e um aumento dos ataques contra agentes da polícia.

“Responder às ameaças à segurança com uma ainda mais pesada mão de ferro das autoridades só irá incendiar as tensões já existentes e exacerbar os abusos de direitos humanos”, avalia o vice-diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

A Amnistia Internacional insta a comunidade internacional – e em particular o Reino Unido, os Estados Unidos e os governos da União Europeia – a exercerem pressão sobre as autoridades do Bahrein para que melhorem a situação de direitos humanos no país.

“O Governo do Bahrein tem de perceber que não pode continuar a contar com o apoio dos seus aliados se continuar a desrespeitar as suas mais básicas obrigações e compromissos internacionais em matéria de direitos humanos. As autoridades têm de encetar rapidamente verdadeiras reformas de direitos humanos e garantir que as violações cometidas no passado não ficam impunes”, remata Said Boumedouha.

 

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