8 Agosto 2023

A divergência entre os relatos dos sobreviventes e os das autoridades gregas sobre as circunstâncias do naufrágio mortal do navio Pylos sublinha a necessidade urgente de uma investigação eficaz, independente e imparcial, afirmou a Amnistia Internacional numa declaração conjunta com a Human Rights Watch.

O navio de pesca Adriana transportava cerca de 750 pessoas quando se afundou a 14 de julho ao largo da costa de Pylos. No rescaldo, relatos de vários dos 104 sobreviventes sugerem que o navio foi rebocado por um barco da guarda costeira grega, causando o naufrágio fatal.  As autoridades gregas negaram veementemente estas alegações.

“As disparidades entre os relatos dos sobreviventes do naufrágio do Pylos e a versão dos acontecimentos apresentada pelas autoridades são extremamente preocupantes”

Judith Sunderland

“As disparidades entre os relatos dos sobreviventes do naufrágio do Pylos e a versão dos acontecimentos apresentada pelas autoridades são extremamente preocupantes”, disse Judith Sunderland, Diretora Associada da Human Rights Watch para a Europa e Ásia Central.

“As autoridades gregas, com o apoio e o escrutínio da comunidade internacional, devem assegurar a realização de uma investigação transparente que garanta a verdade e a justiça aos sobreviventes e às famílias das vítimas e que responsabilize os culpados”.

Uma delegação da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch visitou a Grécia entre 4 e 13 de julho de 2023, no âmbito da investigação em curso sobre as circunstâncias do naufrágio e os passos necessátios para a responsabilização. Entrevistaram 19 sobreviventes do naufrágio, 4 familiares dos desaparecidos, organizações não governamentais, agências e organizações internacionais e das Nações Unidas, bem como representantes da Guarda Costeira Helénica e da Polícia Grega.

As observações iniciais das organizações confirmam as preocupações manifestadas por várias outras fontes idóneas quanto à dinâmica do naufrágio. Os sobreviventes entrevistados pela Amnistia Internacional e pela Human Rights Watch afirmaram que a embarcação da Guarda Costeira Helénica enviada para o local prendeu uma corda ao Adriana e começou a rebocá-lo, fazendo-o balançar e depois virar. Os sobreviventes também afirmaram que os passageiros pediram para ser resgatados e que testemunharam outras pessoas no barco a pedir um resgate por telefone via satélite nas horas que antecederam o naufrágio do barco.

Numa reunião com a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, oficiais superiores da Guarda Costeira Helénica disseram que as pessoas que se encontravam no barco limitaram o seu pedido de assistência a comida e água e expressaram a sua intenção de seguir para Itália. Disseram que a tripulação do navio da Guarda Costeira se aproximou do Adriana e usou cordas para se aproximar do barco e avaliar se os passageiros queriam ajuda, mas que após as primeiras “negociações”, os passageiros atiraram a corda para trás e o barco continuou a sua viagem.

As autoridades gregas abriram duas investigações criminais, uma dirigida aos alegados contrabandistas e outra às ações da guarda costeira. É fundamental que estas investigações respeitem as normas internacionais de direitos humanos em matéria de imparcialidade, independência e eficácia.

Vários sobreviventes disseram que as autoridades confiscaram os seus telemóveis após o naufrágio, mas não lhes deram qualquer documentação relacionada nem lhes disseram como recuperar os seus bens. Nabil, um sobrevivente de origem síria, disse às organizações: “Não são apenas as provas do naufrágio que me foram retiradas, são as memórias dos meus amigos que se perderam, a minha vida foi-me retirada”.

O facto de as autoridades gregas há muito não garantirem a responsabilização pelas expulsões violentas e ilegais nas fronteiras do país suscita preocupações quanto à sua capacidade e vontade de levar a cabo investigações eficazes e independentes.

Devem ser retiradas lições da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de 2022 sobre o naufrágio do navio “Farmakonisi” em 2014, em que os sobreviventes argumentaram que o seu barco se tinha virado porque a Guarda Costeira Helénica utilizou manobras perigosas para os rebocar para águas turcas. O Tribunal condenou a Grécia pelas falhas das autoridades na gestão das operações de salvamento e pelas deficiências na investigação subsequente do incidente, incluindo a forma como o testemunho das vítimas foi tratado.

Tendo em conta a gravidade e o significado internacional da tragédia de Pylos, as autoridades gregas deveriam procurar e acolher a assistência e a cooperação internacional e/ou europeia na condução das investigações nacionais, como garantia adicional de independência, eficácia e transparência.

Todas as pessoas envolvidas ou com conhecimento do incidente, incluindo a Guarda Costeira Helénica, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex), os comandantes e as tripulações dos dois navios mercantes e outras pessoas que participaram na operação de salvamento após o naufrágio deverão ser convidadas ou obrigadas a testemunhar, conforme o caso, e deverão cooperar plena e prontamente com as investigações.

Paralelamente à investigação nacional, o Provedor de Justiça Europeu anunciou que irá abrir um inquérito sobre o papel da Frontex nas actividades de busca e salvamento (SAR) no Mediterrâneo, incluindo o naufrágio do Adriana. Este inquérito colocará questões importantes sobre o papel, as práticas e os protocolos da agência no contexto das operações SAR e sobre as medidas que tomou para cumprir as suas obrigações em matéria de direitos fundamentais e a legislação da UE durante este e outros naufrágios.

A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch continuam a investigar o naufrágio do Pylos e a exigir justiça para todas as pessoas lesadas.

“Esta tragédia evitável demonstra a falência das políticas de migração da UE, baseadas na exclusão racializada das pessoas em movimento e na dissuasão mortal”, disse Esther Major, Conselheira Sénior de Investigação da Amnistia Internacional para a Europa.

“Para garantir que esta é a última, e não a mais recente, de uma lista inaceitavelmente longa de tragédias no Mediterrâneo, a UE deve reorientar as suas políticas de fronteiras para o salvamento no mar e para rotas seguras e legais para os requerentes de asilo, refugiados e migrantes”.

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