4 Janeiro 2018

As autoridades iranianas têm de assegurar o exercício do direito a protesto pacífico no país, investigar as denúncias de que as forças de segurança dispararam ilegalmente armas de fogo sobre manifestantes desarmados e proteger centenas de pessoas detidas de sofrerem tortura e outros amuas-tratos, insta a Amnistia Internacional esta quinta-feira, 4 de janeiro, no contexto da intensificação da repressão de manifestações que eclodiram por todo o Irão desde há uma semana.

Declarações oficiais das autoridades iranianas confirmam que pelo menos 22 pessoas foram mortas, incluindo dois agentes de segurança, desde 28 de dezembro, quando milhares de iranianos começaram a encher as ruas para se fazerem ouvir em protesto contra a pobreza, a corrupção, a repressão política e o autoritarismo no país.

“Os agentes da lei têm o direito de se defenderem e o dever de proteger a segurança pública. Porém, os relatos de uso de armas de fogo contra manifestantes desarmados por forças de segurança são profundamente preocupantes e violarão as obrigações de direitos humanos a que o Irão está vinculado pela lei internacional”, explica o diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para a região do Médio Oriente e Norte de África, Philip Luther.

“Os relatos de uso de armas de fogo contra manifestantes desarmados por forças de segurança são profundamente preocupantes e violarão as obrigações de direitos humanos a que o Irão está vinculado pela lei internacional.”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África

O perito frisa que “o Governo iraniano tem de lançar imediatamente uma investigação eficaz e independente às mortes [ocorridas durantes os protestos] e a outras denúncias de uso excessivo ou desnecessário da força, e julgar todos os responsáveis por violações de direitos humanos”.

Testemunhas oculares e imagens de vídeo, em órgãos de comunicação social e nas redes sociais, têm mostrado ou descrito incidentes em que a polícia antimotim e outras unidades das forças de segurança fazem um uso excessivo e desnecessário da força, incluindo o disparo de armas de fogo contra manifestantes desarmados, o espancamento de manifestantes com cassetetes e o recurso a gás lacrimogéneo e a canhões de água para dispersar os protestos. A Amnistia Internacional não pode verificar independentemente estes vídeos nem os relatos de testemunhas.

Centenas em risco de tortura

Mais de mil pessoas foram detidas ao longo dos últimos sete dias e encontram-se em prisões que são infamemente conhecidas por práticas de tortura e de outros maus-tratos. A muitos destes detidos foi negado o acesso a advogados e a familiares.

A associação Agência de Informação Ativista de Direitos Humanos reporta que só na infame Prisão de Evin, em Teerão, há o registo oficial de pelo menos 423 detidos entre 31 de dezembro de 2017 e 1 de janeiro de 2018.

Crê-se que muitas centenas destas pessoas se encontram em celas prisionais sobrelotadas na chamada “ala de quarentena” de Evin, que tem capacidade limitada a 180 detidos.

A “ala de quarentena” da Prisão de Evin é onde frequentemente as pessoas são mantidas logo após a detenção e sujeitas a inspeções para detetar se têm drogas em sua possa ou se sofrem de alguma infeção, antes de serem transferidas para a ala prisional geral.

Há relatos de que alguns dos detidos foram deslocados para seções da prisão que estão sob o controlo dos Guardas da Revolução ou do Ministério de Informações.

“As autoridades iranianas têm um historial chocante de fazerem detenções arbitrárias maciças de manifestantes pacíficos. E tendo em conta a escala alarmante das presentes vagas de detenções, é bastante provável que muitos dos que foram detidos sejam manifestantes pacíficos levados para as prisões de forma arbitrária e se veem agora encarcerados em locais onde as condições são horríveis e a tortura é uma ferramenta comum para extrair confissões e punir dissidentes”, sustenta Philip Luther.

“É bastante provável que muitos dos que foram detidos sejam manifestantes pacíficos levados para as prisões de forma arbitrária e se veem agora encarcerados em locais onde as condições são horríveis e a tortura é uma ferramenta comum para extrair confissões e punir dissidentes.”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África

O diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para a região do Médio Oriente e Norte de África exorta as autoridades iranianas “a garantirem que qualquer pessoa que seja detida apenas por participar de forma pacífica em manifestações, por expressar o seu apoio aos protestos ou por criticar as autoridades é liberta imediata e incondicionalmente”. “E todos os detidos têm de ser protegidos de tortura e outros maus-tratos”, sublinha ainda.

A maior parte dos protestos que eclodiram pelo país aparentam ter sido pacíficos, mas, em alguns casos, houve incidentes de violência por parte de manifestantes, incluindo o arremesso de pedras, atos de fogo-posto e outros danos contra edifícios, veículos e outros bens.

“Quem é suspeito de conduta criminosa tem de ser prontamente acusado com uma ofensa criminal reconhecida e jugado em procedimentos judiciais que cumpram os padrões internacionais de julgamento justo, ou as autoridades têm de o libertar. O paradeiro exato assim como o estado legal em que se encontram das pessoas detidas têm de ser imediatamente comunicado aos respetivos familiares”, enuncia Philip Luther.

Retórica agressiva

Apesar de o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, ter asseverado, no passado domingo, 30 de dezembro, que os manifestantes têm o direito de criticar o Governo, a retórica subsequente das autoridades tem vindo a sugerir uma intenção de responder à instabilidade atual de forma cada vez mais implacável.

A 1 de janeiro, o chefe da Procuradoria-geral iraniana, Sadegh Larijani, exigiu uma “abordagem firme” a “todos os procuradores”.

E a 2 de janeiro, o magistrado que lidera o Tribunal Revolucionário em Teerão, Mousa Ghanzafar Abadi, avisou que o Ministério do Interior declarara que as manifestações são ilegais e que quem continue a participar em protestos enfrentará penas muitas graves. Abadi fez também a ameaça de que os líderes e organizadores da contestação serão acusados como “inimigos de Deus” (moharebeh) – ofensa punível no Irão com a pena de morte – uma vez que, argumentou, “estão em contato com serviços secretos estrangeiros a defender os seus interesses”.

Naquele mesmo dia, o Supremo Líder ayatollah Sayed Ali Khamenei acusou “inimigos” do Irão de estarem a alimentar os protestos.

A 3 de janeiro, o ministro iraniano da Informação e Tecnologias de Comunicação, Mohammad Javad Azari Jahromi, afirmou que a aplicação de mensagens Telegram, muito popular no país, permaneceria bloqueada até que concordasse em remover o que descreveu como “conteúdo terrorista”.

O presidente da Administração da Telegram informou, por seu lado, ter recusado o pedido das autoridades iranianas de fechar os canais na aplicação que promovem e apoiam de forma pacífica os protestos.

A aplicação de redes sociais Instagram também continua bloqueada no Irão.

O ministro Mohammad Javad Azari Jahromi informara, a 31 de dezembro, data em que o acesso à Telegram e ao Instagram foram bloqueados, que a suspensão era temporária.

Esta retórica agressiva das autoridades tem vindo a ser acompanhada pela publicação, em órgãos de comunicação social com o aval do Estado, de uma lista de manifestantes “procurados” mostrando fotos das suas caras e instando as pessoas a identificarem e os denunciarem às autoridades.

“A escalada no nível de intimidação sobre os manifestantes e as restrições grosseiramente desproporcionadas que foram impostas ao direito de liberdade de expressão online nestes últimos dias intensificam os receios de que as autoridades iranianas podem lançar mão de táticas cada vez mais duras para esmagar as vozes dissidentes”, prossegue Philip Luther.

O perito da Amnistia Internacional lembra que “o protesto pacífico é um direito e muitas pessoas no Irão querem exercer esse direito”. “Em vez de optarem pela repressão e por acusarem absurdamente os manifestantes de conluio com tramas orquestradas no estrangeiro, as autoridades iranianas devem é resolver o seu historial de fracassos em respeitarem uma panóplia de direitos civis e políticos assim como económicos e sociais”, remata.

“O protesto pacífico é um direito e muitas pessoas no Irão querem exercer esse direito.”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África

Descontentamento social sobre pobreza, desemprego, corrupção

Desde 28 de dezembro de 2017, as manifestações, que eclodiram em Mashhad, a segunda maior cidade iraniana, multiplicaram-se por pelo menos 40 cidades em todo o país.

As palavras de ordem ecoadas nos protestos vão desde o descontentamento social em questões económicas e políticas – queixas sobre a pobreza, o desemprego, a corrupção e a desigualdade –, à reivindicação da libertação dos presos políticos até a uma rejeição total do sistema político no poder, que os manifestantes consideram ser uma “ditadura dos líderes religiosos”, e das suas fações chamadas Reformista (moderados) e Principialista (conservadores).

O Irão não tem protestos desta magnitude desde os que se seguiram ás contestadas eleições presidenciais de 2009. Nessa altura, mais de cem manifestantes foram mortos e milhares detidos e presos arbitrariamente, torturados e sujeitos a outros maus-tratos, com as autoridades a reprimirem a instabilidade com punho de ferro.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de que o Irão é Estado-parte, consagra os direitos de liberdade de reunião e de liberdade de expressão.

 

  • Artigo 19

    A liberdade de expressão é protegida pelo Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

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