11 Outubro 2018

A Administração norte-americana adotou deliberadamente políticas e práticas que causaram danos catastróficos a milhares de pessoas em busca de segurança nos Estados Unidos da América (EUA), incluindo a separação de mais de 6 000 “unidades familiares” num período de apenas quatro meses, mais do que antes fora divulgado pelas autoridades, é revelado em novo relatório da Amnistia Internacional.

O documento, publicado esta quinta-feira, 11 de outubro – e intitulado USA: ‘You Don’t Have Any Rights Here’: Illegal Pushbacks, Arbitrary Detention and Ill-treatment of Asylum-seekers in the United States” (EUA: “Aqui não têm direitos nenhuns”: retornos ilegais, detenções arbitrárias e maus-tratos de requerentes de asilo nos Estados Unidos), demonstra o custo brutal infligido pela Administração de Donald Trump com os seus esforços para minar e desmantelar o sistema de asilo norte-americano, em flagrante violação das leis dos EUA e internacionais.

As políticas e práticas documentadas pela Amnistia Internacional incluem retornos ilegais maciços de requerentes de asilo na fronteira entre os EUA e o México, separações ilegais de milhares de famílias e detenções de requerentes de asilo cada vez mais ilegais e em condições de maior indefinição, frequentemente sem a possibilidade de liberdade condicional.

“A Administração [do Presidente norte-americano, Donald] Trump está a empreender uma campanha deliberada de generalizadas violações de direitos humanos na fronteira entre os Estados Unidos e o México com o objetivo de punir e dissuadir as pessoas que procuram segurança”, frisa a diretora da Amnistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas.

“A intensidade, a escala e a abrangência dos abusos cometidos contra pessoas que buscam asilo são verdadeiramente revoltantes.”

Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para as Américas

Esta responsável da organização de direitos humanos nota também que “a intensidade, a escala e a abrangência dos abusos cometidos contra pessoas que buscam asilo são verdadeiramente revoltantes”. “O Congresso e as agências norte-americanas que tutelam o cumprimento da lei têm de levar a cabo investigações imediatas, minuciosas e imparciais para apurar as responsabilidades deste Governo e garantir que tal não volta jamais a acontecer”, exorta ainda.

Cerca de 8 000 famílias separadas em 2017 e 2018

No mês passado, os serviços Aduaneiros e de Proteção de Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) revelaram à Amnistia Internacional que tinham separado à força mais de 6 000 “unidades familiares” – termo que as autoridades norte-americanas utilizam de forma inconsistente para se referirem a toda uma família ou a membros individuais de uma família – só no período entre 19 de abril a 15 de agosto de 2018. Este número é superior ao que as autoridades dos EUA admitiram anteriormente.

Os CBP confirmaram que o número avançado à Amnistia Internacional ainda exclui um número não revelado de famílias cuja separação não foi devidamente registada – casos de avós e de familiares que não são de primeiro grau – em que as relações familiares são categorizadas pelas autoridades como “fraudulentas” e não contam para estatísticas que coligem.

É agora admitido pela Administração Trump que, no total desde 2017, as autoridades norte-americanas separaram aproximadamente 8 000 “unidades familiares”.

“Estes chocantes números novos sugerem que as autoridades dos EUA informaram erradamente o público sobre quantas famílias separaram à força ou então que continuaram com esta prática ilegal sem decréscimo, apesar das declarações que fizeram em sentido contrário e das ordens dos tribunais para que fosse posto fim às separações familiares”, sublinha Erika Guevara-Rosas.

“As autoridades dos EUA informaram erradamente o público sobre quantas famílias separaram à força ou então continuaram com esta prática ilegal sem decréscimo.”

Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para as Américas

A diretora da Amnistia Internacional para as Américas sustenta que “o Congresso tem de agir prontamente na investigação e na criação de um registo abrangente das separações de famílias feitas pelas autoridades governamentais norte-americanas, assim como tem de aprovar legislação que proíba a separação e a detenção por tempo indefinido de crianças e suas famílias”.

O sofrimento extremo que as autoridades dos EUA infligiram propositadamente ao separarem famílias constitui maus-tratos e, em alguns dos casos, tortura.

A Amnistia Internacional entrevistou 15 mães e pais e guardiões que foram separados dos seus filhos pelas autoridades de fronteiras e imigração, incluindo 13 que se apresentaram em postos oficiais fronteiriços. Essas separações familiares resultaram em angústia profunda e, em alguns casos, a traumas de longa duração tanto para os adultos como para as crianças.

“Disseram-me: ‘Aqui não tem direitos nenhuns e não tem direito algum a ficar com o seu filho’. Morri naquele instante.”

Valquiria, requerente de asilo brasileira no Texas

Num centro de detenção de imigração no Texas, uma mulher brasileira chamada Valquiria contou à Amnistia Internacional que agentes dos CBP a separaram do filho, de sete anos (com seis à data da separação), sem lhe dar nenhuma razão para tal procedimento, no dia seguinte a ter requerido asilo num posto oficial de entrada nos EUA em março de 2018.

“Disseram-me: ‘Aqui não tem direitos nenhuns e não tem direito algum a ficar com o seu filho’”, recorda Valquiria. “Morri naquele instante. Seria melhor se eu caísse morta logo ali… Não saber onde estava o meu filho, o que estaria a fazer. É o pior que uma mãe pode sentir. Como é possível uma mãe não ter o direito de estar com o seu filho?”

Regressos ilegais e detenções arbitrárias

Em 2017 e 2018, os CBP implantaram uma política de facto de obrigar a voltar para trás milhares de pessoas que procuraram obter asilo em postos oficiais de entrada nos EUA ao longo de toda a fronteira do país com o México.

“Todos os seres humanos em todo o mundo têm o direito de procurar asilo devido a perseguição ou graves danos, assim como de requerer proteção em outro país”, lembra a diretora da Amnistia Internacional para as Américas.

Erika Guevara-Rosas avança que “as autoridades fronteiriças norte-americanas estão a violar descaradamente a legislação de asilo dos EUA e a lei internacional de refugiados, ao obrigarem as pessoas a voltarem para o México sem as registar nem avaliar as suas pretensões de requerimento de asilo”. “As pessoas forçadas a regressarem ao México podem sofrer abusos no México ou ser daí deportadas e enfrentar graves violações de direitos humanos nos seus países de origem”, acresce.

Desde 2017, as autoridades norte-americanas têm vindo a impor também uma política de detenção obrigatória e por períodos indefinidos de requerentes de asilo, frequentemente sem a possibilidade de liberdade condicional durante todo o processo de avaliação dos requerimentos. Esta conduta constitui detenção arbitrária, violação das leis dos EUA e internacional.

A Amnistia Internacional entrevistou requerentes de asilo que estavam em detenção indefinida após terem requisitado proteção aos EUA, incluindo membros de famílias que foram separadas pelas autoridades, idosos e pessoas em nítido estado grave de saúde e em necessidade de cuidados médicos.

A organização de direitos humanos documentou igualmente os casos de 15 requerentes de asilo transgénero e homossexuais que se encontravam em detenção por períodos desde vários meses até quase três anos, sem liberdade condicional. Aqui se incluem os casos de duas pessoas a quem foi negada liberdade condicional apesar de terem sofrido ataques sexuais nas instalações de detenção. Em vários destes casos, as experiências de detenção indefinida constituem maus-tratos.

“É manifestamente insensível da parte das autoridades dos EUA deter desnecessariamente e traumatizar pessoas que ali chegaram para pedir proteção da perseguição e da morte.”

Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para as Américas

“É manifestamente insensível da parte das autoridades dos EUA deter desnecessariamente e traumatizar pessoas que ali chegaram para pedir proteção da perseguição e da morte”, avalia Erika Guevara-Rosas.

A diretora da Amnistia Internacional para as Américas reitera que “o Congresso tem de agir já para pôr fim à detenção de crianças e famílias de uma vez por todas”. “E tem de financiar opções alternativas, como o Programa de Gestão de Casos de Famílias, que já está provado ser 99% eficaz em ajudar as famílias requerentes de asilo a compreenderem e a cumprirem os requisitos para as suas avaliações de imigração”, remata.

Recursos

  • 80 milhões

    80 milhões

    Em 2020, existiam mais de 80 milhões de pessoas que foram forçadas a sair do seu local de origem devido a perseguição, violência, conflito armado ou outras violações de direitos humanos.
  • 26 milhões

    26 milhões

    No final de 2020 estimava-se a existência de 26 milhões de refugiados no mundo.
  • 45 milhões

    45 milhões

    Mais de 45 milhões de pessoas foram forçadas a deixar as suas casas permanecendo dentro do seu próprio país (deslocados internos).
  • 4 milhões

    4 milhões

    Estima-se que existam mais de 4 milhões de pessoas em todo o mundo consideradas "apátridas" – nenhum país as reconhece como nacional.

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