Os Direitos Humanos estão em risco.

Mas a força das pessoas na rua mostra que juntos podemos fazer a mudança acontecer.

 

 

 

Em 2022, a invasão russa à Ucrânia resultou em numerosos crimes de guerra, provocou uma crise energética e alimentar global e procurou abalar o já enfraquecido sistema multilateral. A guerra em solo ucraniano expôs a hipocrisia dos Estados ocidentais que se mobilizaram contra a agressão do Kremlin, mas toleraram ou foram cúmplices de graves violações de direitos humanos cometidas noutros países, reforça a Amnistia Internacional no lançamento da sua avaliação anual do estado dos direitos humanos no mundo.

O Relatório 2022/23 da Amnistia Internacional: O Estado dos Direitos Humanos no Mundo verificou que a duplicidade de critérios e as respostas inadequadas às violações de direitos humanos ocorridas a nível global fomentaram a impunidade e a instabilidade. Alguns exemplos são o silêncio ensurdecedor sobre as violações de direitos humanos na Arábia Saudita, a falta de atuação no Egito e a recusa em confrontar o sistema de apartheid de Israel contra os palestinianos.

Assim, na análise da Amnistia Internacional sobre o estado dos direitos humanos no mundo em 2022, destacamos:

  1. A existência de dois pesos e duas medidas em todo o mundo em matéria de direitos humanos e a incapacidade da comunidade internacional de se unir de forma consistente na proteção dos direitos humanos e dos valores universais;
  2. A resposta robusta do Ocidente à agressão da Rússia contra a Ucrânia contrasta fortemente com a falta de atuação relativa a violações graves de direitos humanos por parte de alguns dos seus aliados, como Israel, Arábia Saudita e Egito;
  3. A falha dos Estados na proteção e respeito dos direitos das mulheres e da liberdade de manifestação pacífica, que têm sido continuamente ameaçados;
  4. O apelo à criação de um sistema internacional com normas que se fundamentem no respeito e cumprimento dos direitos humanos, de aplicação global, pela comemoração dos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A invasão russa da Ucrânia é um exemplo arrepiante do que pode acontecer quando os Estados pensam que podem transgredir o direito internacional e violar os direitos humanos sem consequências pelos seus atos.

Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional

 

Direitos Humanos no mundo

 

1. VIOLAÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

O ano de 2022 será lembrado na história da Europa e Ásia Central como o ano em que a Rússia lançou uma invasão militar em grande escala à Ucrânia, cometendo crimes de guerra e potenciais crimes contra a humanidade e desencadeando o maior êxodo de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. As táticas de cerco ilegais adoptados pela Rússia, ataques às infraestruturas energéticas e edifícios civis, deixaram milhares de mortos e feridos entre a população não combatente, afetada também por cruéis privações.

Mais sobre a crise de direitos humanos, humanitária e de deslocamento

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  • Europa e Ásia Central: Quase 7 milhões de pessoas ficaram deslocadas no interior da Ucrânia, 5 milhões fugiram para a Europa e 2,8 milhões partiram para a Rússia e a Bielorrússia. O acolhimento oferecido aos que chegaram à União Europeia foi excecional, mas por vezes discriminatório ao excluir algumas categorias de pessoas em fuga da Ucrânia, tais como pessoas de etnia negra, não nacionais com vistos de residência temporária e alguns ciganos, que enfrentaram obstáculos particulares no acesso à proteção. A generosidade com que a maioria dos ucranianos foram acolhidos contrastou vivamente com a rejeição, frequentemente violenta, e o abuso sofridos por outros refugiados e migrantes que se apresentavam nas fronteiras externas da Europa. Esta atitude de “dois pesos e duas medidas” revelou o racismo inerente às políticas e práticas das fronteiras externas da União Europeia. Muitos países europeus introduziram também restrições de viagem rígidas a cidadãos russos, muitos dos quais tentavam escapar à mobilização no seu país.O impacto socioeconómico da guerra refletiu-se por todo o mundo. Muitos países do Sul global foram duramente afetados pela rutura resultante nas exportações de cereais e fertilizantes. Os países europeus registaram enormes picos nos preços da energia. No final do ano, muitos destes países tinham crises de custo de vida e inflação recorde, que afetaram desproporcionalmente os mais vulneráveis. A Moldávia viu a sua inflação subir acima de 30% e a Turquia acima de 64%. Os esforços para evitar a dependência do petróleo e gás russos causaram um abrandamento das iniciativas para combater a crise climática.A guerra gerou a reconfiguração da cena política a nível de toda a região. A Bielorrússia, de uma maneira geral, alinhou a sua política externa e militar com a de Moscovo e partilhou a responsabilidade pelos atos de agressão da Rússia. Nestes dois países, a guerra foi sinónimo de mais repressão, mais sofrimento e mais isolamento internacional, simbolizado na exclusão da Rússia do Conselho da Europa e na sua suspensão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O conflito de Nagorno-Karabakh despoletou novamente com o enfraquecimento do papel da Rússia como mediadora da paz.A guerra e a política da Rússia destabilizaram também os Balcãs Ocidentais, com o risco de uma nova escalada do conflito entre a Sérvia e o Kosovo. Uma consequência indireta foi uma viragem na política de alargamento da União Europeia, que concedeu um estatuto de candidato “condicional” à Bósnia e Herzegovina, apesar de esta não preencher os critérios de adesão. A UE sinalizou ainda o seu apoio para que a Ucrânia e Moldávia iniciem negociações com vista à adesão, mas não à Geórgia, cujas reformas estavam em ponto morto ou regrediram.Relativamente aos mecanismos internacionais e regionais de defesa de direitos humanos, os poderes de veto da Rússia paralisaram frequentemente a OSCE e também o Conselho de Segurança das Nações Unidas e relegaram estas organizações para o papel de observadores impotentes do conflito. O TPI, contudo, reagiu com uma prontidão inusitada, anunciando a abertura de uma investigação à situação na Ucrânia em 2 de março.De uma maneira geral, a guerra na Ucrânia acentuou as tendências negativas em matéria de direitos humanos verificadas nos anos anteriores, alimentando mais a insegurança e a desigualdade; isto, por sua vez, estimulou as forças autoritárias e ofereceu um pretexto para a repressão adicional às liberdades fundamentais. Estas mesmas forças foram encorajadas a articular e, com frequência, a implementar agendas racistas, xenófobas, misóginas e homofóbicas. A brutalidade com que foram reprimidas as manifestações no Cazaquistão e Tajiquistão ilustra bem a vontade de certos Estados de continuarem a recorrer à força excessiva.
    A invasão da Ucrânia pela Rússia desencadeou uma vasta crise de direitos humanos, humanitária e de deslocamento.Equipas de investigação documentaram milhares de possíveis crimes de guerra e potenciais crimes contra a humanidade cometidos pelas forças russas, nomeadamente execuções extrajudiciais e outros homicídios sem justificação legal, tortura e outros maus-tratos, transferências forçadas da população, utilização de armas proibidas, violência sexual e ataques deliberados a escolas e hospitais. O recurso da Rússia a táticas de cerco contra os civis, a ataques indiscriminados e à destruição deliberada das infraestruturas energéticas da Ucrânia em pleno inverno tiveram aparentemente como objetivo causar o máximo sofrimento à população civil. Prisioneiros de guerra detidos por ambos os lados do conflito foram sujeitos a maus-tratos e a possíveis execuções extrajudiciais.Não foi conseguido qualquer progresso na investigação de violações do direito internacional humanitário durante o conflito de 2020 entre a Arménia e o Azerbaijão ou em levar os suspeitos da sua autoria à justiça. As minas plantadas pelas forças arménias em territórios cedidos ao Azerbaijão continuaram a matar e as tensões reacenderam-se no final do ano quando manifestantes azerbaijanos bloquearam a estrada que liga Nagorno-Karabakh à Arménia, interrompendo o fornecimento de bens e serviços essenciais. As regiões separatistas georgianas da Abecásia e da Ossétia do Sul/região de Tskhinvali não registaram qualquer progresso relativamente à impunidade por abusos do passado.
  • Todas as alegações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade devem ser objeto de investigações imparciais e independentes, nomeadamente aplicando o princípio da jurisdição universal.

 

 

2. DIREITO DOS REFUGIADOS E MIGRANTES

As pessoas em fuga da invasão russa constituíram o caso mais volumoso de deslocamento de sempre no continente desde a Segunda Guerra Mundial. Os países que acolheram o maior número de refugiados foram a Polónia (1,53 milhões), a Alemanha (1,02 milhões) e a República Checa (468 000). A UE ativou pela primeira vez a Diretiva de Proteção Temporária, proporcionando às pessoas em fuga do conflito na Ucrânia acesso rápido a alojamento, ao mercado de trabalho e à educação.

Mais sobre o direito dos refugiados e migrantes

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  • Europa: O acolhimento dispensado às pessoas que procuravam proteção da guerra na Ucrânia estabeleceu um novo ponto de referência na Europa e demonstrou que os Estados-membros da UE têm a capacidade para oferecer uma proteção digna a milhões de pessoas se existir a vontade política para tal. Por exemplo, foi promulgada uma lei sobre o estado de emergência nos Países Baixos para os municípios poderem assegurar o acesso a alojamento e outros serviços a 60 000 ucranianos. Na Suíça, refugiados da Ucrânia receberam apoio rápido, embora os projetos destinados a melhorar as condições nos centros de asilo tivessem sido adiados.
    Os países da UE assinalaram também o maior número de pedidos de asilo desde 2016 de pessoas originárias de outros países do mundo em busca de segurança. Aumentou também o número de pessoas a utilizar as rotas dos Balcãs Ocidentais e do Mediterrâneo Central e Oriental para chegarem à UE. Ao longo do ano, as fronteiras da Europa permaneceram um local de exclusão racializada, perigo e abusos para muitas pessoas também em busca de proteção e oriundas de outras partes do mundo, incluindo o Afeganistão, a Síria e a África subsariana. Tanto nas fronteiras terrestres como marítimas, os Estados submeteram os refugiados e migrantes a retornos forçados sumários, frequentemente violentos, sem examinar as suas circunstâncias individuais.
    Muitos refugiados e migrantes sofreram as consequências de políticas racistas às mãos dos agentes que as implementavam nas fronteiras. As autoridades espanholas continuaram a negar qualquer responsabilidade pelas graves violações dos direitos humanos durante as operações conduzidas pela polícia de fronteira em Melilla, em 2021, que resultaram na morte de 37 pessoas da África subsariana, ferimentos a muitas outras e o retorno sumário de pelo menos 470 pessoas para Marrocos.
    Os atores estatais que patrulham as fronteiras marítimas impediram o desembarque dos refugiados e migrantes que chegaram por mar. Os funcionários aduaneiros e a polícia detiveram arbitrariamente, muitas vezes por longos períodos, outras pessoas que conseguiram chegar ao território da UE e retornaram, sumária e muitas vezes violentamente, milhares de pessoas da Bulgária e Grécia para a Turquia; da Turquia para o Irão e a Síria; do Chipre para o Líbano; da Espanha para Marrocos; da França para Itália; da Croácia para a Bósnia e Herzegovina; da Hungria para a Sérvia; e da Letónia, Lituânia e Polónia para a Bielorrússia.
  • Ásia Central : Os países da região reagiram de forma diversa à tomada do poder pelos talibãs no Afeganistão em 2021. A Dinamarca começou a reexaminar casos de requerentes de asilo afegãos rejeitados, mas a Bélgica retomou as recusas de proteção internacional para os cidadãos afegãos. Embora a Alemanha tivesse efetivamente reinstalado números significativos de afegãos em risco, um novo programa destinado a permitir o acolhimento de 1 000 pessoas por mês suscitou preocupações quanto à equidade e transparência do processo.No leste da região, o Tajiquistão deteve e deportou refugiados afegãos. A guerra da Rússia na Ucrânia desencadeou uma vaga migratória em grande escala de russos para a Arménia, a Geórgia, o Quirguistão e o Cazaquistão. O Cazaquistão propôs alterações legislativas que poderão forçar muitos a regressar à Rússia. A Bielorrússia continuou a forçar violentamente refugiados e migrantes a atravessar as suas fronteiras, rumo a países da UE, sujeitando-os a tortura e outros maus-tratos.
  • África : Números crescentes de pessoas fugiram de suas casas devido a conflitos ou crises climáticas. Mais 600 000 pessoas encontravam-se deslocadas internamente na República Democrática do Congo, perfazendo assim um total de quase 6 milhões, o mais elevado em África. O número de pessoas deslocadas subiu igualmente em Moçambique com a expansão do conflito, atingindo 1,5 milhões. As condições de vida destas pessoas eram marcadas pela insegurança alimentar e de água, a malnutrição e a precariedade da saúde e da habitação. Na Somália, mais de 1,8 milhões de pessoas estavam deslocadas devido à seca e aos conflitos.
    O Uganda continuou a acolher a mais numerosa população de refugiados em África, com quase 1,5 milhões de refugiados, dos quais quase 100 000 chegaram em 2022. Contudo, apenas foi obtido 45% do financiamento necessário, até novembro, deixando as autoridades incapazes de dar uma resposta adequada às necessidades urgentes dos refugiados, tais como cuidados de saúde, água, saneamento e educação. O Sudão continuou a receber novos refugiados vindos dos países vizinhos – aproximadamente 20 000 do Sudão do Sul e 59 800 da Etiópia. Contudo, as lacunas graves no financiamento internacional forçaram o Programa Alimentar Mundial a cortar as rações para os refugiados.
    Os migrantes viram-se confrontados com um conjunto específico de violações e abusos dos seus direitos humanos. Milhares deles, incluindo 14 000 entre janeiro e maio, foram violentamente expulsos da Argélia para o “Ponto Zero”, na fronteira com o Níger. Em junho, foram encontrados os corpos sem vida de 10 migrantes perto da fronteira com a Líbia. Na Guiné Equatorial, dezenas de migrantes em situação irregular foram devolvidos aos seus países de origem, sem seguir os devidos processos e sem terem acesso a um advogado.
    Os governos devem tomar medidas para assegurar a proteção dos refugiados, migrantes e deslocados internos, bem como o seu pleno acesso a ajuda humanitária, incluindo alimentação, água e abrigo. Devem ainda pôr de imediato fim às deportações e detenções ilegais de migrantes e refugiados, garantindo a satisfação das suas necessidades de proteção. A comunidade internacional deve preencher as lacunas no financiamento internacional, proporcionando financiamento sustentável, fiável e a longo prazo que permita aos países anfitriões dar uma resposta adequada às necessidades urgentes dos refugiados.
  • Os governos devem assegurar que o direito de todas as pessoas a pedir a proteção internacional seja respeitado, protegido e realizado, sem discriminação e sem risco de retorno forçado para um local onde a pessoa possa ser perseguida ou sofrer outras violações dos direitos humanos.

 

 

3. TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS 

A guerra da Rússia na Ucrânia foi acompanhada de tortura e outros maus-tratos sistemáticos. Os prisioneiros de guerra foram sujeitos a maus-tratos e possíveis execuções extrajudiciais. No quadro do processo de “filtragem” aplicado pelos russos na Ucrânia, alguns civis foram torturados com choques elétricos, ameaçados de execução ou privados de alimentação e água. Crianças foram também separadas dos seus pais. Noutros pontos do leste da região, os maus-tratos eram habituais em centros de detenção.

Mais sobre casos de tortura e outros maus-tratos

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  • Cazaquistão: No Cazaquistão, foram denunciados casos de tortura com choques elétricos e queimaduras com ferros a vapor e, segundo dados oficiais, seis pessoas morreram em consequência de “métodos de interrogatório ilegais”. A tortura e outros maus-tratos foram largamente utilizados no Tajiquistão para intimidar e extrair “confissões”. Na Bielorrússia, as pessoas consideradas culpadas por acusações politicamente motivadas foram detidas em regime de isolamento, em condições desumanas. O Cazaquistão aboliu totalmente a pena de morte na sua legislação, enquanto na Bielorrússia foi executada pelo menos uma pessoa.
  • Europa: Os guardas e polícias aduaneiros colocados nas fronteiras externas da UE continuaram a sujeitar os refugiados e migrantes a maus-tratos frequentemente equivalentes a tortura. Em Itália, continuaram os processos judiciais relacionados com a tortura nas prisões.
  • Os governos devem agir urgentemente para acabar com a tortura e outros maus-tratos e submeter os seus autores à justiça.

 

 

4. LIBERDADE DE EXPRESSÃO, ASSOCIAÇÃO E REUNIÃO

As autoridades da região do Médio Oriente e Norte da África continuaram a deter arbitrariamente, processar e hostilizar as pessoas por expressarem opiniões críticas, participarem em protestos pacíficos e se envolverem na defesa de direitos humanos ou em ativismo político.

 

Mais sobre a censura ou as ameaças contra a liberdade de expressão

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  • Médio Oriente: Em alguns países, as autoridades intensificaram a censura ou as ameaças contra a liberdade de expressão. No Iêmen, as autoridades de fato huthis interditaram pelo menos seis emissoras de rádio na capital e mantiveram presos pelo menos oito jornalistas, quatro deles condenados à morte. O governo da Síria aprovou uma nova lei de crimes cibernéticos que impõe longas penas de prisão por críticas às autoridades ou à constituição publicadas na internet. Um novo decreto promulgado na Tunísia previa penas de até 10 anos de prisão para quem usasse as redes de telecomunicações de forma indevida para produzir, enviar ou espalhar “notícias falsas” ou outros conteúdos falsos ou difamatórios, e conferiu poder às autoridades para dissolver as entidades infratoras. Uma nova lei nos Emirados Árabes Unidos (EAU) criminalizou “qualquer pessoa que insulte ou prejudique a reputação, o prestígio ou a imagem do Estado” ou dos “seus líderes fundadores”.
    Autoridades reprimiram protestos no Irão, na Líbia e na Síria, recorrendo até à força letal ilegal e a prisões em massa.No Irão, as autoridades responderam aos muitos protestos contra a República Islâmica com munições reais, projéteis e espancamentos, matando centenas de pessoas, inclusive dezenas de menores, e deixando outros milhares de pessoas feridas. Além disso, fecharam ou interromperam as redes de internet e rádio móvel e bloquearam as plataformas de redes sociais. Milhares de pessoas foram presas arbitrariamente e submetidas a julgamentos e processos injustos, e dois homens foram executados. As autoridades palestinas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza em algumas ocasiões usaram força excessiva para dispersar agrupamentos pacíficos.A impunidade por homicídios ilegais e outras graves violações dos direitos humanos prevaleceu em toda a região, embora algumas medidas positivas tenham sido adotadas no âmbito internacional. Em novembro, por exemplo, o Conselho de Direitos Humanos da ONU estabeleceu uma missão para investigar violações de direitos humanos relacionadas aos protestos que eclodiram no Irão em setembro. Além disso, tribunais de países europeus, sob o princípio da jurisdição universal, investigaram e processaram indivíduos suspeitos de cometer crimes previstos no direito internacional na Síria e no Irão.
  • Norte de África : As autoridades recorreram a leis antiterrorismo ou a acusações vagas relacionadas à “segurança nacional” para silenciar a oposição e impor longas sentenças de prisão. Na Argélia, o ativista ambiental Mohad Gasmi foi condenado a três anos de prisão por trocar e-mails sobre a exploração de gás de xisto no país. Na Jordânia, três jornalistas foram presos e acusados de “divulgar notícias falsas” por exporem documentos que revelavam atividades financeiras envolvendo empresas, políticos e o rei. Em Marrocos, a defensora dos direitos humanos Saida Alami foi condenada a dois anos de prisão por denunciar nas redes sociais a repressão a jornalistas e ativistas. A sua sentença foi aumentada para três anos quando recorreu.
    Em diversos países, as autoridades adotaram várias medidas para sufocar a oposição. Na Argélia, usaram acusações falsas de terrorismo para silenciar membros de partidos e movimentos políticos de oposição.Também suspenderam pelo menos um partido político e ameaçaram suspender outros dois. As autoridades israelitas invadiram a sede de sete organizações da sociedade civil palestiniana e ordenaram o encerramento, além de acabarem com um partido político palestiniano para impedir que participasse nas eleições parlamentares de Israel. Em dezembro, o advogado de direitos humanos Salah Hammouri foi deportado para França, depois de nove meses de detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, e da revogação de sua permissão de residência em Jerusalém Oriental.Entre abril e o final do ano, as autoridades egípcias libertaram 895 pessoas detidas por motivos políticos. Porém, nesse mesmo período, outras 2.562 pessoas supostamente críticas ao governo foram presas e interrogadas por promotores, centenas delas por motivos relacionados à convocação de protestos durante a COP27 em novembro. Milhares de defensores dos direitos humanos, jornalistas, manifestantes e outros críticos e opositores, de fato ou presumidos, permaneciam em detenção arbitrária por exercerem seus direitos humanos.
  • Os governos devem respeitar os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica, garantindo inclusive que jornalistas, defensores dos direitos humanos e ativistas possam usufruir desses direitos sem assédio, violência ou processo judicial, e devem libertar as pessoas detidas por exercerem esses direitos.

 

 

5. DISCRIMINAÇÃO: MULHERES E MENINAS

Em 2022, mulheres e meninas continuaram a enfrentar discriminação tanto na lei como na prática em todo o Médio Oriente e o Norte da África, inclusive em relação aos direitos de herança, divórcio, representação política e oportunidade de emprego. A violência de género continuou dominante e foi cometida com impunidade. Autoridades na Arábia Saudita, no Egito, no Iémen, no Iraque e no Irão, submeteram mulheres defensoras dos direitos humanos e ativistas a processos, interrogatórios e/ou outras formas de assédio por se manifestarem contra a violência sexual e a discriminação de género.

Mais sobre a discriminação e violência de género

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  • Médio Oriente e Norte de África: Em 2022, mulheres e meninas continuaram a enfrentar discriminação tanto na lei como na prática em todo o Médio Oriente e o Norte da África, inclusive em relação aos direitos de herança, divórcio, representação política e oportunidade de emprego. A violência de género continuou dominante e foi cometida com impunidade. Autoridades na Arábia Saudita, no Egito, no Iémen, no Iraque e no Irão, submeteram mulheres defensoras dos direitos humanos e ativistas a processos, interrogatórios e/ou outras formas de assédio por se manifestarem contra a violência sexual e a discriminação de género.Mulheres e meninas estiveram na frente dos protestos nacionais que eclodiram no Irão em setembro, contestando décadas de discriminação e violência de género as leis discriminatórias e abusivas que as obrigam ao uso do véu.Continuaram a ocorrer os assassinatos de mulheres denominados homicídios de “honra”, assim como outros feminicídios. No Iraque, nas regiões central e do Curdistão, apesar do aumento dos relatos desses assassinatos e de outras formas de violência de género, inclusive contra mulheres trans, o governo deixou de criminalizar a violência doméstica. Na Argélia, foram registados 37 femicídios.A proteção legal contra a discriminação foi debilitada ainda mais em vários países da região. Em março, a Arábia Saudita aprovou a sua primeira “lei sobre a situação jurídica pessoal”, passando a regular muitas das práticas problemáticas inerentes ao sistema de tutela masculina sobre as mulheres e sedimentando a discriminação de género na maioria dos aspetos da vida familiar. Uma emenda à lei eleitoral da Tunísia removeu dispositivos que melhoravam a representação das mulheres no parlamento. No Iémen, as autoridades de fato huthis proibiram as mulheres de viajar nas províncias sob seu controle, sem um guardião masculino ou a sua permissão por escrito.
    Em alguns países, houve sinais de progresso, embora as mulheres continuassem a enfrentar discriminação e violência. Marrocos ratificou o Protocolo Facultativo da CEDAW, mas a legislação nacional ainda apoiava a desigualdade de género. Uma emenda constitucional na Jordânia declarou homens e mulheres iguais perante a lei e proibiu a discriminação entre os sexos, mas nenhuma medida foi tomada no sentido de alterar a legislação do país para regulamentar a emenda. No Kuwait, o governo introduziu medidas para aumentar a representação das mulheres no serviço público e em cargos de direção, mas a legislação nacional ainda discriminava as mulheres. As autoridades de Omã criaram uma linha direta para denúncias de violência doméstica, mas não disponibilizaram casas-abrigo nem aprovaram leis que definissem esse tipo de violência.
  • África do Sul: A exclusão das raparigas grávidas das escolas continuou a verificar-se na Tanzânia e na Guiné Equatorial. Pelo lado positivo, em setembro, o Comité Africano de Peritos sobre os Direitos e o Bem-estar da Criança deliberou que a política de exclusão da Tanzânia violava a Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança e recomendou a revisão desta política. Além disso, 800 crianças, incluindo raparigas grávidas e raparigas que tinham abandonado a escola devido a gravidez, foram reintegradas nas escolas na Serra Leoa.
    A violência de género continuou a preponderar em toda a região. Na África do Sul, os assassinatos de mulheres aumentaram em 10,3%, tendo 989 mulheres perdido a vida entre julho e setembro, enquanto os crimes sexuais e a violação aumentaram em 11% e 10,8%, respetivamente. No Eswatini, o assassinato brutal de uma mulher pelo seu ex-companheiro levou organizações de direitos das mulheres a intensificar os seus apelos para que fosse declarada uma emergência nacional para combater a violência de género. Na Guiné, as vítimas de violação continuaram a sofrer devido à falta de prevenção e proteção contra tais crimes, assim como à falta de acesso aos cuidados médicos, aos serviços e cuidados de saúde sexual e reprodutiva, apoio psicológico e assistência jurídica e social.
    Vários países promulgaram leis progressistas sobre a igualdade de género. O Parlamento do Congo aprovou a “lei de Mouébara” sobre o combate à violência doméstica e outros tipos de violência contra as mulheres. Na Serra Leoa, a Lei dos Direitos Consuetudinários sobre a Terra concedeu às mulheres a igualdade de direitos de posse e utilização das terras familiares; e uma lei sobre a igualdade incluiu uma disposição estipulando que 30% de todos os cargos governamentais fossem reservados para mulheres. No Zimbabwe, foi introduzida legislação proibindo o casamento precoce e na infância.
    No Madagáscar, pelo contrário, o presidente da Comissão Permanente da Assembleia Nacional rejeitou uma proposta de lei que procurava alterar o Código Penal de forma a despenalizar o aborto. Na Nigéria, a Assembleia Nacional votou contra cinco projetos de lei que visavam promover a igualdade de género e apenas se comprometeu a reconsiderar três deles depois de grupos de mulheres e organizações da sociedade civil terem protestado. No Ruanda, o parlamento rejeitou um projeto de lei que permitia o fornecimento de contracetivos a maiores de 15 anos.
  • Américas: Autoridades de vários países da região tomaram medidas que comprometeram seriamente os direitos sexuais e reprodutivos. Em São Salvador, a proibição do aborto manteve-se. Pelo menos duas mulheres foram presas por acusações relacionadas a urgências obstétricas, uma delas com pena máxima de 50 anos. Na República Dominicana, o Congresso voltou a aprovar uma revisão do código penal que descriminaliza o aborto.
    Em junho, o Supremo Tribunal dos Estamos Unidos, pôs fim às proteções federais ao direito ao aborto ao revogar a decisão do caso Roe v. Wade, revertendo quase 50 anos de jurisprudência. A decisão foi seguida por várias legislaturas estaduais do país, que aprovaram leis para proibir ou restringir o acesso ao aborto. Em contraste, em vários estados dos EUA, as pessoas votaram de forma esmagadora para proteger o direito ao aborto. Em Porto Rico, cinco projetos de lei que propunham restringir o acesso ao aborto foram chumbados. No Peru, foi apresentado um projeto de lei, que se aprovado, prejudicará o acesso ao aborto. Na Argentina, obstáculos significativos persistiram para o acesso aos serviços de aborto, apesar da uma lei de 2020 que descriminaliza e legaliza essa prática nas primeiras 14 semanas de gravidez.
    No entanto, também ocorreram avanços em relação aos direitos sexuais e reprodutivos. Uma decisão do Tribunal Constitucional da Colômbia, em fevereiro, descriminalizou o aborto até à 24ª semana de gravidez. No México, mais quatro estados descriminalizaram o aborto, que deixou de ser penalizado em 11 dos 32 estados mexicanos. No Equador, o presidente sancionou uma lei descriminalizando o aborto em casos de violação. A lei, porém, continha certos elementos restritivos que limitavam os direitos reprodutivos.
    As autoridades de vários países não protegeram o direito à educação sexual integral. Na Argentina (província do Chaco), no Paraguai, no Peru e em vários estados dos EUA, as autoridades continuaram a restringir a educação sobre sexualidade e diversidade de género em ambientes educacionais.

 

 

6. DIREITOS ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

Em África, quase todos os países da região debateram-se com os impactos económicos devastadores da pandemia de Covid-19. Os esforços de recuperação foram travados por conflitos e rutura económica provocados pela invasão da Ucrânia pela Rússia e por condições meteorológicas extremas, exacerbadas pelas alterações climáticas. Consequentemente, os direitos de milhões de pessoas à alimentação, saúde e um nível de vida adequado foram gravemente lesados.

Mais sobre os direitos económicos, sociais e culturais em África

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  • Direito à alimentação: A invasão da Ucrânia pela Rússia interrompeu os abastecimentos de trigo de que muitos países africanos dependiam. Entretanto, o aumento dos preços dos combustíveis, outra consequência da guerra na Europa, causou uma explosão nos preços dos alimentos, que afetou desproporcionalmente os marginalizados e os mais vulneráveis à discriminação. A insegurança alimentar piorou devido a níveis de seca sem precedentes em vários países africanos.
    Grandes segmentos populacionais enfrentaram fome crítica e elevados níveis de insegurança alimentar, nomeadamente em Angola, no Burkina Faso, Chade, Madagáscar, Níger, Quénia, República Centro-Africana, Somália, Sudão e Sudão do Sul. Em Angola, a insegurança alimentar nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe foi das piores do mundo e, em algumas áreas, adultos e crianças viram-se forçados a comer erva para sobreviver. No Burkina Faso, segundo estimativas do Gabinete de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), em setembro, 4,9 milhões de pessoas estavam a debater-se com insegurança alimentar, incluindo muitos deslocados internos que tinham fugido das suas casas devido a conflitos.
    Os conflitos e os deslocamentos resultantes dos mesmos agudizaram também a insegurança alimentar no Níger, afetando 4,4 milhões de pessoas (cerca de 20% da população). Na República Centro-Africana, 50% da população sofria insegurança alimentar e, em algumas áreas, essa percentagem chegava aos 75%. Metade da população da Somália enfrentava igualmente insegurança alimentar aguda e mais de 3 milhões de cabeças de gado, essenciais para a subsistência das comunidades de pastoreio, morreram principalmente devido à seca. Em Angola, registou-se também uma perda de gado em grande escala em consequência da seca.
  • Direito à saúde : Embora o impacto da Covid-19 tenha diminuído, vários países sofreram novos surtos de doenças ou epidemias, nomeadamente um surto de ébola no Uganda, declarado em setembro, que resultou em 56 mortes.
    Uma epidemia de sarampo, no departamento de Pointe-Noire, no Congo, ceifou as vidas de 112 crianças; e, no Zimbabwe, mais de 750 crianças menores de cinco anos morreram quando um surto de sarampo no distrito de Mutasa se propagou a outras áreas. Nos Camarões, uma epidemia de cólera afetou sete regiões, resultando em 298 mortes. Na prisão de New Bell, em Douala, pelo menos 16 reclusos morreram durante dois surtos de cólera no estabelecimento penitenciário, incluindo Rodrigue Ndagueho Koufet, que tinha estado detido arbitrariamente desde setembro de 2020 por participar numa manifestação pacífica. No Malawi, uma epidemia de cólera afetou 26 dos seus 28 distritos do país e, até 31 de dezembro, tinham sido reportadas 576 mortes.
    Em vários países, condições meteorológicas extremas desencadearam surtos de doenças. Na Nigéria, as inundações precipitaram um surto de doenças transmitidas pela água, incluindo a cólera, que mataram mais de 320 pessoas nos Estados de Yobe, Borno e Adamawa. A seca severa na Somália levou a uma vaga nos casos de malnutrição, enquanto os casos suspeitos de cólera e sarampo aumentaram bruscamente em comparação com os anos anteriores, de acordo com a OMS.
  • Direito à habitação : As expulsões forçadas continuaram a constituir uma séria preocupação na região.
    No sul de Angola, persistiu a expropriação de pastagens comunitárias, que foram entregues a explorações comerciais. Em outubro, a polícia queimou 16 casas e pertences pessoais durante um raide para expulsar a comunidade mucubai das suas terras, na área de Ndamba, nos arredores de Moçâmedes, província de Namibe, para facilitar a transferência de terras para um fazendeiro comercial.
    Na Tanzânia, as autoridades expulsaram pela força membros da comunidade indígena maasai das suas terras ancestrais, na divisão de Loliondo, região de Arusha, para dar lugar a uma operação turística. Antes das expulsões, as autoridades falharam no seu dever de proceder a consultas genuínas com os residentes ou de os avisar e compensar devidamente.
    Nas cidades e núcleos urbanos, os despejos forçados concentraram-se nos bairros informais. Por exemplo, em junho, o Conselho Regional de Segurança da Grande Acra, no Gana, demoliu centenas de casas propriedade do Conselho de Investigação Científica e Industrial em Frafraha, na capital Acra. Os residentes só receberam o aviso de despejo com 48 horas de antecedência. Na Nigéria, a Administração do Território da Capital Federal e as agências de segurança demoliram cerca de 100 edifícios na aldeia Dubaidna Durumi 3, em agosto. Agentes de segurança utilizaram gás lacrimogéneo, que fez desmaiar duas crianças expostas à sua ação, e agrediram fisicamente os residentes durante a demolição. Na Zâmbia, o conselho municipal de Chingola demoliu mais de 300 casas construídas perto da pista de aterragem de Kasompe, no distrito de Chingola.
  • Os governos devem tomar medidas imediatas para assegurar os direitos à alimentação, saúde e habitação, nomeadamente através de cooperação e assistência internacionais, quando necessário. Devem também assegurar a responsabilização dos autores de violações dos direitos humanos.

 

 

7. DISCRIMINAÇÃO CONTRA POVOS INDÍGENAS E PESSOAS NEGRAS

As pessoas historicamente submetidas à discriminação racial continuaram a ser desproporcionalmente afetadas por violações dos direitos humanos. Líderes indígenas foram mortos no contexto de conflitos relacionados à terra no Brasil, na Colômbia, no Equador e no México. Na Colômbia, líderes e defensores indígenas foram atacados e mortos e, nas áreas onde grupos armados de oposição continuavam a operar, povos indígenas e comunidades afrodescendentes foram deslocadas à força, enfrentando crises humanitárias.

Mais sobre os direitos culturais nas Américas

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  • Américas: No Paraguai, as autoridades não responderam adequadamente quando os povos indígenas foram removidos à força de suas terras. Na Nicarágua, os povos indígenas foram deslocados à força e submetidos à violência por indivíduos armados.
    Em diversos países – como Argentina, Brasil, Canadá, Guatemala, Honduras, México, Paraguai, Peru e Venezuela – os governos avançaram com grandes projetos extrativistas, agrícolas e de infraestrutura sem obter o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas afetados. Na Argentina, os povos indígenas continuaram a enfrentar sérias dificuldades para terem acesso aos direitos coletivos à terra. No Equador, assassinatos e ameaças contra líderes e defensores indígenas continuaram a acontecer. Os povos indígenas da Amazónia afetados por um grande derramamento de petróleo em janeiro continuaram sem reparação por esse desastre, bem como por um derramamento anterior em 2020.
    Nos EUA, as mulheres indígenas continuaram a enfrentar níveis desproporcionalmente altos de violação e violência sexual, sem ter acesso a cuidados básicos após a violação. Além disso, experimentaram índices elevados de desaparecimento e assassinato. No Canadá, mulheres indígenas de comunidades Innuit no Quebec, relataram esterilização forçada e outras violências obstétricas.
    O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, reconheceu oficialmente o papel da Igreja Católica e do governo canadense na criação, manutenção e operação do sistema de internato que, em outubro, a Câmara dos Comuns reconheceu por unanimidade como genocídio contra os povos indígenas.
    As pessoas negras continuaram a ser desproporcionalmente afetadas pela violência do Estado em vários países da região. No Brasil, várias operações policiais resultaram num grande número de mortes, como a realizada em maio no bairro Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, em que 23 pessoas morreram. A recolha de dados feita pela sociedade civil revelou que 84% de todas as pessoas mortas pela polícia no Brasil eram negras. Do mesmo modo, dados sobre homicídios policiais em Porto Rico mostraram que as pessoas que vivem em comunidades de baixos rendimentos racialmente mistas corriam maior risco de serem mortas pela polícia do que as pessoas de comunidades brancas de baixos rendimentos.
    As autoridades dos EUA submeteram requerentes de asilo haitianos negros a detenções arbitrárias e tratamento discriminatório e humilhante, que configuraram tortura por motivos de raça. Também nos Estados Unidos, os limitados dados públicos disponíveis sugeriam que pessoas negras são desproporcionalmente afetadas pelo uso de força letal pela polícia. O Senado dos EUA não adotou a Lei George Floyd de Justiça no Policiamento. A lei, que tratava de uma ampla gama de políticas e questões relativas a práticas de policiamento e prestação de contas dos agentes da lei, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 2021. No Canadá, o Serviço de Polícia de Toronto relatou o uso desproporcional da força em comunidades racializadas, principalmente nas comunidades negras

 

 

8. CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS EXTREMAS CONTINUAM A AFETAR VIDAS NO SUL DE ANGOLA

Angola reiterou o seu terrível historial em matéria de direitos humanos. Os períodos pré e pós-eleitorais foram prolíficos em violações dos direitos humanos, nomeadamente a repressão do direito de reunião pacífica e manifestação e a detenção e tortura de ativistas. No sul, as condições meteorológicas extremas, sintomáticas das alterações climáticas, continuaram a impactar os direitos à alimentação e à água, e a crise humanitária associada não aliviou. A ocupação ilegal das pastagens comunitárias nesta região agravou as condições atrozes em que as comunidades de pastoreio já viviam.

Mais sobre a escassez de alimentos e água em Angola

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  • Direito à Alimentação e à água: As condições meteorológicas extremas, associadas às alterações climáticas, continuaram a afetar vidas no sul, nomeadamente nas províncias do Cunene, Huíla, Kwando Kubango e Namibe, onde a seca atingiu níveis sem precedentes nos últimos anos, provocando escassez de alimentos e água e má-nutrição, resultando na morte de pessoas e gado.
    A Integrated Phase Classification (IPC), que descreve a gravidade da insuficiência de alimentos, afirmou que a insegurança alimentar nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe, está entre as piores do mundo, afetando cerca de 1,58 milhões de pessoas, das quais 43% foram classificadas pela IPC como estando na fase de crise 3 e 15% na fase de emergência 4. Segundo as projeções, cerca de 400 000 crianças estariam a sofrer de má-nutrição aguda em 2022, de acordo com a UNICEF e o OCHA. Alguns adultos e crianças viram-se forçados a comer erva para sobreviver. Houve uma perda massiva de gado devido à falta de forragem, em consequência da seca, que agravou os níveis de insegurança alimentar entre as comunidades de pastoreio. Entretanto, a guerra na Ucrânia provocou um aumento de 45% nos preços do trigo em África, segundo o Banco Africano de Desenvolvimento, o que agravou ainda mais a escassez alimentar.
  • Refugiados e migrantes: A seca, as perdas generalizadas de gado e o fracasso das colheitas continuaram a empurrar as pessoas para a vizinha Namíbia como a única opção viável na busca desesperada por alimentos e água. Milhares de pessoas decidiram fazer a pé o percurso até à Namíbia, sem comida ou água, algumas delas doentes e subnutridas; muitas delas morreram durante a viagem. Na Namíbia, abrigaram-se debaixo de caixas de cartão e sacos plásticos ou dormiram no chão ao relento, sem qualquer proteção. Enquanto o governo pouco auxiliou os que permaneceram em Angola, o governo namibiano e a Cruz Vermelha esforçaram-se visivelmente por oferecer ajuda aos refugiados. A fome forçou muitos dos que tinham sido repatriados para Angola a regressar à Namíbia.

 

 

Direitos Humanos em Portugal

 

Portugal é um dos 156 países analisados pela Amnistia Internacional no seu relatório anual.

Em Portugal, persistiram as preocupações com as condições nas prisões e a responsabilização pela má conduta policial, nomeadamente com recurso à utilização excessiva da força. As salvaguardas contra a violência com base no género continuaram inadequadas. Milhares de pessoas continuaram a viver em condições de habitação inadequadas. Os trabalhadores migrantes do setor agrícola foram alvo de exploração e condições de trabalho desadequadas. Mais de mil pessoas morreram por causas relacionadas com ondas de calor extremo. Das várias áreas analisadas ao longo de 2022, destacam-se as seguintes:

  • Tortura e outros maus-tratos;
  • Violência e discriminação sexual e de género;
  • Direito à habitação;
  • Direitos dos refugiados e migrantes;
  • Falha em combater a crise climática e a degradação ambiental.

Mais sobre os direitos humanos em Portugal

 

O Ano em imagens

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Estatísticas

MAIS SOBRE O RELATÓRIO ANUAL 2022

 

O relatório da Amnistia Internacional sobre o Estado dos Direitos Humanos Mundo em 2022, analisa 156 países e territórios e é, atualmente, a análise mais abrangente de direitos humanos no mundo.

Além da análise específica de cada país, é também feito uma avaliação global e apresentado um panorama geral de cada uma das regiões mundiais. Em 2022, foi notória a significativa repressão aos direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica.

Pode aceder à totalidade do relatório anual, disponível em quatro línguas diferentes, ou consultar partes específicas do relatório, que disponibilizamos em português.

Também pode consultar os relatórios anuais da Amnistia Internacional referentes aos anos compreendidos entre 2011 e 2022, aqui.

Esperança no futuro

 

A necessidade de consertar instituições internacionais disfuncionais

  1. É fundamental que as instituições e os sistemas internacionais que se destinam a proteger os direitos humanos sejam reforçados e não debilitados. O primeiro passo é que os mecanismos de direitos humanos da ONU sejam totalmente financiados, para que a responsabilização e as investigações possam prosseguir, e a justiça seja feita.
  2. A Amnistia Internacional apela ainda à reforma do principal órgão decisório da ONU, o Conselho de Segurança, para dar voz aos países e situações que têm sido tendencionalmente ignorados, com especial foco no Sul global.
  3. No entanto, embora os governos tenham falhado em colocar os direitos humanos em primeiro lugar, foi possível sentir inspiração e esperança com o modo de atuação para os avanços nos direitos humanos que partiram de algumas pessoas que os próprios Estados deveriam ter protegido.

Em 2023, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento criado a partir das cinzas de uma guerra mundial, completa 75 anos. Não vamos esperar que o mundo esteja mais uma vez em chamas para fazer valer as liberdades e princípios que foram estabelecidos à custa de milhões de vidas. Que 2023 seja um ano de virada para a defesa dos direitos humanos. Se os líderes mundiais não fizerem no mínimo isso, essa traição poderá levar o mundo a um abismo.

Agnés Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional

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