4 Junho 2019

Um a um. Assim pararam os veículos militares que, na manhã de 5 de junho de 1989, deixavam a Praça de Tiananmen, em Pequim. À frente estava um homem. Apenas um homem. Não sabemos o seu nome, nem o que lhe aconteceu, mas o ato de resistência que protagonizou tornou-se icónico.

“O Rebelde Desconhecido” ou “O Homem dos Tanques” tornou-se na imagem de resistência na China. © Stuart Franklin

A saída de cena dos tanques não parou a forte repressão. Nos dias que se seguiram ao massacre de 3 para 4 de junho, que provocou a morte e ferimentos a milhares de pessoas, as autoridades chinesas emitiram uma lista com 21 nomes das pessoas mais procuradas pela organização dos protestos pró-reforma política. O número um era Wang Dan, um estudante de 20 anos da Universidade de Pequim que promovia debates.

Wang Dan em declarações à imprensa, no dia 1 de maio de 1989. © Catherine Henriette/AFP/Getty Images

“Éramos uma geração preocupada com a situação política. Tínhamos preocupações com o nosso futuro político. Nunca esperámos que o governo enviasse as tropas contra o próprio povo. Pensámos que só nos queriam assustar”, recorda.

Na noite de 3 de junho, quando o Exército Popular de Libertação abriu fogo sobre a multidão, Wang Dan estava na residência universitária. “Um colega de turma ligou-me de um local próximo da Praça Tiananmen. Disse-me: ‘A repressão começou. Há mortos.’ Tentei ir a Tiananmen, mas a polícia tinha bloqueado as estradas”, relata.

“Fiquei em choque”, prossegue Wang Dan. “Durante três ou quatro dias, não conseguia dizer nada”.

Os amigos tentaram escondê-lo, mas, no dia 2 de julho, acabou por ser localizado. Wang Dan cumpriu quase quatro anos de prisão. Depois, decidiu ficar no país, ao contrário de outros ativistas perseguidos pelo regime chinês.

“Um colega de turma ligou-me de um local próximo da Praça Tiananmen. Disse-me: ‘A repressão começou. Há mortos”

Wang Dan

“Quis continuar a minha luta. Tinha a obrigação de fazer mais por quem tinha morrido. Ainda sentia que havia possibilidade de mudança. Foi por isso que decidi ficar”, garante.

Em 1995, Wang Dan voltou a ser detido e acabou condenado a uma pena de 11 anos. A liberdade chegou antes, mas com uma condição: sair da China. No ano de 1998, viajou para os Estados Unidos da América (EUA), onde estudou em Harvard e Oxford. A carreira académica ainda o levou a Taiwan, mas já regressou ao país de acolhimento.

“Sair foi uma decisão difícil. Foi muito difícil porque sabia que não iria ver a minha família. Mas, se recusasse, continuava na prisão. Não teria conseguido fazer nada lá”, nota.

Wang Dan não se arrepende da escolha e tem a certeza de que os protestos de Tiananmen foram um momento crucial para várias gerações. “A democracia tocou a alma do povo chinês”, acredita.

Lü Jinghua é uma dessas pessoas. Com 28 anos, vendia roupa numa banca de rua de Pequim. Ao ver os estudantes em Tiananmen, decidiu perceber os motivos dos protestos e começou a levar-lhes água.

Lü Jinghua fotografada com a filha, em 1989.

“Por causa da minha voz, ofereci-me para colaborar. Ficava na Praça de Tiananmen e partilhava as últimas notícias nos altifalantes. À noite, dormia numa tenda, na praça”, relembra.

Aqueles dias, assegura Lü Jinghua, foram felizes. “O movimento mudou minha vida”, confidencia a ativista, antes de passar para o lado negro da história.

“Ouvi balas e pessoas a serem atingidas. Um corpo caiu ao meu lado, depois outro. Corri e corri para me afastar. As pessoas suplicavam por ajuda, pediam ambulâncias”, conta.

“Nunca esqueceremos o que aconteceu. Era a coisa certa a fazer […] Ainda acredito nisso. Ainda luto pelos direitos humanos na China”

Lü Jinghua

O pesadelo começava aqui. Lü Jinghua também foi colocada na lista dos mais procurados pelo regime e a família começou a ser perseguida pelas autoridades. Sem outra alternativa, teve de fugir de Pequim e deixar para trás a filha bebé. “Precisava de salvar a minha vida e, por isso, aceitei que teria de partir”.

Depois de uma jornada perigosa, onde teve de passar um rio a nado, chegou a Hong Kong. Mas o destino final foi Nova Iorque, nos EUA.

Em 1993, tentou voltar à China para ver a família: “Quando saí do avião, as autoridades intercetaram-me. Vi a minha mãe, com a minha filha ao colo, no outro lado do portão, mas a polícia não me deixou falar com elas”.

A filha de Lü Jinghua acabou por viajar para os EUA, em dezembro de 1994. Mas o regresso a casa nunca aconteceu, nem mesmo para assistir às cerimónias fúnebres dos pais. No entanto, a ativista não se arrepende da decisão que tomou.

“Nunca esqueceremos o que aconteceu. Era a coisa certa a fazer […] Ainda acredito nisso. Ainda luto pelos direitos humanos na China”, declara.

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