23 Novembro 2022

  • Condenações de quatro defensores de direitos humanos, em julgamento desde 2017, anuladas pelo mais alto tribunal da Turquia
  • Entre os arguidos, estão Taner Kılıç, presidente honorário da Amnistia Internacional – Turquia, e İdil Eser, antiga diretora-executiva da Amnistia Internacional – Turquia

A decisão da mais alta instância de recursos na Turquia (Tribunal de Cassação) em anular as condenações infundadas do presidente honorário da Amnistia Internacional – Turquia, Taner Kılıç, da antiga diretora-executiva da secção turca da organização, İdil Eser, e de dois outros defensores de direitos humanos é um enorme alívio. No entanto, realça uma vez mais a natureza politicamente motivada destes julgamentos.

Este tribunal emitiu a decisão acerca das condenações de Taner Kılıç, İdil Eser, Özlem Dalkıran e Günal Kurşun – quatro dos 11 defensores de direitos humanos no processo Büyükada, que foram condenados em julho de 2020 – mais de cinco anos após as suas primeiras detenções no verão de 2017. O caso de Taner Kılıç foi considerado uma “investigação incompleta” e remetido de novo para o tribunal de primeira instância.

“A decisão de hoje termina com uma farsa de justiça que tomou grandes proporções. Embora estejamos extremamente aliviados pela anulação das condenações, o facto de o tribunal ter decidido que o caso de Taner requeria mais investigação é dececionante”, sublinhou Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional.

“Durante mais de cinco anos, assistimos a uma absoluta situação de injustiça, onde as reivindicações infundadas contra estes quatro corajosos defensores de direitos humanos foram aceites como factos por sucessivos tribunais. A decisão agora tomada revela o verdadeiro propósito dos julgamentos com fundamentação política: a utilização dos tribunais como ferramenta de silenciamento a vozes críticas”.

“Durante mais de cinco anos, assistimos a uma absoluta situação de injustiça, onde as reivindicações infundadas contra estes quatro corajosos defensores de direitos humanos foram aceites como factos por sucessivos tribunais”

Agnès Callamard

Taner Kılıç, advogado de direitos humanos dos refugiados e presidente honorário da secção turca da Amnistia, foi detido em junho de 2017 e mantido na prisão por mais de 14 meses. Apesar da completa falta de provas, em julho de 2020, foi condenado por “pertença a uma organização terrorista” a seis anos e três meses de prisão. Por sua vez, İdil Eser, Özlem Dalkıran e Günal Kurşun foram todos condenados a 25 meses por “assistência a uma organização terrorista”, tendo passado mais de três meses atrás das grades no ano de2017.

Ao longo de 12 audiências judiciais, cada alegação contra os quatro defensores de direitos humanos foi repetida e exaustivamente provada como não tendo fundamento, mesmo no relatório policial do próprio Estado.

Em maio, o Tribunal Europeu reafirmou que as autoridades turcas não tinham “nenhuma suspeita razoável de que Taner Kılıç tivesse cometido qualquer infração”. Também concluiu que a sua prisão preventiva sob acusações relacionadas com terrorismo estava “diretamente ligada à sua atividade como defensor de direitos humanos”. Esta decisão vinculativa tornou-se definitiva em outubro.

“Enquanto celebramos esta decisão, não esquecemos que muitos defensores de direitos humanos continuam a definhar nas prisões da Turquia ou a enfrentar semelhantes julgamentos infundados. Outros vivem permanentemente com medo de serem presos”, recordou Agnès Callamard.

“Iremos retirar força desta vitória. Continuaremos ao lado de Taner até ao fim e a lutar contra a incessante restrição dos direitos humanos na Turquia, na defesa daqueles que se recusam ser silenciados pelas ameaças do governo”, conclui Agnès Callamard.

“Continuaremos ao lado de Taner Kılıç até ao fim e na defesa daqueles que se recusam ser silenciados pelas ameaças do governo “

Agnès Callamard

Contexto

Taner Kılıç e Özlem Dalkıran são ambos membros fundadores da Amnistia Internacional – Turquia. Nos últimos 20 anos, desempenharam um papel crucial na defesa dos direitos humanos como parte da organização, e também da comunidade defensora dos direitos humanos na Turquia.

Na altura da sua detenção, em julho de 2017, Idil Eser era a diretora-executiva da secção turca da Amnistia Internacional. Günal Kurşun, advogada, especialista em direito penal internacional e membro da Amnistia Internacional – Turquia desde o seu início, é uma proeminente defensora de direitos humanos no país.

Nesse período, Taner Kılıç teria, alegadamente, descarregado e utilizado a aplicação de mensagens ByLock,que a acusação afirmou ser bastante usada pelo movimento Gülen, um grupo culpado por organizar uma tentativa de golpe em 2016.

No entanto, duas análises forenses ao telemóvel de Taner, solicitadas pela Amnistia Internacional, não encontraram qualquer vestígio de que o ByLock tivesse sido alguma vez instalado. Em junho de 2018, o relatório policial apresentado ao tribunal também concluiu que não tinham sido encontradas provas da instalação do ByLock no telefone de Taner. No entanto, vale a pena ressalvar que o simples descarregamento ou utilização de uma aplicação não seria prova suficiente das alegadas infrações da acusação, tal como se fez saber no recente acórdão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) relativo a outro requerente, sem relação com os arguidos do caso Büyükada.

İdil Eser, Özlem Dalkıran e Günal Kurşun estavam entre as dez pessoas, apelidadas de “Os 10 de Istambul”, que foram detidas pela polícia enquanto participavam num workshop sobre bem-estar e segurança digital a 5 de julho de 2017, na ilha de Büyükada, em Istambul.

A 4 de outubro de 2017, um procurador de Istambul apresentou uma acusação contra “Os 10 de Istambul” e também contra Taner Kılıç que, alegadamente, estaria a par dos preparativos para o workshop e em contacto com dois arguidos.

Na sua primeira audiência de julgamento, a 26 de outubro, o juiz aceitou o pedido do procurador para fundir a acusação de Taner Kılıç que tinha sido aberta em Izmir, com a dos outros dez defensores de direitos humanos, embora as acusações formuladas contra ele nada tivessem a ver com o workshop e os dois casos não estivessem, de modo algum, interligados.

A Amnistia publicou anteriormente uma análise do caso contra Taner Kılıç e mais informações pormenorizadas sobre o caso em geral.

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