4 Dezembro 2023

O Procurador-Geral de Malta acusou três jovens da África Ocidental, conhecidos como “El Hiblu 3”, por terem tentado impedir o seu regresso ilegal à Líbia pela tripulação de um navio que os resgatou no mar em 2019. Em 2020, estes jovens foram um dos casos da Maratona de Cartas (o maior evento global de ativismo, organizado pela Amnistia Internacional todos os anos). Em Portugal, o apelo para que fossem retiradas as acusações contra os três reuniu mais de 19.000 assinaturas, que foram entregues na embaixada de Malta em Lisboa em abril de 2021.

No entanto, dada a decisão do Procurador-geral maltês, este apelo é agora mais urgente que nunca. Não há quaisquer provas que sustentem as acusações aos três jovens. Ninguém deveria arriscar ficar preso o resto da sua vida apenas por ter tentar impedir o regresso a um cenário de tortura e violência para si e para os mais de 100 requerentes de asilo, que iriam ser obrigados a voltar para a Líbia. A Amnistia Internacional, pelas palavras de Elisa De Pieri, investigadora regional da organização, considera que este desfecho foi “a pior decisão possível”.

“O Procurador-Geral demorou mais de quatro anos e meio a tomar a pior decisão possível. O facto de estes jovens – que atuaram como mediadores entre a tripulação e um grupo de requerentes de asilo em pânico – estejam agora a ser julgados e possam ser condenados a prisão perpétua é uma farsa da justiça. A acusação não reconhece que estes jovens faziam parte de um grupo de mais de 100 requerentes de asilo que se viram confrontados com um retorno forçado ilegal para a Líbia que teria colocado as suas vidas em risco. No entanto, são eles que poderão agora ter de se defender de acusações que vão desde ‘atos de terrorismo’ a ‘violência’”, salienta Elisa De Pieri.

“O facto de estes jovens – que atuaram como mediadores entre a tripulação e um grupo de requerentes de asilo em pânico – estejam agora a ser julgados e possam ser condenados a prisão perpétua é uma farsa da justiça”

Elisa De Pieri

“O inquérito que conduziu à acusação foi marcado por graves irregularidades processuais, como a detenção das crianças em instalações para adultos, a sua acusação em tribunais para adultos e a não convocação de testemunhas-chave para depor. O processo contra os El Hiblu 3 nunca deveria ter sido instaurado, mas ainda há tempo para as autoridades maltesas retirarem as acusações e pouparem estes jovens a mais injustiças”, lembra Elisa De Pieri.

“O inquérito que conduziu à acusação foi marcado por graves irregularidades processuais, como a detenção das crianças em instalações para adultos, a sua acusação em tribunais para adultos e a não convocação de testemunhas-chave para depor”

Elisa De Pieri

 

Contexto

Em março de 2019, três adolescentes da África Ocidental, da Costa do Marfim e da Guiné, (com 15, 16 e 19 anos) embarcaram num barco de borracha lotado, fugindo da Líbia com outras 108 pessoas. Depois de o barco começar a esvaziar-se, foram resgatados por um navio de carga, o El Hiblu. O capitão do navio tentou devolvê-los à Líbia, o que seria uma violação do direito internacional, uma vez que os capitães têm o dever legal de levar as pessoas que salvam no mar para um destino seguro.

Após a chegada do navio a Malta, a 28 de março de 2019, as autoridades maltesas detiveram estes três jovens, alegando que tinham pressionado a tripulação a mudar de rumo. De acordo com os muitos testemunhos de requerentes de asilo que se encontravam no navio na altura, os três tentaram acalmar as pessoas em pânico e atuaram como tradutores entre a tripulação e as pessoas resgatadas.

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