8 Agosto 2019

“Quando soube da invasão, fiquei com medo porque estava muito perto da aldeia. Nunca tinha visto assim tão perto. Temia que viessem até aqui. Não consegui dormir mais. Houve tiros à noite”

Mulher indígena Uru-Eu-Wau-Wau

O medo está bem presente nas palavras desta mulher indígena Uru-Eu-Wau-Wau, de 22 anos, cuja terra comunitária foi invadida em janeiro de 2019. O perigo rondou a aldeia onde vive, às portas da floresta amazónica, em Rondônia. Desde então, a tensão aumentou, com novos loteamentos de terras ilegais e atos de intimidação.

No mesmo estado, os líderes indígenas Karipuna têm recebido ameaças de morte.

“Eles [os invasores ilegais] deixaram uma mensagem de que não deveríamos estar no seu caminho”

Líder Karipuna

No dia 4 de julho, madeireiros ilegais em Rondônia incendiaram um camião usado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para apoiar operações de fiscalização da desflorestação em territórios indígenas. O ataque provocou uma nuvem de fumo negro tóxico.

Na batalha crescente pelo controlo da Amazónia brasileira, Boa Vista do Pacarana e a cidade de Espigão d’Oeste constituem focos de tensão. Muitas comunidades indígenas estão cada vez mais pressionadas por madeireiros, garimpeiros e fazendeiros ilegais, que querem aceder às terras e aos recursos.

Mapa da região de Espião d’Oeste. Landsat/Copernicus © Google Earth

 

Após o ataque ao camião, houve uma demonstração de força. No dia 17 de julho, data em que o Ministro do Meio Ambiente visitou a zona, a Folha de São Paulo relatou a chegada de 30 agentes do IBAMA, 60 polícias militares e 110 soldados que montaram um acampamento em Espigão d’Oeste, com vista a responder à crescente ameaça de violência.

Este foi o passo mais ousado da agência sob a presidência de Jair Bolsonaro, que tem apoiado a abertura da floresta amazónica à exploração de recursos.

 

LINHA DA FRENTE

Arara, no estado do Pará, e Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna, em Rondônia, estão entre as terras indígenas mais ameaçadas da Amazónia no Brasil.

A Amnistia Internacional visitou recentemente esses territórios para compreender a situação nas linhas da frente dos conflitos ambientais e de direitos humanos.

Nos três locais, os invasores têm desenvolvido esforços para se apropriarem de terras e/ou derrubarem árvores.

Os líderes indígenas relataram ameaças de morte por não abdicarem da defesa das terras.

Extração ilegal de madeira nos territórios Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia. © Gabriel Uchida

 

Os povos indígenas têm o direito, reconhecido em termos legais, de possuir, usar, desenvolver e controlar terras, territórios e recursos que tradicionalmente possuíam, ocupavam ou de outra forma usavam ou adquiriram.

Os agentes do governo encarregados de defender as terras protegidas também enfrentam ameaças crescentes. Em maio, enquanto reparavam a estrada de acesso a um território indígena no estado de Rondônia, agentes ambientais foram cercados por mais de 30 homens, alguns encapuzados. Depois de uma longa e tensa conversa, abandonaram o local, mas o mais importante foi feito: passaram uma mensagem de intimidação.

No estado do Pará, em julho, madeireiros locais atearam fogo a duas pontes, junto à rodovia Transamazônica, no município de Placas, para retaliar contra a fiscalização do IBAMA na região próxima as terras Arara.

 

FALHAS NA PROTEÇÃO

O histórico do governo em proteção ambiental e direitos indígenas tem sido, lamentavelmente, inadequado.

A nível local, a monitorização das terras protegidas – que sempre foi insuficiente – está ainda mais reduzida com a nova administração.

O Congresso frustrou por uma pequena margem a tentativa de Bolsonaro de transferir a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Agricultura, um claro conflito de interesses.

Homens indígenas Uru-Eu-Wau-Wau patrulham terras para prevenir a ocupação ilegal e a exploração madeireira. © Gabriel Uchida

 

Em junho, a FUNAI e outros órgãos governamentais realizaram uma grande operação contra o loteamento de terras e a extração de madeira ilegais dentro do território Karipuna.

Mas estes esforços esporádicos não vão impedir as invasões e continua a não existir um plano a longo prazo para proteger a área.

Entretanto, algumas comunidades indígenas patrulham os territórios, correndo o risco de entrar em confrontação direta com os invasores, que costumam andar armados e em maior número.

O receio adensou-se quando indígenas Waiãpi denunciaram a morte de um líder comunitário, às mãos de garimpeiros, no estado do Amapá, em julho deste ano.

EM NOME DO “DESENVOLVIMENTO”

A hostilidade do presidente Bolsonaro em relação à proteção ambiental e aos territórios indígenas estimula, ainda que indiretamente, o loteamento de terras ilegal. E como é público, tem como objetivo abrir ainda mais a Amazónia a atividades como a exploração de minérios e a agropecuária.

Por isso, não surpreende que a taxa de desflorestação tenha disparado. A ONG Imazon relatou a perda de 62 km² de floresta dentro dos territórios indígenas durante o primeiro semestre de 2019, ou seja, um aumento de mais de 20% em relação ao mesmo período do ano passado.

Nos três territórios visitados pela Amnistia Internacional, as perspetivas são preocupantes – a desflorestação representa o dobro do que estava documentado no mesmo período de 2018.

Tudo indica que as coisas vão piorar. No início de julho, o Pará aprovou, sem debate público, uma lei controversa que incentiva apropriações ilegais de terras, agravando a desflorestação e a violência rural num dos estados onde os conflitos por terra são mais mortais.

“Os confrontos violentos entre os povos indígenas e os invasores são altamente prováveis”, afirma Richard Pearshouse, especialista em Crises e Meio Ambiente da Amnistia Internacional. “Proteger os direitos humanos dos povos indígenas é fundamental para evitar a desflorestação na Amazónia. A comunidade internacional deve estar atenta e apoiá-los na linha de frente da luta para proteger as florestas mais preciosas do mundo”, acrescenta.

 

PARA SABER MAIS: Leia a investigação da Amnistia Internacional sobre o risco de banho de sangue na Amazónia

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