12 Dezembro 2023

 

  • Na Ucrânia, as crianças frequentam o ensino “às escondidas” para evitar represálias;
  • Medo e intimidação para aqueles que resistem à doutrinação russa;
  • Repressão aos professores está a provocar um défice na educação.

 

Desde o início da invasão russa da Ucrânia, as pessoas que vivem sob ocupação russa correm o risco de sofrer graves retaliações por  continuarem a estudar em solo ucraniano. Algumas famílias têm optado por esconder os filhos para evitar que sejam levados para instituições de “reeducação”, ou que sejam adotados na Rússia ou, ainda, que sejam matriculados à força em escolas que funcionam segundo o currículo russo.

Uma nova investigação da Amnistia Internacional – com testemunhos, provas e informações de 23 profissionais de educação e 16 famílias com crianças em idade escolar que viviam, ou ainda vivem, sob ocupação russa – documentou como a invasão da Rússia à Ucrânia conduziu a uma interrupção significativa e generalizada da educação no país.

Anna Wright, investigadora da Amnistia Internacional, revela que, nos territórios ocupados pela Rússia, “a intimidação e opressão são uma realidade diária para as famílias, crianças e corpo docente”. Anna sublinha mesmo que “ninguém está a salvo nesta interminável campanha de terror da Rússia na Ucrânia”.

“Ninguém está a salvo nesta interminável campanha de terror da Rússia na Ucrânia”

Anna Wright

 

Crianças frequentam escola “às escondidas”

No auge da sua ofensiva, as forças russas ocuparam cerca de um quarto do território ucraniano e, atualmente, permanecem no controlo de cerca de um quinto do país. Poucos meses após o início da ocupação, e apesar do receio permanente de represálias, alguns professores e pais tentaram organizar a aprendizagem de acordo com o currículo ucraniano.

Um responsável educativo regional afirma que os professores, alunos e pais se transformaram em verdadeiros “guerrilheiros que cavam buracos nos seus jardins para esconder computadores portáteis e telemóveis, e que se refugiam em sótãos e em velhos barracões para conseguirem captar rede móvel”.

Professores, alunos e pais “cavam buracos nos seus jardins para esconder computadores portáteis e telemóveis”

Uliyana*, bibliotecária de uma escola, partilhou à Amnistia Internacional que tinha de marcar encontros secretos com os alunos para lhes dar livros, apesar das patrulhas militares russas na sua aldeia que frequentemente efetuavam buscas de modo arbitrário.

Alguns pais optaram por interromper os estudos para preservarem a segurança dos seus filhos. Polina, mãe de duas crianças, relatou que os seus filhos saíram de casa poucas vezes durante os nove meses de ocupação russa, devido ao medo de serem levados para a Rússia.

 

Medo e intimidação nos territórios ocupados pela Rússia

Numa aldeia ocupada na região de Kherson, Kseniya*, mãe de um rapaz de 15 anos, Kyrylo*, contou à Amnistia Internacional sobre a visita de um professor a sua casa durante a primavera de 2022. O professor perguntou a Kyrylo se ele iria frequentar a escola quando esta reabrisse, em setembro. Kseniya disse que Kyrylo não iria à escola. No entanto, no início de setembro, apareceram homens vestidos com uniforme militar russo à sua porta que advertiram Kseniya que, se Kyrylo não aparecesse na escola no dia seguinte, viria um autocarro buscá-lo depois para o levar para um orfanato na Rússia. Kyrylo regressou à escola, mas encontrou-a decorada com símbolos do Estado russo e funcionários armados no exterior e interior do edifício.

Um professor da comunidade ocupada de Berdiansk (na região de Zaporizhzhia) deixou os territórios ocupados em julho de 2022, mas continua a dar aulas online a crianças que ainda se encontram nesta comunidade. Em conversa com a Amnistia Internacional, contou que as crianças são agora obrigadas a aprender e a cantar o hino nacional russo. Quem se recusar, recebe a ameaça, cada vez mais persistente, de que será retirado aos seus pais para “reeducação num orfanato russo”.

Na mesma escola, foi distribuído um aviso a todos os alunos, que a Amnistia Internacional pôde ver e que dizia: “Olhem à vossa volta. Podem ver que a Ucrânia destruiu Kharkov, Mariupol e outras cidades. Se não querem que a Ucrânia vos mate, digam-nos tudo o que veem e sabem sobre isso”.

 

Doutrinação e coerção dos professores com impacto no ensino 

Hanna* e Olena*, ambas professoras de uma comunidade na região de Kharkiv que foi ocupada de março a setembro de 2022, receberam mensagens de texto dos diretores das respetivas escolas que procuravam convencê-las a regressar ao trabalho e a ensinar o currículo russo quando estas reabrissem. Ambas recusaram e esconderam-se.

Olena teve de abandonar o seu apartamento e viver com vizinhos, enquanto Hanna permaneceu secretamente em sua casa, à custa de não se registar para receber qualquer assistência humanitária (cestas de alimentos) fornecida pelas autoridades da ocupação russas. Durante a sua entrevista à Amnistia Internacional, Hanna admitiu que foi muito difícil sobreviver a oito meses de ocupação sem qualquer rendimento ou apoio.

Os testemunhos das famílias dos territórios ocupados pela Rússia dão conta de escolas que reabriram sem pessoal docente qualificado ou em número adequado, com testemunhos de crianças que foram deixadas sozinhas nas salas de aula e a quem lhes foi dito para lerem livros escolares, o que é indicador da forma como a qualidade da aprendizagem e a disciplina foram afetadas.

“O fim da invasão russa à Ucrânia é a única forma de ajudar o país a recuperar e de tornar o presente e o futuro das crianças ucranianas menos doloroso”, destaca Anna Wright. A investigadora da Amnistia Internacional alerta que, enquanto o fim da invasão não acontece,”as autoridades de ocupação russa devem terminar com a intimidação à população local e de coagir o corpo docente a realizar atividades educativas inapropriadas e outras práticas abusivas”.

“O fim da invasão russa à Ucrânia é a única forma de ajudar o país a recuperar e de tornar o presente e o futuro das crianças ucranianas menos doloroso”

Anna Wright

“Durante a guerra ou a ocupação, todas as partes permanecem vinculadas ao direito internacional humanitário e ao respeito pelos direitos humanos. Garantir o direito das crianças ao acesso a uma educação de qualidade é um desses deveres e deve ser plenamente respeitado.”

 

Contexto

A Amnistia Internacional tem trabalhado para documentar crimes de guerra e outras violações do direito internacional humanitário desde o início da invasão em grande escala da Rússia à Ucrânia.

*Nomes alterados por razões de segurança

 

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