23 Janeiro 2024

 

  • O Encontro das Escolas Amigas dos Direitos Humanos decorreu no Fundão, de 12 a 14 de janeiro, e reuniu jovens de 11 escolas;
  • As temáticas principais abordadas foram a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, no âmbito da campanha Protege a Liberdade.

 

Desde 2017 que a Amnistia Internacional Portugal organiza o Encontro das Escolas Amigas dos Direitos Humanos (EADH) que, este ano, decorreu no Fundão, nos dias 12, 13 e 14 de janeiro. O Encontro reuniu jovens de 11 escolas e, no âmbito da campanha Protege a Liberdade, teve como temáticas principais a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Através do convívio e da partilha de ideias, foi possível estreitar a cooperação entre os vários estudantes, mostrando como se pode promover a missão pelos direitos humanos nas várias escolas.

Em grupo e nas atividades realizadas, os participantes puderam abordar os conceitos fundamentais da campanha Protege a Liberdade, de modo a entenderem como esta campanha apoia os movimentos sociais que atuam por mudanças positivas nos direitos humanos. Numa sessão com o diretor do Jornal do Fundão, Nuno Francisco, os alunos foram desafiados a olhar para o contexto nacional no que concerne à liberdade de imprensa e aos desafios que o jornalismo tem enfrentado nos últimos meses. Também os jornalistas, com a importante tarefa de informar as sociedades, necessitam de ver a liberdade e a sustentabilidade da sua profissão ser cuidada e respeitada. Por fim, aproveitando a visita ao Fundão, os participantes puderam ainda conhecer a Casa das Memórias António Guterres e o Centro para as Migrações.

 

A liberdade de expressão pelo mundo

Ao navegar pelo direito à liberdade de expressão, este grupo reunido no Fundão assinalou o Dia da Criança na Tailândia (que se celebra a 13 de janeiro), recordando como os jovens tailandeses têm sido reprimidos apenas por se reunirem pacificamente e apelarem por reformas democráticas e melhorias na educação e segurança. Ao longo da história, as manifestações pacíficas têm sido uma poderosa ferramenta de mudança. No entanto, a liberdade de expressão tem enfrentado retrocessos e restrições por parte de governos em todo o mundo, como acontece em território tailandês.

Entre 2020 e 2022, a Tailândia registou uma onda de manifestações generalizadas e os estudantes universitários e do ensino secundário rapidamente se tornaram o rosto destes protestos, integrando também na sua agenda os direitos das mulheres, dos povos indígenas, das pessoas LGBTI e das minorias étnicas. As autoridades tailandesas desencorajaram fortemente a participação juvenil e, desde 2020, instituíram processos penais contra pelo menos 286 jovens que usufruíam pacificamente dos seus direitos à liberdade de expressão e de manifestação.

Os estudantes tailandeses têm sido reprimidos apenas por se reunirem pacificamente e apelarem por reformas democráticas e melhorias na educação e segurança. Desde 2020, as autoridades instituíram processos penais contra pelo menos 286 jovens

 

Os participantes do Encontro das EADH seguram cartazes que pedem o fim da repressão e a anulação dos processos penais contra os estudantes tailandeses

 

Olhando com especial atenção para a situação na Tailândia, alguns dos alunos no Fundão deixaram uma mensagem de solidariedade para os estudantes tailandeses. Santiago Furtado, da Escola Secundária Professor Reynaldo dos Santos, destacou diferentes maneiras de ativismo capazes de mostrar como a repressão é um problema à escala global:
“Eles [os estudantes da Tailândia] não estão sozinhos. De certa forma, nós estamos aqui para ajudá-los. Não podemos interagir fisicamente, mas fazemos o que podemos, sendo nas redes sociais, através de cartazes e manifestações, para mostrarmos que esse problema [a repressão] é real. [A repressão] acontece, não só na Tailândia, mas em outros países.”, frisa o aluno.

Por outro lado, quando confrontada com a questão “O que é a Liberdade de Expressão?”, a aluna Rita Coelho, da Escola Secundária de Ermesinde, descreve este direito como a possibilidade de cada pessoa se expressar sem barreiras e medos: “É a possibilidade de dizermos aquilo que queremos, a possibilidade de sermos livres na nossa maneira de falar, de agir, de defender aquilo que queremos, de ser quem somos. É a facilidade que temos de defender os nossos ideais e de permitir que as pessoas os conheçam. É não sermos reprimidos por dizer a nossa verdade.”, realça.

“[A liberdade de expressão é] a possibilidade de sermos livres na nossa maneira de falar, de agir, de defender aquilo que queremos, de ser quem somos”

Aluna Rita Coelho

 

A Maratona de Cartas no Fundão

Apesar da liberdade de expressão ser um direito consagrado no artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e em tantos outros tratados e convenções, estes estudantes foram relembrados como o seu usufruto pacífico ainda conduz muitas pessoas para a prisão. A Maratona de Cartas – o maior evento anual de ativismo em todo o mundo – foi apresentada no Fundão, trazendo à conversa casos como o de Ahmed Mansoor, defensor dos direitos humanos nos Emirados Árabes Unidos (EAU). Ahmed está atualmente preso por levantar preocupações sobre a detenção, tortura e julgamentos injustos das vozes dissidentes no seu país. O seu caso recorda como a repressão é utilizada por muitos governos como uma ferramenta de silenciamento.

“Graças a organizações como a Amnistia Internacional temos a possibilidade de conhecer estes casos e projetos como a Maratona de Cartas, onde nos é permitido divulgar e defender casos destas violações, como o Ahmed que, nos EAU, está preso sem acesso a cartas, a livros, a uma caneta, sem acesso a liberdade. Ele que é um poeta. […] É nossa obrigação defendê-lo e pedir a sua libertação”, releva a aluna Rita Coelho (Escola Secundária de Ermesinde)

Dentro das várias formas de ativismo que envolvem apelar pela libertação de pessoas como Ahmed Mansoor, os estudantes deste encontro foram convidados a escrever mensagens de solidariedade para os casos desta edição da Maratona de Cartas, a falar sobre este projeto nas redes sociais e a dirigirem-se às ruas para abordar as pessoas, consciencializando-as para estas violações de direitos humanos (em dinâmica face to face).

 

A escrita de mensagens de solidariedade para os casos desta edição da Maratona de Cartas

 

Promover a liberdade de expressão nas escolas

Dentro do ambiente escolar, a liberdade de expressão deve integrar a sala de aula, o recreio e as várias dinâmicas que a escola acolhe. Os professores são atores imprescindíveis para o respeito deste direito, denotando que ele pode ser considerado em diversos momentos e de diferentes formas.

Se estivermos a pensar numa sala de aula, a professora Catarina Crocker, responsável pelo projeto das EADH no Agrupamento de Escolas do Fundão, salienta que é importante “haver sempre um bocadinho de espaço, de tempo, de oportunidade para discutir e ouvir as ideias, e eles sentirem que, mesmo que a ideia deles seja única na sala de aula, se calhar até pode estar certa e que é preciso ser ouvida”. A professora Joana Micaelo, responsável pelo projeto das EADH no Agrupamento de Escolas do Redondo, acrescenta que a liberdade de expressão se promove “dizendo que eles [alunos] têm uma voz, que há sempre um espaço e há sempre alguém a quem eles podem recorrer para dizer aquilo que pensam, para dizer aquilo que está mal, para sugerir melhorias, portanto, empoderá-los nesse sentido”.

Educar os estudantes para a diversidade de perspetivas, de opiniões, de crenças e de culturas é também um fator essencial na formação de jovens capazes de proteger, agora e no futuro, a liberdade de expressão. Nesta linha de pensamento, a professora Catarina Crocker acrescenta que é necessário “dar a conhecer [aos alunos] casos de situações noutros países, noutras culturas, ou mesmo dentro do nosso país, que exijam a nossa atenção e o nosso cuidado e possam desencadear petições ou manifestações”, concluindo que “se nós estivermos fechados no nosso pequeno mundo, acho que a liberdade está em risco”.

“Se nós estivermos fechados no nosso pequeno mundo, acho que a liberdade está em risco”

Professora Catarina Crocker

 

A liberdade e sustentabilidade da imprensa em Portugal

Dentro do espetro da sustentabilidade e liberdade de imprensa em Portugal, o Encontro das EADH contou com uma sessão com o diretor do Jornal do Fundão, Nuno Francisco, que ressalvou que “para haver bom jornalismo e um jornalismo forte, é preciso haver uma gestão e uma garantia da sustentabilidade económica das publicações”. 

Atento à corrente situação no Global Media Group, caraterizada pela falta de pagamentos de salários e pouca transparência quanto às contas e à situação financeira do grupo, Nuno Francisco esclareceu que este é um “problema de gestão e sustentabilidade de negócio”, evidenciando a “contínua degradação económica que a maior parte do setor está a ter”. Sublinha, no entanto, a resiliência e compromisso dos jornalistas, já que “neste país, neste momento, há milhares de jornalistas que estão a dar o melhor pela causa e pelo trabalho que escolheram”.

“Neste país, neste momento, há milhares de jornalistas que estão a dar o melhor pela causa e pelo trabalho que escolheram”

Diretor do Jornal do Fundão, Nuno Francisco

Questionado pelos alunos, o diretor do Jornal do Fundão referiu que, no decorrer da sua atividade jornalística sempre exerceu a profissão com liberdade. A principal preocupação, ressalva, recai nas condições disponibilizadas aos jornalistas, que possam garantir que o exercício do jornalismo é viável.

Sobre o momento frágil para a imprensa que se vive em Portugal, a Amnistia Internacional já tornou públicas as suas apreensões, fazendo questão de realçar que o ataque à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa pode ser também efetuado pela instabilidade e fragilidade económica.

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