16 Julho 2024

 

  • A proibição imposta às mulheres atletas que usam véu (hijab) de competir nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos viola o direito internacional em matéria de direitos humanos e expõe a hipocrisia discriminatória das autoridades francesas e a fraca vontade do Comité Olímpico Internacional (COI).
  • A resposta do Comité Olímpico Internacional (COI) à carta conjunta que apela ao levantamento da proibição do hijab é dececionante e inadequada.

 

Num novo relatório publicado em antecipação aos Jogos Olímpicos de Paris, denominado “We can’t breathe anymore. Even sports, we can’t do them anymore (em português “Já não podemos respirar. Até o desporto, já não o podemos praticar), a Amnistia Internacional detalha o impacto devastador que a proibição do uso de hijab está a ter nas mulheres e raparigas muçulmanas a todos os níveis do desporto francês.

Anna Błuś, investigadora dos direitos das mulheres da Amnistia Internacional na Europa descreve como “as regras discriminatórias que controlam o que as mulheres vestem são uma violação dos direitos humanos das mulheres e raparigas muçulmanas e têm um impacto devastador na sua participação no desporto, bloqueando os esforços para tornar a prática desportiva mais inclusiva e acessível”.

“As regras discriminatórias que controlam o que as mulheres vestem são uma violação dos direitos humanos das mulheres e raparigas muçulmanas e têm um impacto devastador na sua participação no desporto”

Anna Błuś

As proibições do uso do hijab em vários desportos em França criaram uma situação insustentável em que o país anfitrião dos Jogos Olímpicos está a violar várias obrigações ao abrigo dos tratados internacionais de direitos humanos de que é parte, bem como os compromissos e valores estabelecidos no próprio quadro de direitos humanos do COI. Apesar dos repetidos apelos, até à data o COI recusou-se a pedir às autoridades desportivas francesas que revogassem a proibição do uso do hijab pelas atletas nos Jogos Olímpicos e em todos os níveis do desporto.

Em resposta à carta de uma coligação de organizações que lhe pedia que tomasse medidas, o COI alegou que a proibição francesa do uso de hijab no desporto estava fora do âmbito do movimento olímpico, afirmando que “a liberdade de religião é interpretada de formas muito diferentes por cada Estado”. A resposta do COI não mencionou outros direitos violados por esta proibição, como a liberdade de expressão e o acesso à saúde.

As proibições impostas por França aos hijabs desportivos contradizem as regras de vestuário de organismos desportivos internacionais como a FIFA (Federação Internacional de Futebol), a FIBA (Federação Internacional de Basquetebol) e a FIVB (Federação Internacional de Voleibol). A Amnistia Internacional analisou as regras de 38 países europeus e concluiu que a França é o único país que consagrou a proibição do uso de véu religioso, quer ao nível da legislação nacional, quer ao nível dos regulamentos desportivos individuais.

A jogadora de basquetebol Hélène Bâ revelou à Amnistia Internacional que a proibição do uso do hijab nos Jogos Olímpicos “é uma clara violação da Carta Olímpica, dos seus valores e disposições, e uma violação dos nossos direitos e liberdades fundamentais”. “Penso que vai ser um momento vergonhoso para a França”, acrescenta.

Outra mulher, aqui designada por “B”, partilhou à Amnistia Internacional: “É triste. É ainda mais vergonhoso estar neste ponto em 2024, a bloquear sonhos só por causa de um pedaço de tecido”.

“É triste. É ainda mais vergonhoso estar neste ponto em 2024, a bloquear sonhos só por causa de um pedaço de tecido”

B.

Em França, a proibição de as mulheres muçulmanas usarem qualquer tipo de véu religioso vai muito para além dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. A proibição do uso de hijabs está em vigor em vários desportos, como o futebol, o basquetebol e o voleibol, tanto a nível profissional como amador. Estas proibições, implementadas por federações desportivas, significam que muitas mulheres muçulmanas não só são excluídas da participação em desportos, como também nunca chegam a ter as oportunidades de treino e competição necessárias para atingir o nível olímpico.

Estas proibições causam humilhação, trauma e medo e já levaram muitas mulheres e raparigas a abandonar os desportos de que gostam ou mesmo a procurar oportunidades noutros países. Impedir as mulheres e as raparigas muçulmanas de participarem de forma plena e livre no desporto, por motivos de lazer e recreação ou como carreira, pode ter impactos devastadores em todos os aspetos das suas vidas, mesmo na sua saúde mental e física.

Hélène Bâ, que não pode competir no basquetebol desde outubro de 2023, declarou à Amnistia Internacional: ” A nível psicológico também é difícil, porque nos sentimos realmente excluídos… Especialmente se formos para o banco e o árbitro nos mandar ir para as escadas [bancadas]. Toda a gente te vê… é uma caminhada de vergonha”.

De acordo com o direito internacional, a neutralidade do Estado ou o secularismo (“laїcité”) não são razões legítimas para impor restrições à liberdade de expressão e/ou à liberdade de religião.

No entanto, há vários anos que as autoridades francesas têm vindo a utilizar estes conceitos como instrumentos para justificar a promulgação de leis e políticas com um impacto desproporcionado nas mulheres e raparigas muçulmanas. Além disso, toda esta situação ocorre no contexto de uma campanha persistente que dura há vinte anos de legislação e regulamentação prejudiciais do vestuário das mulheres e raparigas muçulmanas em França, alimentada por preconceitos, racismo e islamofobia de género.

Founé Diawara, copresidente do coletivo de futebol dos utilizadores de hijab (football collective the Hijabeuses), explicou à Amnistia Internacional: “A nossa luta não é política ou religiosa, mas centra-se no nosso direito humano de participar no desporto.”

“A nossa luta não é política ou religiosa, mas centra-se no nosso direito humano de participar no desporto”

Founé Diawara

“Nenhum decisor político deve ditar o que uma mulher pode ou não vestir e nenhuma mulher deve ser forçada a escolher entre o desporto que ama e a sua fé, identidade cultural ou crenças”, defende Anna Błuś.

“Não é tarde demais para as autoridades francesas, as federações desportivas e o COI fazerem a coisa certa e anularem todas as proibições de atletas que usam o hijab no desporto francês, tanto nos Jogos Olímpicos de verão como em todos os desportos, a todos os níveis.”

 

Contexto

No dia 11 de junho, membros da Sport & Rights Alliance e da Basket Pour Toutes publicaram uma carta escrita ao Comité Olímpico Internacional, exigindo que este apelasse publicamente às autoridades desportivas francesas para que anulassem todas as proibições de uso do hijab por atletas no desporto francês, tanto nos Jogos Olímpicos de verão de Paris 2024 como em todos os desportos e a qualquer nível. A 18 de junho, o COI respondeu às organizações (ver carta em baixo).

 

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