24 Julho 2023

 

  • Na sua 21ª edição, a Maratona de Cartas continuou a gerar um impacto muito positivo de direitos humanos; 
  • Em todo o mundo, foram registadas, pelo menos, 5.320.261 ações em defesa dos direitos humanos – um aumento de 14,2% relativamente a 2021;
  • Em Portugal foram recolhidas 111.199 assinaturas e 2.929 mensagens de solidariedade para cada um dos casos deste projeto.

 

A vigésima primeira edição da Maratona de Cartas fez perdurar o impacto positivo de direitos humanos, em especial na vida das pessoas em foco da campanha. As ações online continuaram a crescer e houve também um regresso dos eventos presenciais, já que as restrições da COVID-19 terminaram na maioria dos países. Em Portugal, foram dinamizadas dezenas de sessões de educação para os direitos humanos, realizadas entrevistas, efetuadas ações de sensibilização e muitas outras ações de ativismo com a participação de centenas de pessoas.

A nível nacional, a mobilização de milhares de pessoas apenas foi possível graças à ação das estruturas da Amnistia Internacional, de pelo menos 316 escolas, várias entidades externas e dezenas de pessoas que organizaram eventos de recolhas de assinaturas junto de amigos e familiares. O impacto alcançado, sobretudo, nos cinco casos apoiados pela Amnistia Internacional Portugal, deveu-se, por isso, a esse ativismo, mobilização, empenho e dedicação ao longo dos meses de novembro e dezembro de 2022 e, ainda, janeiro de 2023. Em baixo, todos os desenvolvimentos sobre cada caso. A totalidade dos detalhes fica disponível no relatório internacional de avaliação deste projeto.

 

Aleksandra (Sasha) Skochilenko – Rússia

  • Total de assinaturas no mundo: 594.401
  • Assinaturas em Portugal: 22.901
  • Cartas de solidariedade enviadas de Portugal: 914

 

Aleksandra Skochilenko é uma jovem artista de São Petersburgo (Rússia), que numa tentativa de informar a população da sua cidade sobre o que realmente se estava a passar na Ucrânia, substituiu, a 31 de março de 2022, as etiquetas de preços num supermercado local por pequenos papéis que continham informação sobre a invasão russa da Ucrânia, incluindo informação sobre o bombardeamento de uma escola de artes em Mariupol.

A 11 de abril, membros do Comité de Investigação Russo prenderam-na e acusaram-na de “disseminar conscientemente informação falsa acerca das Forças Armadas Russas”. Foi colocada em prisão preventiva mesmo apesar do seu estado de saúde – doença celíaca e perturbação afetiva bipolar -, requerer uma dieta sem glúten que os centros de detenção russos são incapazes de fornecer. O seu julgamento começou a 15 de dezembro de 2022. Ela continua detida e poderá ser condenada a dez anos de prisão.

O caso de Aleksandra criou um precedente e é emblemático da repressão dos ativistas antiguerra na Rússia. Ela foi uma das primeiras a ser detida com base no polémico Artigo 207.3.

A campanha da Amnistia Internacional sobre a Aleksandra contribuiu para aumentar a visibilidade do seu caso, e os meios de comunicação social independentes que ainda existem na Rússia, bem como vários diplomatas estrangeiros, têm assistido às suas audiências em tribunal. As condições da detenção têm vindo a melhorar e, apesar do centro de detenção não providenciar o tipo de alimentação adequado à sua condição, tem deixado Aleksandra receber alimentos de fora da prisão. A pressão psicológica e ameaças por parte das suas colegas de cela também pararam. No entanto, o apoio médico que recebe é insuficiente. A sua saúde continua em risco e a detenção e acusações mantêm-se, apesar de violarem as normas internacionais.

O impacto mais notório e direto do trabalho da Amnistia Internacional tem sido o apoio moral que a Maratona de Cartas e as suas mensagens de solidariedade têm dado a Aleksandra. Este apoio é particularmente importante pois Aleksandra está especialmente vulnerável, em virtude de nunca ter estado detida antes, ter graves problemas de saúde e sofrido pressões e atos violentos, para além do stresse que sente pela guerra, contra a qual protestou, continuar. Aleksandra não está autorizada a falar com a sua parceira desde a sua detenção, as visitas da família e amigos são restritas, e as cartas continuam a ser a sua quase única ligação ao mundo exterior.

Em dezembro de 2022, a BBC nomeou Aleksandra como uma das 100 mulheres mais inspiradoras e influentes do ano.

No final de março de 2023 foi lançado um documentário, realizado com o apoio da Amnistia Internacional, sobre Aleksandra. “War-length court – the case of Sasha Skochilenko”, que está disponível no Youtube.

Queridos/as participantes da ação, agradeço-vos do fundo do coração o vosso apoio à Sasha. A vossa atenção aquece-nos o coração nestes tempos difíceis e faz-nos sentir que não estamos sozinhos durante as repressões que, infelizmente, estão a ocorrer no nosso país. Além dos vossos apelos às embaixadas russas, também enviaram à Sasha muitos postais com palavras de apoio. Como forma de gratidão, a Sasha pediu-me para partilhar com vocês este desenho que ela fez na prisão especialmente para vocês”. – Yana Nepovinnova, advogada de Sasha

 

Postal Aleksandra Skochilenko desenhou para a Amnistia Internacional e os seus apoiantes

 

Chow Hang-tung – China

  • Total de assinaturas no mundo: 479.279
  • Assinaturas em Portugal: 20.036
  • Cartas de solidariedade enviadas de Portugal: 450

 

Chow Hang-tung é uma advogada de direitos humanos e defensora dos direitos laborais e dos direitos humanos na China. Em Hong Kong, defendeu ativistas políticos acusados no âmbito da Lei de Segurança Nacional (LSN), apesar de saber que isto aumentaria o risco de, ela própria, ser alvo das autoridades.

A 9 de setembro de 2021, Chow foi acusada de “incitar à subversão”, à luz da LSN. Na altura da acusação, era vice-presidente da Aliança de Hong Kong de Apoio aos Movimentos Democráticos Patrióticos da China (Aliança HK), associação que organiza, desde 1990, a vigília anual para assinalar o massacre de Tiananmen na região. Durante 30 anos, a Aliança HK organizou a maior vigília mundial sobre Tiananmen, na noite de 3 para 4 de junho, que reunia até centenas de milhares de pessoas no Victoria Park em Hong Kong. A vigília apelava às autoridades chinesas que revelassem a verdade e reconhecessem as suas responsabilidades no massacre. Desde 2020 que a vigília foi banida com base nas restrições impostas pela COVID-19. No entanto, a 4 de junho de 2021, Chow incentivou as pessoas a juntarem-se nas redes sociais para assinalarem a data do massacre, acendendo velas. Foi detida no mesmo dia.

A 14 de dezembro de 2022, Chow ganhou o apelo contra a sua condenação pela acusação de “incitar outros a participarem numa reunião não autorizada”. Esta é uma decisão positiva que assinalou falhas por parte da atuação da polícia de Hong Kong na vigília de Tiananmen. Refere que as autoridades baniram erradamente a vigília, utilizando a COVID-19 como desculpa, quando tinham a “responsabilidade ativa de autorizar e facilitar as reuniões quando tal fosse possível”.

O julgamento relativamente às acusações de “incitamento à subversão” ainda não começou. A Amnistia Internacional continuará a monitorizar e trabalhar no caso de Chow. É essencial que o seu caso continue a receber atenção internacional, uma vez que ela estava a exercer o seu direito humano fundamental à liberdade de expressão através de meios pacíficos. Por isso, as acusações contra si devem ser retiradas e Chow deve ser libertada imediatamente.

Em maio de 2023, Chow Hang-tung venceu o Prémio Gwangju de Direitos Humanos, referente ao ano de 2023.

“Obrigada pelas vossas cartas. É-me tão familiar ver os postais da AI. Eu própria escrevi muitos postais no passado (quando estava na universidade criei um grupo de alunos que participavam na Maratona de Cartas). A vida funciona de forma misteriosa, nunca pensei que me iria tornar destinatária de cartas da AI. Os dinossauros, gatos e alpacas que vocês desenharam são muito fofinhos, eu gostei especialmente do gato que é todo preto com exceção dos dois olhos (tal como o gato que eu tenho em casa). Com o vosso apoio, como posso desistir?” – Chow Hang-tung

 

Algumas das mensagens de solidariedade enviadas de Portugal para a Chow. © Amnistia Internacional – Portugal

 

Dorgelesse Nguessan – Camarões

  • Total de assinaturas no mundo: 525.821
  • Assinaturas em Portugal: 23.795
  • Cartas de solidariedade enviadas de Portugal: 524

 

Dorgelesse Nguessan é uma mãe solteira e cabeleireira de 38 anos. Nunca tinha sido politicamente ativa, mas as suas preocupações com o estado da economia dos Camarões, levaram-na a juntar-se a uma manifestação organizada pelo principal partido da oposição (Mouvement pour la Renaissance du Cameroun – MRC), a 22 de setembro de 2020 na cidade de Douala. Foi a primeira manifestação em que participou. As forças de segurança responderam ao protesto disparando balas de borracha, gás lacrimogéneo e canhões de água para dispersar os manifestantes. Prenderam mais de 500 pessoas, incluindo Dorgelesse que foi levada para uma esquadra de polícia. Uma semana mais tarde, foi transferida para a prisão central de Douala.

Dorgelesse foi acusada de “insurreição, reuniões e manifestações públicas” e julgada por um tribunal militar. A 7 de dezembro de 2021, o tribunal considerou-a culpada das acusações e condenou-a a cinco anos de prisão. Os seus advogados recorreram da decisão, mas a decisão sobre o recurso ainda não tem data prevista.

A Amnistia Internacional documentou as detenções dos manifestantes nos protestos organizados pelo MRC, tanto em Douala como em Yaoundé, e fez campanha contra a detenção arbitrária destes manifestantes, bem como de outros detidos em manifestações pacíficas que pediam o fim da marginalização das regiões anglófonas do país. Para além da Maratona de Cartas, a Amnistia Internacional dinamizou a campanha “Não os calem” que decorreu de janeiro a março de 2022, e em que o caso de Dorgelesse esteve em destaque.

Antes da sua detenção, Dorgelesse era a principal fonte de rendimento da família. Sonhava em transformar o seu pequeno negócio de cabeleireira num instituto de beleza. Foram as preocupações acerca da economia e as dificuldades em atingir os seus objetivos que a levaram a juntar-se à manifestação. Desde que está presa, o sofrimento de Dorgelesse tem sido agravado pelos receios de que a sua família não esteja bem. A verdade, é que os seus familiares enfrentam mais dificuldades económicas que nunca.

Como resultado da Maratona de Cartas, o Escritório Regional para a África Central e Oeste da Amnistia Internacional em Dakar enviou mais de 40kg de correspondência para o advogado da Dorgelesse, e este entregou-lhe todas as cartas na prisão.

A Amnistia Internacional irá continuar a acompanhar este caso até que Dorgelesse Nguessan esteja em liberdade.

“Nunca me esquecerei do que a Amnistia fez por mim. Vou-me lembrar toda a minha vida. Mesmo aqui na prisão, as pessoas vinham ter comigo e diziam: ‘Eu sei quem tu és, já te vi nas publicações da Amnistia Internacional e nas notícias’. (…) Interrogo-me sobre o que teria acontecido se não tivesse tido o apoio da Amnistia. Eu senti-me perdida. Não quero que parem de me apoiar: por favor continuem até estar livre.” – Dorgelesse Nguessan

 

Algumas das mensagens de solidariedade enviadas de Portugal para a Dorgelesse. © Amnistia Internacional – Portugal

 

Luis Manuel Otero Alcántara – Cuba

  • Total de assinaturas no mundo: 467.925
  • Assinaturas em Portugal: 22.330
  • Cartas de solidariedade enviadas de Portugal: 635

 

Luis Manuel Otero Alcántara é um artista afro-cubano e uma figura central do Movimento San Isidro, um grupo diverso de artistas independentes, jornalistas e ativistas que defendem a liberdade de expressão em Cuba. Luis Manuel foi considerado prisioneiro de consciência múltiplas vezes e, mais recentemente foi acusado, detido e aprisionado no contexto dos históricos protestos de 11 de julho de 2021, quando milhares de pessoas tomaram as ruas em Cuba para exercer o seu direito à liberdade de expressão e de reunião pacífica, de uma forma que já não era vista há décadas. Luis Manuel foi detido pouco depois de ter publicado um vídeo a expressar a sua intenção de se juntar aos protestos.

Em maio de 2022, o seu julgamento teve início à porta fechada, sem acesso de nenhum meio de comunicação independente, organizações de direitos humanos ou representantes de embaixadas. Em junho de 2022, foi condenado a cinco anos de prisão. De acordo com aqueles que lhe são próximos, as autoridades deveriam permitir visitas da família a cada 15 dias, e chamadas telefónicas de três a quatro minutos duas vezes por semana. No entanto, de acordo com os seus amigos, as forças de segurança têm frequentemente negado os seus direitos a visitas e chamadas telefónicas durante a detenção. Luis Manuel permanece preso em Guanajay, uma prisão de alta segurança.

O seu caso foi escolhido como parte da Maratona de Cartas, uma vez que a Amnistia Internacional acredita que a pressão e solidariedade internacional seriam fundamentais para catalisar a sua libertação imediata e incondicional. Luis Manuel é também um símbolo de resiliência relativamente à política de repressão que se mantém em Cuba. É apenas uma das muitas centenas de pessoas que têm sido criminalizadas apenas por protestarem pacificamente no país.

Dadas as restrições em obter informações relativamente a Cuba e aos prisioneiros cubanos, a Amnistia Internacional não conhece nenhum progresso, negativo ou positivo, no caso do Luis Manuel. No âmbito da Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos sobre Cuba que terá lugar este ano, o Escritório Regional das Américas da Amnistia Internacional está a reunir um grupo de artistas para criarem uma obra de arte com as mensagens de solidariedade que foram enviadas, de todos os cantos do mundo, para o Luis Manuel. A Amnistia Internacional continuará a trabalhar pela sua libertação.

 

 Algumas das mensagens de solidariedade enviadas de Portugal para a Luis Manuel. © Amnistia Internacional – Portugal

 

Nasser Zefzafi – Marrocos

  • Total de assinaturas no mundo: 386.405
  • Assinaturas em Portugal: 22.137
  • Cartas de solidariedade enviadas de Portugal: 406

 

Nasser Zefzafi nasceu em Marrocos a 4 de novembro de 1979 e é uma das figuras emblemáticas do movimento de protesto Hirak El-Rif que foi desencadeado pela deterioração das condições económicas e sociais. Este movimento nasceu em 2017, em Al Hoceima – a cidade natal de Nasser Zefzafi – depois da morte de Mohsen Fikri, um peixeiro, que morreu esmagado por um camião do lixo enquanto tentava salvar o peixe que lhe tinha sido confiscado pela polícia. Em reação a este incidente, a população de Al Hoceima marchou pacificamente para expressar a sua tristeza e frustração e para protestar contra a marginalização da região.

A história de Nasser é emblemática, por envolver tantas violações e problemáticas de direitos humanos que afetam Marrocos de forma abrangente. Nasser, tal como muitos na região de Rif, saiu para as ruas em 2017 e foi preso nesse mesmo ano. Um ano mais tarde, foi condenado pelo tribunal de Casablanca a 20 anos de prisão pelo seu ativismo. Desde a sua detenção, tem sido vítima de tortura e outras formas de maus-tratos e a sua saúde tem-se vindo a deteriorar.

As autoridades têm negado a Nasser, de forma constante, os cuidados médicos que necessita, fazendo-o permanecer em estado de confinamento numa solitária desde a detenção.

A campanha global da Maratona de Cartas voltou a trazer atenção internacional à situação de Nasser, que era já um dos casos esquecidos de Marrocos. No país, muito trabalho tem sido feito nos anos mais recentes com pessoas detidas por exercerem o seu direito à liberdade de expressão e reunião pacífica. Muitos casos, como o do Nasser, atraem atenção e apoio inicialmente mas, muitas vezes, esse interesse desaparece quando as pessoas permanecem na prisão. Trazer à ribalta o caso de Nasser através da Maratona de Cartas ajudou a alertar novamente para a sua situação e para a luta contínua pelo respeito do direito à manifestação pacífica, liberdade de expressão, luta contra a tortura e julgamentos justos em Marrocos.

A Amnistia Internacional continuará a trabalhar o caso do Nasser até ele estar em liberdade.

 


Algumas das mensagens de solidariedade enviadas de Portugal para Nasser Zefzafi. © Amnistia Internacional – Portugal

 

OBRIGADO A TODAS AS PESSOAS QUE ATUARAM EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS COM A MARATONA DE CARTAS EM 2022/23. CONTINUE A AGIR CONNOSCO POR UM MUNDO MELHOR.

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