30 Outubro 2017

As autoridades na Venezuela expandiram o seu arsenal de táticas de repressão com uma vaga perversa de rusgas ilegais às casas dos cidadãos dos quais suspeitam de dissidência, alerta a Amnistia Internacional em novo relatório de investigação publicado esta segunda-feira, 30 de outubro.

Nights of terror: Attacks and illegal raids on homes in Venezuela” (Noites de terror: ataques e rusgas ilegais a residências na Venezuela) revela a forma como as forças de segurança e grupos civis armados que gozam do apoio do Governo têm vindo a invadir violentamente as residências das pessoas nos meses recentes, com o propósito de as intimidar para que não participem em manifestações ou qualquer outra forma de protesto no país.

“Não há na Venezuela nenhum lugar a salvo do poder retorcido das forças de segurança. Nem mesmo as casas das pessoas”, frisa a diretora da Amnistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas. “As autoridades venezuelanas descobriram uma nova e perturbadora forma de esmagar a dissidência no que parece ser uma perseguição sem fim com o objetivo de inculcar o medo na população. Levaram a repressão das ruas para dentro das casas das pessoas”, prossegue a perita da organização de direitos humanos.

“E as pessoas têm o direito de se sentirem seguras dentro das suas próprias casas”, insta.

Organizações locais de direitos humanos coligiram relatos de pelo menos 47 rusgas ilegais a residências em 11 distritos por todo o país, entre abril e julho de 2017 – período em que as manifestações de contestação estavam no auge. Mais de 120 pessoas foram mortas, quase duas mil feridas e mais de cinco mil detidas durante este período.

Peritos da Amnistia Internacional visitaram e entrevistaram vítimas de rusgas a residências em quatro estados venezuelanos: Caracas, Miranda, Carabobo e Lara.

As pessoas cujas casas foram alvo destes raides reportaram que agentes das forças de segurança e homens armados, que se crê serem membros de grupos armados ilegais que gozam do apoio do Governo, entraram à força nas suas residências, sem mandado judicial nem qualquer explicação para justificar a sua presença. Estas rusgas envolveram frequentemente ameaças e violência verbal e física, incluindo o uso de equipamento antimotim e o disparo de cargas de gás dentro dos apartamentos.

Uma mulher residente num edifício de apartamentos no estado de Miranda, no Norte da Venezuela, descreveu aos investigadores da Amnistia Internacional que, durante uma destas rusgas, a 22 de maio de 2017, pode ouvir homens a gritar à porta: “Abram, abram… chegou o papão”.

Vítimas destas rusgas contaram também que agentes das forças de segurança deitaram portas abaixo, partiram janelas e, em alguns casos, roubaram objetos das residências. Num edifício de apartamentos em Miranda, câmaras privadas de vídeo vigilância captaram imagens de agentes das forças de segurança a saírem de casas com sacos carregados, presumivelmente contendo objetos roubados.

As rusgas chegam a durar horas e, em alguns casos, a noite inteira.

Uma vez dentro dos apartamentos, as forças de segurança questionam os habitantes sobre “onde estão os homens jovens que participaram nos protestos”. Muitos jovens foram levados em vagas maciças de detenções arbitrárias.

Um homem residente no estado de Lara, no Norte da Venezuela, testemunhou que os agentes das forças de segurança entraram na sua casa aos gritos, dizendo “apareçam seus bandidos malditos… vamos violar-vos a todos”.

Várias vítimas das rusgas ilegais contaram à Amnistia Internacional que têm medo que possam ser feitas novas rusgas às suas casas a qualquer momento e que não conseguem dormir à noite.

Devido à falta crónica de bens de primeira necessidade na Venezuela, muitas pessoas não conseguem reparar os danos causados durante as rusgas e vivem agora numa situação de enorme insegurança, sem portas nas suas casas.

“Estas rusgas a residências são totalmente ilegais ao abrigo da lei internacional e da própria Constituição da Venezuela”, sublinha Erika Guevara-Rosas.

A diretora da Amnistia Internacional para as Américas sustenta que “é mais do que chegada a hora de a Administração [do Presidente, Nicolás] Maduro e das suas forças de segurança pararem de usar a violência e a repressão contra o seu próprio povo”. “Este tipo de violações não pode continuar no futuro e tem de haver justiça para as vítimas, de forma a assegurar que esta política de violência chega ao fim”, exorta ainda.

“Ao prosseguir com esta repressão, em vez de investigar e punir os responsáveis por tais atos, as autoridades estão a enviar a assustadora mensagem de que qualquer pessoa pode ser alvo de repressão a qualquer momento e em qualquer lugar, sejam quais forem as suas convicções políticas”, remata Erika Guevara-Rosas.

  • Artigo 19

    A liberdade de expressão é protegida pelo Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

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