5 Dezembro 2017

Estados por todo o mundo estão a falhar redondamente no dever de proteger as pessoas que defendem os direitos humanos, resultado numa escalada em mortes e desaparecimentos forçados evitáveis, sustenta a Amnistia Internacional em novo relatório, publicado esta terça-feira, 5 de dezembro.

Deadly but Preventable Attacks: Killings and Enforced Disappearances of Those who Defend Human Rights(Ataques fatais mas evitáveis: assassinatos e desaparecimentos forçados de quem defende os direitos humanos”) destaca os riscos cada vez maiores com que são confrontados os defensores de direitos humanos – pessoas oriundas de todas as esferas da sociedade e que trabalham para promover e defender os direitos humanos.

Este relatório contém testemunhos de amigos, de familiares e colegas de defensores de direitos humanos, incluindo ativistas ambientais, ativistas dos direitos da comunidade lésbica, gay, bissexual, transgénero, intersexual e queer (LGBTIQ), ativistas dos direitos das mulheres, jornalistas e advogados que foram mortos ou sujeitos a desaparecimento forçado. Muitas destas testemunhas descrevem como os pedidos das vítimas para que lhe fosse prestada proteção foram repetidamente ignorados pelas autoridades e como os seus atacantes se conseguiram evadir à justiça, o que tem vindo a alimentar um ciclo mortal de impunidade.

“Falámos com as famílias de defensores de direitos humanos que foram mortos ou feitos desaparecer por todo o mundo e uma e outra vez ouvimos o mesmo: estas pessoas sabiam que tinham a vida em risco”, frisa a diretora do Programa Global de Defensores de Direitos Humanos da Amnistia Internacional, Guadalupe Marengo. “As suas mortes e desaparecimentos foram precedidos por uma série de outros ataques, que as autoridades decidiram ignorar ou os quais encorajaram mesmo. Se os Estados levassem a sério as suas obrigações de direitos humanos e agissem de forma diligente face aos relatos de ameaças e outros abusos, poderiam ter sido salvas vidas”, avança ainda a perita da organização de direitos humanos.

“Falámos com as famílias de defensores de direitos humanos que foram mortos ou feitos desaparecer por todo o mundo e uma e outra vez ouvimos o mesmo: estas pessoas sabiam que tinham a vida em risco.”

Guadalupe Marengo, diretora do Programa Global de Defensores de Direitos Humanos da Amnistia Internacional

O novo relatório da Amnistia Internacional reúne histórias de todo o mundo para ilustrar a globalidade no aumento de ataques evitáveis contra defensores de diretos humanos e expõe um padrão chocante de impunidades. Nestes casos incluem-se os de:

  • Berta Cáceres, ativista ambiental e dos direitos dos povos indígenas, nas Honduras, que foi morta a tiro em 2016 ao fim de muitos anos de ameaças e ataques.
  • Xulhaz Mannan, ativistas dos direitos LGBTIQ, do Bangladesh, o qual foi esfaqueado até à morte assim como um seu colega, em 2016. Ao fim de 18 meses, ainda não foi feita justiça.
  • Pierre Claver Mbonimpa, fundador de uma organização de direitos humanos no Burundi, foi alvejado na cara e no pescoço em 2015. Meses depois, enquanto recuperava dos ferimentos noutro país, o seu filho e genro foram mortos.
  • “Quatro de Douma”, quatro ativistas sírios que foram raptados do seu local de trabalho por homens armados em dezembro de 2013 e dos quais nada se sabe desde então.

Aumento da frequência dos ataques

Quando a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos – Declaração dos Defensores de Direitos Humanos, em 1998, a comunidade internacional assumiu o compromisso de os proteger e reconhecer o trabalho crucial que desenvolvem. Mas este novo relatório da Amnistia Internacional demonstra que a defesa dos direitos humanos continua a ser uma atividade de muito elevado risco, com milhares de defensores de direitos humanos a serem mortos ou sujeitos a desaparecimentos forçados por agentes do Estado ou outros nestas duas últimas décadas.

De acordo com a organização não-governamental Front Line Defenders, pelo menos 281 defensores de direitos humanos foram mortos no mundo inteiro só em 2016; este número quase que duplicou em relação a 2015. E o número real deverá ser muito maior, uma vez que muitos defensores de direitos humanos que são mortos ou sujeitos a desaparecimento forçado podem não ser identificados nessa capacidade.

O relatório da Amnistia Internacional mostra que os motivos destes ataques são diversos e multidimensionais. Algumas pessoas são atacadas devido à sua atividade profissional (como acontece com jornalistas, juristas, sindicalistas), por confrontarem agentes poderosos que violam os direitos humanos, por partilharem informação e promoverem a consciencialização social sobre direitos humanos.

Outras ficam em elevado risco de sofrerem ataques por aquilo que fazem ou quem são, enfrentando discriminação e violência. Aqui se incluem defensores dos direitos das mulheres; trabalhadores do sexo; pessoas da comunidade lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual; povos indígenas e outros grupos minoritários.

E outras ainda são atacadas em situações com contextos específicos, como acontece em cenários de conflito armado ou quando as comunidades se encontram sob o domínio de crime organizado e repressão violenta.

“Apesar de os motivos destes ataques poderem variar, todos têm em comum o desejo de silenciar alguém que se pronuncia contra uma injustiça ou confronta interesses poderosos. E este silenciamento tem um efeito de onda de choque na sociedade em geral, criando um ciclo de medo e minando os direitos de todas as pessoas”, avalia Guadalupe Marengo.

“[…] este silenciamento tem um efeito de onda de choque na sociedade em geral, criando um ciclo de medo e minando os direitos de todas as pessoas.”

Guadalupe Marengo, diretora do Programa Global de Defensores de Direitos Humanos da Amnistia Internacional

Impunidade agrava os riscos

Quando as ameaças e os ataques não são devidamente investigados e punidos, o clima de impunidade daí resultante corrói o Estado de direito e passa a mensagem de que os defensores de direitos humanos podem ser atacados sem nenhumas consequências.

A filha da ativista hondurenha Berta Cáceres (defensora dos direitos ambientais e dos povos indígenas, e fundadora do Conselho Nacional de Organizações Populares e Indígenas das Honduras, que foi morta no ano passado), Bertha Zúniga, afirmou: “Antes da morte da minha mãe, havia uma aliança clara entre interesses empresariais, agentes de segurança privada e o crime organizado. E com todas estas partes cúmplices na morte da minha mãe, uma investigação zelosa mostra-se cada vez mais difícil. A minha mãe merece justiça e é imperativo que se exponha a conspiração que ocorreu. É fundamental para que consigamos prevenir outras mortes”.

“A minha mãe merece justiça e é imperativo que se exponha a conspiração que ocorreu. É fundamental para que consigamos prevenir outras mortes.”

Bertha Zúniga, filha da defensora de direitos humanos hondurenha Berta Cáceres

Estados têm obrigação de reconhecer e proteger

A Amnistia Internacional exorta todos os Estados a darem prioridade ao reconhecimento expresso e proteção efetiva dos defensores de direitos humanos. As autoridades têm de apoiar publicamente o trabalho destas pessoas e reconhecer a sua contribuição para o avanço dos direitos humanos. Têm de tomar todas as medidas necessárias para prevenir mais ataques contra os defensores de direitos humanos e julgar os responsáveis pelos ataques através de investigações eficientes e acusações judiciais sólidas pelas mortes e desaparecimentos forçados.

É crucial que os governos passem com toda a clareza a mensagem pública que estas violações de direitos humanos não serão toleradas.

“Os ataques brutais documentados neste relatório constituem um desenlace lógico de uma tendência perturbadora, em que muitos líderes mundiais, em vez de defenderem os defensores de direitos humanos, estão a pô-los em cada vez maior risco através de campanhas de difamação, de um uso abusivo do sistema de justiça penal ou ainda retratando-os falsamente como opositores dos interesses nacionais – demonstrando, com efeito, um desrespeito pelos direitos humanos de todos nós”, critica a diretora do Programa Global de Defensores de Direitos Humanos da Amnistia Internacional.

” […] muitos líderes mundiais, em vez de defenderem os defensores de direitos humanos, estão a pô-los em cada vez maior risco através de campanhas de difamação, de um uso abusivo do sistema de justiça penal ou ainda retratando-os falsamente como opositores dos interesses nacionais.”

Guadalupe Marengo, diretora do Programa Global de Defensores de Direitos Humanos da Amnistia Internacional

Guadalupe Marengo reitera que “para reverter esta narrativa perigosa, os Estados têm de reconhecer publicamente o papel fundamental desempenhado pelos defensores de direitos humanos”. “Devemo-lo a todos os que corajosamente defendem os nossos direitos humanos com o custo das suas próprias vidas; temos de proteger quem continua a fazer avançar este trabalho vital”, salienta.

Campanha global BRAVE

Este relatório integra a campanha global da Amnistia Internacional BRAVE, lançada em maio passado e com a qual a organização de direitos humanos insta todos os Estados a reconhecerem o trabalho dos defensores de direitos humanos e a garantirem que estas pessoas conseguem desenvolver o seu trabalho num ambiente seguro e capacitado.

Os defensores de direitos humanos integram todas as dimensões e esferas da sociedade. Podem ser lideres comunitários, jornalistas, advogados, profissionais de saúde, professores, sindicalistas, whistleblowers, vítimas ou familiares de vítimas de violações e abusos de direitos humanos, membros de organizações de direitos humanos, políticos e membros das forças de segurança ou outros agentes do Estado.

Estas pessoas podem defender os direitos humanos como uma atividade integrante da sua profissão ou de forma voluntária; podem estar organizadas e trabalhar de forma regular na defesa dos direitos humanos, ou simplesmente agir em apoio dos direitos humanos. Por outras palavras, todas as pessoas podem ser defensoras de direitos humanos, independentemente da idade, ocupação, género, orientação sexual e identidade de género, nacionalidade ou qualquer outro grupo social, que se pronuncia contra violações e abusos de direitos humanos ou promove os direitos humanos de outras formas sem recorrer nem advogar o ódio, a discriminação ou a violência.

Agir Agora
  • 94 Estados

    94 Estados assinaram a Convenção Internacional sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado e 44 ratificaram-na.
  • 26 mil pessoas

    No México, entre 2006 e 2012, mais de 26 mil pessoas foram consideradas desaparecidas ou desapareceram.
  • 30 mil desaparecimentos

    No Sri Lanka, desde a década de 1980, foram denunciados à ONU 12 mil casos de desaparecimento forçado. O número real ultrapassa os 30 mil casos.

BRAVE – A nossa coragem por todos os defensores de direitos humanos! (Petição encerrada)

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A nova campanha da Amnistia Internacional, por todos os defensores de direitos humanos. Tenha coragem, atue connosco!

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