Síria, a catástrofe dos nossos tempos

 

Março de 2018 assinala o sétimo aniversário da guerra civil síria, na qual mais de 400 000 pessoas já perderam as suas vidas, um número superior de feridos, e contam-se cerca de 5,6 milhões de refugiados sírios espalhados por todo o mundo. Mais de 75 000 pessoas permanecem desaparecidas às mãos do governo sírio, e mais de 8 000 foram raptadas por grupos armados pertencentes à oposição e por outros grupos armados como o auto proclamado Estado Islâmico.

O sétimo aniversário do conflito na Síria chega numa altura em que mais de 400 000 pessoas estão cercadas em Ghuta Oriental, privadas de comida, cuidados médicos e ajuda humanitária, e bombardeados diariamente pelo governo sírio com o apoio da Rússia. A tática é igual à estratégia utilizada em Alepo de “rendição ou morte à fome”.

“Têm sido sete anos de atrocidades na Síria. Sete anos de morte, destruição, medo e dor em Alepo, Homs, Deir Ezzor, Raqqa, Idlib, Afrin e muitas outras localidades, cidades e casas. Durante seis destes sete anos, os civis em Ghuta Oriental têm vivido numa cidade cercada ilegalmente. Contudo, este cerco persiste.”

Leen Hashem, responsável da Amnistia Internacional pela campanha sobre a Síria

Como será sentir fome durante dias? Incapaz de providenciar comida e medicamentos aos filhos doentes? Como lavar a comida com água suja e contaminada? Como são as insónias nas longas noites de bombardeamentos, e o sentimento de medo paralisador da possível perda de familiares? E da própria vida? Ver a casa onde crescemos desfeita em escombros e as amadas cidades desaparecerem em pilhas de destroços?

À medida que o governo sírio avança, ganhando terreno aos grupos armados em diferentes cidades, Ghuta Oriental acabou por ser dividida e cercada em três enclaves distintos. Milhares de pessoas procuraram refugio em cidades que permanecem sob controlo dos grupos armados, alimentando uma situação catastrófica e deliberadamente provocada.  No sétimo aniversário da crise síria, avançamos para lá da esperança, dos desejos e das orações.

Exigimos que o presidente sírio Bashar al-Assad e o presidente russo Vladimir Putin ponham fim aos ataques a civis e levantem o cerco a Ghuta Oriental imediatamente!

As pessoas de Ghuta Oriental continuam a lutar pela sua vida. Nós continuaremos a lutar por elas.

Junte o seu nome a esta petição.

“As mães não conseguem amamentar os seus bebés devido à subnutrição de que sofrem, a comida disponível consiste sobretudo na cevada com o qual fazemos o pão.”

Ativista, em Ghuta Oriental

Há 7 anos que os civis sírios se encontram sob ataque

 

Tudo começou na sequência da Primavera Árabe e da respetiva violenta repressão das autoridades sírias aos manifestantes que exigiam uma reforma do sistema político e um maior respeito pelos direitos humanos. A Amnistia Internacional começou logo nessa altura – e continua atualmente – a investigar e denunciar as violações e direitos humanos que são cometidas pelas várias partes em conflito.

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Logo em 2011 Amnistia Internacional condenou o tratamento cruel de que foram vítimas os manifestantes por parte das autoridades sírias, após um dos fins-de-semana mais sagrentos desde que as manifestações pro-reforma tiveram início na Síria, alegadamente mais de 120 pessoas terão sido mortas a tiro.

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© MOHAMED AL-BAKOUR/AFP/Getty Images

A investida militar de diversos atores na região tem perpetrado o sofrimento de milhares de pessoas de forma inigualável e, em particular, as forças leais ao governo de Bashar al-Assad têm conduzido alguns dos ataques mais violentos de que há memória, inclusive com recurso a armas químicas, práticas de tortura, desaparecimentos forçados e ataques a caravanas de ajuda humanitária.

Um dos exemplos flagrantes de total violação do direito internacional e do direito humanitário diz respeito ao ataque feito com recurso a armas químicas em Khan Sheikhiun, na província de Idlib, a 4 de abril de 2017.

As provas recolhidas no terreno indiciam ter sido usado um agente nervoso num ataque com armas químicas lançado por via aérea, no qual morreram mais de 80 pessoas e centenas ficaram feridas. “O uso de armas químicas é estritamente proibido pela lei internacional humanitária e constitui crime de guerra. É imperativo que a comunidade internacional expresse indignação e tome todas as medidas necessárias para proteger a população síria e do mundo inteiro deste tipo de ataques horríveis”, exorta a diretora de investigação da Amnistia Internacional, Anna Neistat.


“As vítimas apresentavam estados clínicos variados: algumas com paralisia muscular e respiratória e secreções brancas expelidas pela boca e pelo nariz. As crianças são as primeiras a morrer, não conseguem lutar contra isto. Aqui só nos chegou uma criança, que, graça a Deus, sobreviveu.”

Médico de um hospital cirúrgico, a 50 quilómetros de distância do local atacado

 

A comunidade internacional deve agir com urgência

 

Ao longo de sete anos o mundo tem sido testemunha de como os diferentes atores envolvidos no conflito têm, repetidamente, cometido crimes sem nunca terem sido responsabilizados. É imperativo que o Conselho de Segurança das Nações Unidas faça respeitar as suas próprias resoluções e imponha que quem comete crimes de guerra e crimes contra a humanidade não fique impune. A comunidade internacional tem de tomar medidas concretas para pôr termo ao sofrimento de civis sírios, incluindo em Alepo, Homs, Raqqa, Idlib, Afrin e, sobretudo, Ghuta Oriental. É urgente garantir que todos os intervenientes no conflito e respetivos aliados, como a Rússia, Irão, Turquia e os EUA, respondem à justiça internacional e não bloqueaiam quaisquer medidas que visem o fim destas atrocidades em massa.

A tragédia na Síria é um caso de estudo, que evidencia como uma população inteira paga um preço demasiado elevado pela impunidade de que os perpetradores de violações de direitos humanos usufruem. Todas as partes do conflito devem cumprir as suas obrigações e garantirem que os civis que desejam sair das áreas afetadas pelo conflito o fazem de forma segura, bem como, garantir o acesso e entrada segura de toda a ajuda humanitária, para que possam distribuir o apoio vital médico de que os civis necessitam.

As equipas médicas no terreno estão impossibilitadas de providenciar quaisquer cuidados médicos adequados aos feridos e doentes que chegam, devido à falta de equipamento adequado e medicamentos, em particular para quem sofre de doenças crónicas como as oncológicas, cardíacas ou diabetes. Consequentemente, são forçados a usar medicamentos cuja data de validade já expirou e que foram encontrados em hospitais que foram destruídos. Verifica-se também um aumento dos casos de subnutrição, especialmente em crianças, que se agravam devido à falta de acesso a comida, ajuda humanitária e outras necessidades de primeira instância.

 

“Quando és mãe, tudo em que pensas e te preocupas são os teus filhos. Como a poderei proteger [à filha] dos sons das explosões, como a ajudar a adormecer à noite, inventar histórias felizes que a protejam dos pesadelos, arranjar-lhe comida, que será o meu maior pesadelo à medida que esta vai escasseando cada vez mais. Ainda mais importante, tento dar o meu melhor para que ela não sinta a minha dor. Ela tem apenas dois anos, mas está muito ciente [do que se passa]. Ela sabe quando estou assustada. Tento o melhor que sei para permanecer forte e esconder as lágrimas para a proteger da dor. […] A morte vai-nos perseguir para onde quer que vamos.”

Ex-trabalhadora de uma agência humanitária, 13 de março de 2018


“A minha casa foi destruída durante a primeira semana de fevereiro com um ataque feito com uma bomba de fragmentação. Os meus pais e eu sobrevivemos miraculosamente porque ouvimos o som do helicóptero a largar a bomba. O som da bomba a cair é algo muito familiar. Não tivemos tempo para sair de casa, mas escondemo-nos numa das divisões que por sorte não foi atingida. O meu pai estava destroçado. Não é fácil ver a tua casa, onde cresceste durante décadas, completamente destruída em menos de um minuto. Não é igualmente fácil ver o teu pai chorar.

Estou muito preocupado que o governo nos obrigue a sair. Mesmo que não nos obriguem, terei de sair porque o governo tem um rancor muito enraizado contra nós, de Douma. Eles cercaram-nos, mataram-nos à fome e bombardearam-nos. Como posso ficar depois disso? Vão levar-me e ao meu irmão mais novo, e obrigar-me a juntar-me ao exército. Eu não quero lutar contra o meu povo. Não quero cometer os crimes que eles cometem.”

Testemunho de um homem em Douma, 13 de março de 2018

© AMER ALMOHIBANY/AFP/Getty Images

“Quando és mãe, tudo em que pensas e te preocupas são os teus filhos. Como a poderei proteger [à filha] dos sons das explosões, como a ajudar a adormecer à noite, inventar histórias felizes que a protejam dos pesadelos, arranjar-lhe comida, que será o meu maior pesadelo à medida que esta vai escasseando cada vez mais. Ainda mais importante, tento dar o meu melhor para que ela não sinta a minha dor. Ela tem apenas dois anos, mas está muito ciente [do que se passa]. Ela sabe quando estou assustada. Tento o melhor que sei para permanecer forte e esconder as lágrimas para a proteger da dor. […] A morte vai-nos perseguir para onde quer que vamos.”

Ex-trabalhadora de uma agência humanitária, 13 de março de 2018


“A minha casa foi destruída durante a primeira semana de fevereiro com um ataque feito com uma bomba de fragmentação. Os meus pais e eu sobrevivemos miraculosamente porque ouvimos o som do helicóptero a largar a bomba. O som da bomba a cair é algo muito familiar. Não tivemos tempo para sair de casa, mas escondemo-nos numa das divisões que por sorte não foi atingida. O meu pai estava destroçado. Não é fácil ver a tua casa, onde cresceste durante décadas, completamente destruída em menos de um minuto. Não é igualmente fácil ver o teu pai chorar.

Estou muito preocupado que o governo nos obrigue a sair. Mesmo que não nos obriguem, terei de sair porque o governo tem um rancor muito enraizado contra nós, de Douma. Eles cercaram-nos, mataram-nos à fome e bombardearam-nos. Como posso ficar depois disso? Vão levar-me e ao meu irmão mais novo, e obrigar-me a juntar-me ao exército. Eu não quero lutar contra o meu povo. Não quero cometer os crimes que eles cometem.”

Testemunho de um homem em Douma, 13 de março de 2018

© AMER ALMOHIBANY/AFP/Getty Images

O direito a viver em segurança

 

A Síria é um dos três principais países de origem dos 22,5 milhões de refugiados que existem atualmente no mundo e, apesar da guerra civil síria dispensar qualquer tipo de apresentações, é certo que a maior parte dos países em vez de darem mostras de uma verdadeira liderança e respeito pelas leis internacionais de proteção a refugiados, estão a fechar-lhes as portas.

Voltar para casa não é opção, sobretudo quando as longas e perigosas travessias ou as longas distâncias a percorrer a pé representam uma possibilidade mais segura. Contudo, aos refugiados espera-os o contacto com traficantes e a ameaça de serem enviados para outros locais igualmente inseguros quando as fronteiras se fecham à sua frente. Além disto, ficam muitas vezes encurralados em situações de espera em campos de refugiados improvisados durante meses ou anos. No caso das mulheres, os perigos nas viagens são ainda maiores uma vez que correm o risco de enfrentarem ataques, exploração e assédio sexual.

 

 

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados contabiliza em março de 2018 mais de 5 milhões de refugiados sírios. Neste contexto, a campanha Eu Acolho é ainda mais relevante. Mas temos de ser mais, muitos mais, a garantir que é feita pressão para que estas pessoas vejam respeitados os seus direitos à vida e a um futuro em segurança.

Os nossos sucessos resultam da pressão exercida por grupos de ativistas que transformam a indignação em ação. Conhecemos esse sucesso quando denunciámos a situação em Alepo, e queremos que o mesmo desfecho decorra agora também, mas para isso precisamos de si. Precisamos da ação de pessoas que trabalham a favor de outras pessoas. É esta a nossa força.

Assine o manifesto que será entregue aos líderes políticos portugueses, para os relembrar das suas obrigações legais, morais e humanitárias. Se não podemos confiar nos nossos políticos para mudarem o mundo, iremos fazê-lo nós mesmos.

Não fique indiferente, junte também o seu nome.