27 Novembro 2018

Políticas ilegais de fronteira aplicadas pelos Estados Unidos da América estão a encurralar milhares de requerentes de asilo no México, onde estas pessoas são confrontadas com ameaças de deportação para os países de origem, nos quais enfrentam potenciais graves riscos, alerta a Amnistia Internacional no seguimento de uma missão de investigação realizada na semana passada.

Lançando esta segunda-feira, 26 de novembro, um novo briefing – intitulado Americas: Stuck at the door: The urgent need for protection of Central American refugees, asylum seekers and migrants in the caravans (Américas: Retidos à porta: A necessidade urgente de proteção dos refugiados, requerentes de asilo e migrantes nas caravanas da América Central) –, a organização de direitos humanos alerta que as condições a que aqueles requerentes de asilo se encontram só podem agravar-se por força de um acordo que os EUA e o México estarão a negociar. Caso seja firmado, este acordo fará com que as pessoas sejam forçadas a permanecer no México enquanto os seus requerimentos de asilo são analisados, em vez de lhes ser permitido que esse processo decorra já após a entrada nos Estados Unidos.

A Amnistia Internacional fez investigação ao tratamento dado aos refugiados e migrantes das caravanas na Guatemala, no estado de Chiapas, no Sul do México, e ainda na Cidade do México e em Tijuana, durante os meses de outubro e novembro.

“Em vez de militarizar a fronteira e promover o medo e a discriminação, a Administração do Presidente Trump devia é mostrar compaixão por quem se vê forçado a fugir de sua casa, e tem também de receber os seus requerimentos de asilo sem demoras.”

Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para a região das Américas

Com base nesse trabalho, é emitido neste briefing um conjunto de 26 recomendações aos governos norte-americano e mexicano, assim como às autoridades dos países da América Central de origem e de trânsito das pessoas na caravana, de forma a assegurar as devidas proteções de direitos humanos e a assistência humanitária a todos quando procuram asilo e que seguem caminho rumo a Norte do continente – incluindo que as autoridades respeitem escrupulosamente os padrões internacionais de recurso à força.

“Em vez de militarizar a fronteira e promover o medo e a discriminação, a Administração do Presidente [dos Estados Unidos, Donald] Trump devia é mostrar compaixão por quem se vê forçado a fugir de sua casa, e tem também de receber os seus requerimentos de asilo sem demoras, conforme é exigido pela lei internacional e pela legislação dos Estados Unidos”, frisa a diretora da Amnistia Internacional para a região das Américas, Erika Guevara-Rosas.

Esta perita da organização de direitos humanos avança ainda que “por seu lado, os governos do México e da América Central têm de agir com urgência para garantir a segurança e o bem-estar de todas as pessoas que estão em movimento e asseverar que não sofrem mais violações de direitos humanos”. “Se o México aceder a fazer o trabalho sujo para a Administração norte-americana, à custa da dignidade e dos direitos humanos das pessoas na caravana, estará efetivamente a pagar pelo vergonhoso muro fronteiriço de Trump”, avalia.

“Usar gás lacrimogéneo numa situação em que famílias, crianças e os seus pais estão presentes não foi apenas horrível. É também um momento em esta Administração desce ainda mais baixo no seu desrespeito pela nossa dignidade humana e direitos humanos compartilhados.”

Margaret Huang, diretora-executiva da Amnistia Internacional Estados Unidos

“Os perigos para as famílias desesperadas que aguardam pacientemente a sua vez de requerer asilo na fronteira é uma emergência criada pelo próprio governo norte-americano”, sublinha a diretora-executiva da Amnistia Internacional Estados Unidos, Margaret Huang. E prossegue: “Usar gás lacrimogéneo numa situação em que famílias, crianças e os seus pais estão presentes não foi apenas horrível. É também um momento em que esta Administração desce ainda mais baixo no seu desrespeito pela nossa dignidade humana e direitos humanos compartilhados”.

Condições insalubres e listas de espera de asilo ilegais

A Amnistia Internacional visitou, a 18 de novembro, o complexo desportivo Benito Juarez, em Tijuana, que as autoridades municipais estão a usar como abrigo temporário para acomodar cerca de 3 000 migrantes e requerentes de asilo chegados à cidade nas primeiras caravanas. No seu conjunto são entre 8 mil e dez mil pessoas que se encontram presentemente em território mexicano. E a elas acrescem milhares de outras que as autoridades norte-americanas têm forçado a esperar em Tijuana, ao longo de semanas ou meses, antes de lhes permitir que requeiram asilo na fronteira.

O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, declarou a 22 de novembro passado, que o governo dos Estados Unidos planeia ilegalmente recusar o direito das pessoas a pedirem asilo, rejeitando a entrada das caravanas no país.

Responsáveis do governo federal do México e também estaduais e municipais confirmaram à Amnistia Internacional que o abrigo temporário em Tijuana não está provido de alimentos suficientes, nem serviços adequados de água e de saúde, além de que doenças respiratórias estavam a propagar-se entre as pessoas ali acomodadas.

Desde pelo menos abril de 2018, as autoridades dos Estados Unidos e do México têm exigido ilegalmente a requerentes de asilo que registem os seus nomes numa lista de espera quase-oficial para pedirem asilo em Tijuana, no lado mexicano do Ponto de Entrada de San Ysidro, em vez de permitir às pessoas que apresentem os seus requerimentos diretamente às autoridades na fronteira norte-americana.

Esta lista é coordenada em conjunto pelos próprios requerentes de asilo e pelas autoridades do México, em resposta aos limites impostos pelos Estados Unidos no número de requerentes de asilo que recebem a cada dia. E às pessoas que procuram asilo e não dispõem de documentos de identidade é proibido entrarem naquela lista dos que estão à espera para apresentar os seus requerimentos. Acresce que, se alguém identificado na lista falhar apresentar-se quando o seu número é chamado, arrisca-se a perder o seu lugar por completo.

Ao obrigarem requerentes de asilo a voltarem para trás nos pontos de entrada no país, as autoridades dos EUA estão a violar o direito destas pessoas a obterem asilo da perseguição com que são visadas e estão, simultaneamente, a criar uma situação de emergência ao longo da fronteira. As filas de espera ao longo da fronteira expõem as pessoas em busca de asilo ao risco de detenção e de deportação por parte dos agentes de imigração mexicanos, assim como à exploração por parte de grupos criminosos.

A 21 de novembro passado, a Amnistia Internacional analisou aquela lista, que continha então os nomes de cerca de 4 320 pessoas, incluindo duas mil que integram a caravana, na sua maioria hondurenhas, e que chegaram junto à fronteira com os Estados Unidos desde 15 de novembro.

Quem já ali se encontrava e entrara na lista de espera antes da chegada da caravana aguardava, em média, cerca de cinco semanas em Tijuana até as autoridades norte-americanas processarem o seu requerimento de asilo. Fontes do Instituto Nacional de Migrações do México (INM) e um responsável da Câmara Municipal de Tijuana declararam à Amnistia Internacional que aproximadamente 80% das pessoas que tentavam obter asilo nos EUA, antes de a caravana chegar, eram cidadãos mexicanos.

As autoridades mexicanas não podem impedir ilegalmente as pessoas de saírem do país e de requererem asilo na fronteira dos EUA. Porém, a Amnistia Internacional confirmou com múltiplas fontes no Governo do México que agentes de imigração deste país estão por rotina a tomar em mãos a lista de espera, todas as noites, e a coordenar com as autoridades fronteiriças norte-americanas quantos requerentes de asilo dessa lista serão recebidos a cada dia.

A Amnistia Internacional recolheu ainda testemunhos prestados por responsáveis mexicanos, sob anonimato, que geram dúvidas sobre a suposta falta de capacidade das autoridades norte-americanas em receber mais pessoas e que indiciam a existência de pressões por parte do Governo dos EUA sobre as autoridades mexicanas para que seja restringida a entrada aos requerentes de asilo.

Responsáveis fronteiriços mexicanos e requerentes de asilo no Ponto de Entrada de San Ysidro avançaram à Amnistia Internacional que agentes dos serviços de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP) estavam recentemente a aceitar naquele local entre 30 e 70 requerimentos de asilo por dia.

A 16 de novembro, o diretor dos CBP no Porto de Entrada de San Ysidro declarou ao jornal Washington Post que a sua equipa tinha capacidade para processar entre 80 e 100 requerimentos de asilo por dia, desde que a agência de Controlo de Alfândega e Imigrações (ICE) assumisse a tutela dos requerentes de asilo já avaliados, no prazo de 72 horas.

Numa reunião com a Amnistia Internacional a 20 de novembro, agentes da ICE recusaram responder se estavam a receber sob a sua tutela os requerentes de asilo de forma atempada ou se existiam alguns constrangimentos que afetasse a sua capacidade de funcionamento devido à chegada recente das caravanas. Após essa recusa em prestar informações, terminaram a reunião de modo abrupto.

A Amnistia Internacional exorta as autoridades norte-americanas a respeitarem de imediato o direito das pessoas a requererem asilo tanto nos pontos de entrada como entre eles. E, na esteira das declarações feitas por responsáveis da Administração dos EUA – de que planeiam negar ilegalmente esse direito a quem está nas caravanas –, o Congresso não deve aprovar financiamento para as operações dos CBP sobre as quais não haja uma rigorosa supervisão do próprio Congresso. Deve também exigir um compromisso escrito por parte dos CBP de que vão pôr fim aos regressos ilegais de requerentes de asilo tanto nos pontos de entrada nos Estados Unidos como entre eles. A Amnistia Internacional já documentou casos destes regressos ilegais num relatório publicado em outubro.

Requerentes de asilo em risco de deportação pelas autoridades mexicanas

A polícia municipal de Tijuana anunciou, a 19 de novembro passado, que tinha detido 34 pessoas da caravana por “desordem pública” (incluindo beber cerveja na rua) e que as transferira para a tutela do INM para potencial deportação.

A Amnistia Internacional prontamente pediu ao INM que fosse permitido aos seus investigadores entrevistar as pessoas detidas, após ter recebido relatos, não confirmados, de que a polícia municipal de Tijuana pode ter feito discriminatórios perfis raciais, criado ciladas e/ou extorquido algumas delas. Foram prestados testemunhos também de que as detenções realizadas podem ter resultado na separação de familiares que se encontravam no complexo desportivo de Benito Juarez. O INM não autorizou a visita solicitada pela Amnistia Internacional.

Um perito em direitos dos migrantes que trabalha na Comissão Nacional de Direitos Humanos mexicana (CNDH) confirmou à Amnistia Internacional, a 20 de novembro, que uma ou mais famílias tinham sido separadas devido às detenções, avançando ainda que a CNDH não tinha ainda entrevistado nenhuma das pessoas detidas para avaliar a validade das acusações que foram formuladas contra elas.

“As autoridades municipais, estaduais e federais mexicanas estão a debater-se com dificuldades para acomodar e providenciar assistência humanitária adequada a quem está sem saída em Tijuana.”

Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para a região das Américas

Esta testemunha referiu também que as pessoas que fazem parte das caravanas se encontram em elevado risco de deportação caso sejam detidas pela polícia municipal, uma vez que a maior parte não tem estatuto legal no México ou a sua autorização legal para estar no país estará prestes a expirar – no que se incluem as pessoas que planeiam requerer asilo na fronteira dos EUA. Ao abrigo da lei mexicana de migrações, a polícia municipal não tem poder para avaliar os documentos das pessoas para efeitos de migração, pois esta é uma competência reservada ao INM.

Órgãos de comunicação social locais de Tijuana noticiaram a 20 de novembro que 40 pessoas da caravana foram detidas pela polícia municipal e depois deportadas pelo INM. Estas detenções fazem parte de uma tendência mais generalizada nos dias recentes, em que o INM faz detenções em grande número por todo o México em reação à caravana, incluindo famílias e crianças. Em alguns casos o número de pessoas detidas chegou às centenas.

A 25 de novembro, as autoridades mexicanas declararam que algumas das pessoas que tentaram passar para os Estados Unidos e sobre as quais foi disparado gás lacrimogéneo seriam deportadas. A deportação para países onde a vida das pessoas fique em risco, sem lhes ser dada a oportunidade de requerer asilo, é uma violação da lei internacional e da legislação do México.

“As autoridades municipais, estaduais e federais mexicanas estão a debater-se com dificuldades para acomodar e providenciar assistência humanitária adequada a quem está sem saída em Tijuana. Em alguns dos casos, procuraram junto de agentes de imigrações mexicanos que pessoas das caravanas sejam deportadas, o que potencialmente é contrário à lei internacional”, explica Erika Guevara-Rosas.

A diretora da Amnistia Internacional para a região das Américas nota ainda que “o Instituto Nacional de Migrações do México tem de clarificar urgentemente se foi dada a todas as pessoas da caravana detidas nos dias recentes a oportunidade de requererem asilo no México ou a regularizarem o seu estatuto e reunificarem-se com os seus filhos e outros familiares”.

“O Instituto Nacional de Migrações do México tem de clarificar urgentemente se foi dada a todas as pessoas da caravana detidas nos dias recentes a oportunidade de requererem asilo no México ou a regularizarem o seu estatuto e reunificarem-se com os seus filhos e outros familiares.”

Erika Guevara-Rosas, diretora da Amnistia Internacional para a região das Américas

A Amnistia Internacional insta o Governo mexicano a garantir e a tornar célere um processo adequado de avaliação dos migrantes e dos requerentes de asilo que possam reunir os requisitos necessários para se qualificarem a receber proteção internacional. Deve também providenciar documentação provisória a quem aguarda ser recebido nos pontos de entrada dos Estados Unidos, de forma a evitar que estas pessoas sejam deportadas para os países de origem enquanto os processos são analisados.

A organização de direitos humanos recomenda igualmente às autoridades dos países de origem que abordem os fatores que levam as pessoas a partir. E aos países de trânsito e de chegada é pedido que garantam a segurança e o estado de saúde das pessoas, que lhes prestem assistência humanitária, que respeitem o seu direito a requerer asilo e que previnam e investiguem quaisquer abusos e violações de direitos humanos cometidos contra elas.

Estas recomendações assentam nas entrevistas que a Amnistia Internacional fez com aproximadamente 200 pessoas que viajam nas caravanas, individualmente ou em grupos, no que se incluem várias famílias, mulheres que se deslocam com os filhos, e membros da comunidade LGBTI. O briefing e recomendações têm por base também informação obtida junto de responsáveis governamentais em toda a região, organizações internacionais e organizações da sociedade civil que estão a trabalhar no terreno.

Recursos

  • 80 milhões

    80 milhões

    Em 2020, existiam mais de 80 milhões de pessoas que foram forçadas a sair do seu local de origem devido a perseguição, violência, conflito armado ou outras violações de direitos humanos.
  • 26 milhões

    26 milhões

    No final de 2020 estimava-se a existência de 26 milhões de refugiados no mundo.
  • 45 milhões

    45 milhões

    Mais de 45 milhões de pessoas foram forçadas a deixar as suas casas permanecendo dentro do seu próprio país (deslocados internos).
  • 4 milhões

    4 milhões

    Estima-se que existam mais de 4 milhões de pessoas em todo o mundo consideradas "apátridas" – nenhum país as reconhece como nacional.

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