13 Janeiro 2019

2019 é um ano de desafios para os direitos humanos. E há 9 assuntos fundamentais que antevemos que teremos que manter debaixo de olho. O trabalho já feito permitiu despertar a atenção da comunidade internacional para todas estas questões mas, infelizmente, não foi suficiente, porque tal só será válido quando… deixar de ser assunto.

Vamos dar uma vista de olhos?

 

© Henning Schacht

1. “BRAVE”: Quem defende os direitos humanos e lidera a mudança

Em 2018 confirmámos a tendência evidente de vários países em reprimir, perseguir, difamar, estigmatizar, prender e até assassinar defensores de direitos humanos. Dos Estados Unidos à Polónia, da Arábia Saudita ao Brasil, da China à Hungria, da Turquia à África do Sul, registámos significativos casos de repressão do espaço de ação da sociedade civil e de perseguição a pessoas que, individualmente e pacificamente, se opõem à injustiça.

Em 2019 não cederemos ao medo. Através da nossa campanha BRAVE estaremos ao lado das corajosas mulheres que continuam a liderar a resistência, acompanharemos os ativistas ambientais que, muitas vezes, colocam a sua vida em perigo para protegerem aquela que é a nossa casa comum, uniremos a nossa voz a todos os que sabem que existe uma alternativa melhor e continuaremos a trabalhar sempre para romper com as políticas divisivas e ameaçadoras que têm como alvo todos os que encaram a injustiça como uma afronta pessoal.

Em 2018 foram várias as vitórias que, juntos, obtivemos em prol de defensores de direitos humanos que colocaram as suas vidas em risco por um mundo melhor. Veja todas estas vitórias em https://www.amnistia.pt/vitorias-dos-direitos-humanos-em-2018/ e inspire-se! Em 2019 resistiremos juntos. E venceremos juntos!

 

© REUTERS

2. “Eu Acolho”: Refugiados e requerentes de asilo

Muito se falou, nos últimos anos, sobre este tema, e utilizou-se comummente a expressão “crise de refugiados”. Mas com o tudo o que vimos e ouvimos, ficou-nos a questão se não seria mais acertado utilizar a expressão “crise de solidariedade”.

Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em 2018 morreram 2262 pessoas no mar Mediterrâneo, em busca de um porto seguro na Europa. Em 2019 não deixaremos que aqueles que procuram proteção internacional sejam esquecidos.

No âmbito da campanha Eu Acolho continuaremos a promover e a defender soluções humanas para o acolhimento e integração de refugiados e requerentes de asilo, sobretudo numa perspetiva de partilha de responsabilidade internacional, para que mais países sigam o exemplo daqueles que cumprem as suas obrigações legais, morais e humanitárias. Destacamos a Espanha que, por exemplo, só em 2018 acolheu cerca de 60 mil migrantes.

A Amnistia Internacional irá dedicar a sua atenção à criação de rotas e mecanismos alternativos que permitam aos requerentes e refugiados reconstruirem a sua vida com dignidade e em segurança.

No entanto, esta é uma missão de todos. Fique a conhecer todos os fundamentos da campanha “Eu Acolho” em https://www.amnistia.pt/peticao/eu-acolho/ e assine a petição, que será depois enviada ao primeiro-ministro de Portugal, António Costa. Se todos participarmos, a missão será facilitada e a vida destas pessoas melhorará.

 

© Andrew Stanbridge / Amnesty International

3. Myanmar

Em 2019 é preciso também manter a atenção na situação dramática dos Rohingya. Despois de, em agosto de 2017, as autoridades de Myanmar terem intensificado os ataques contra os Rohingya, mais de 725 mil mulheres, homens e crianças foram forçados a procurar abrigo no vizinho Bangladesh.

Recentemente foi realizado um acordo entre os governos do Bangladesh e de Myanmar, que pretende dar início ao regresso seguro dos rohingya às suas casas. No entanto, para a Amnistia Internacional, este acordo não deve obrigar as pessoas a regressar em casos em que se considere que as populações estejam a ser forçadas a voltar ou, também, que estejam em perigo de sofrer graves violações de Direitos Humanos.

Em Novembro de 2018, Nicholas Bequelin, diretor da Amnistia Internacional para o Sudeste Asiático e Ásia Oriental, foi taxativo na análise: “Crimes contra a humanidade continuam a ser cometidos no estado de Rakhine. Fazer regressar refugiados a um lugar onde os seus direitos vão ser diariamente violados e onde as suas vidas estarão em permanente risco é inaceitável – e uma falta de consciência”.

A Amnistia Internacional está a pedir a criação do mecanismo de responsabilização pelas atrocidades cometidas em Myanmar.

 

© Amnesty International/Sergio Ortiz

4. Venezuela

Há vários anos que a Venezuela enfrenta uma grave crise de direitos humanos. Temos realçado de forma consistente as graves violações dos direitos à saúde e a alimentos; também o recurso à detenção arbitrária com motivações políticas; uso da tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; e ainda o julgamento de civis em tribunais militares, entre outras violações dos direitos civis e políticos.

Em Setembro de 2018 a comissão de Direitos Humanos da ONU aprovou uma resolução para apoio à Venezuela, algo que para o secretário-geral da Amnistia Internacional, Kumi Naidoo, foi uma medida acertada: “Milhões de pessoas fogem do país onde são perpetradas violações dos direitos aos alimentos, à saúde, à vida e muitos outros direitos humanos essenciais por agentes do Estado, todos os dias, e sem nenhuma esperança de que as vítimas obtenham justiça, verdade e ressarcimento”.

Uma das consequências da crise humanitária tem sido o aumento do número de pessoas que se vêm obrigadas a fugir para os países vizinhos, alcançando, de acordo com as estimativas das Nações Unidas, mais de 2,3 milhões as pessoas que deixaram a Venezuela desde 2014.

 

© MOHAMMED HUWAIS/AFP/Getty Images

5. O conflito no Iémen

O assunto voltou, ainda que timidamente, aos noticiários no final de 2018 quando surgiram imagens chocantes de crianças a morrer à fome com o cerco à cidade portuária de Hodeidah, na tentativa do governo iemenita de recuperar a cidade ao grupo armado huthi, que controlam o poder desde 2015.

O conflito, que dura há sensivelmente quatro anos, opõe, de um lado, o grupo armado huthie, do outro, o presidente do Iémen apoiado pela coligação militar liderada pela Arábia Saudita – que conta, entre outros, com os parceiros Estados Unidos da América e Reino Unido – e com a ajuda de grupos anti-huthi

Espera-se que este seja o ano em que o mundo acorda para aquela que é considerada como uma das mais sérias crises humanas dos últimos tempos, na qual já morreram ou ficaram feridas mais de 15 mil pessoas. Num conflito que continua a ser alimentado por um comércio de armas lucrativo, a Amnistia Internacional já investigou e deu provas de violações de direitos humanos e de violações da lei internacional humanitária – incluindo crimes de guerra – que estão a ser cometidas por todas as partes neste conflito.

 

© Amnesty International

6. O conflito na Síria

Esta é uma das guerras mais mediáticas da atualidade. O ano de 2018 terminou com os Estados Unidos da América a anunciarem vitória sobre o grupo armado autoproclamado Estado Islâmico (EI) e com outros países a contraporem que a ameaça continua real. Para as nossas equipas de investigação é preciso responder em 2019 a uma questão fundamental que nos têm feito dezenas de vítimas do conflito: qual foi o custo humano das operações militares?

Em Raqqa, cidade proclamada pelo grupo armado como a sua “capital”, os bombardeamentos sob a alçada da coligação liderada pelos EUA foram ininterruptos durante quatro meses, entre junho e outubro de 2017. O objetivo de expulsar o Estado Islâmico foi alcançado, mas a custo da destruição completa de 80% da cidade, com civis no interior de casas e edifícios.

Em 2018 a nossa investigação, que contou com o contributo de milhares de voluntários no projeto “Strike Tracker“, conseguiu documentar dezenas de casos com vítimas civis. Os EUA assumiram que os mortos se situavam na ordem das “várias dezenas”, quando até aí só tinham admitido números muito inferiores. Acreditamos, porém, que esta é apenas a ponta de um icebergue.

 

© Amnesty International

7. Direitos humanos e ambiente

É importante que em 2019 se perceba, de uma vez por todas, que todos os direitos humanos estão gravemente em risco por força das alterações climáticas. Sim, apesar de toda a desinformação e, sobretudo, desvalorização por quem tem interesses em fazer passar a mensagem contrária, as alterações climáticas existem e têm implicações na nossa vida diária – agora e no futuro.

O frágil equilíbrio em que o nosso ecossistema assenta, enfrenta agressões constantes que exigem uma drástica – mas rápida – adaptação do nosso modo de vida com vista à sobrevivência e sustentabilidade do nosso planeta.

A interdependência dos direitos humanos e a sua íntima relação com o meio ambiente é hoje evidente: desde o direito à vida, à saúde, água, alimentação, habitação e até ao direito à proteção internacional, são várias as possíveis implicações a uma escala global que exigem uma resposta célere. Infelizmente, para muitas delas, continuamos a enfrentar descrença, falta de vontade política e a influência de grandes empresas que lucram através de práticas nocivas.

Tudo faremos para que em 2019 não se poupem esforços para soluções integradas, porque a menos que haja uma mudança real, caminhamos para uma crescente onda de tensão, sofrimento e inquietação.

 

© REUTERS

8. Discurso de ódio, discriminação e populismo

O crescente discurso de ódio, de divisão e de medo tem ganho uma importância crescente no mundo de hoje, tendo até já levado líderes a vencer eleições. Desde as Américas aos países Asiáticos, passando pela Europa, ouvimos cada vez mais líderes apelarem à divisão e à xenofobia, com discursos que demonizam “o outro”, com políticas populistas que desumanizam grupos inteiros, culpando-os por condições socioeconómicas adversas.

Entre a longa lista de líderes que recorrem a estas estratégias estão Donald Trump e Viktor Orbán – nos Estados Unidos da América e Hungria, respetivamente –  com as suas políticas contra os direitos dos migrantes e refugiados, Recep Erdogan – na Turquia – que tem perseguido ativistas e opositores ao seu regime, Rodrigo Duterte – nas Filipinas – que, sob pretexto da guerra às drogas, promove políticas que criminalizam a pobreza e foram já reesposáveis por 4,800 assassinatos extrajudiciais e, mais recentemente, Jair Bolsonaro – no Brasil – , que venceu as eleições com planos abertamente anti-direitos humanos e que representa uma grande ameaça para os povos indígenas, para as pessoas LGBTI+, para jovens negros, para mulheres, e para ativistas e organizações da sociedade civil, se lhe for permitido transformar a sua retórica desumanizante em políticas públicas.

Em Portugal, as pessoas afrodescendentes, as comunidades ciganas e lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual (LGBTI+) continuam a enfrentar diferentes formas de discriminação e a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância alertou, em outubro de 2018, para o facto de muitos casos de discurso de ódio não serem ainda reportados e julgados.

 

© Rudi Netto

9. Tecnologia e o mundo online

O mundo está hoje, em grande parte, conectado, com a tecnologia e a internet presentes no nosso quotidiano. Fala-se cada vez mais em automatismos, em Inteligência Artificial (IA) e em sistemas cujo hardware e software têm capacidade para tomar decisões de forma independente – até mesmo de quem vive ou morre – como acontece com os chamados “robots assassinos” (killer robots), que extravasam o limiar da moral. E estes sistemas estão hoje a tomar decisões que influenciam, diariamente, a humanidade e que trazem, por isso, novos desafios para os direitos humanos. A Amnistia esteve, já em 2017, na  “AI for Good”, uma conferência global que desafia a comunidade académica, industrial e governamental a olhar realmente para o impacto social da inteligência artificial e para estes desafios, mas também a pensar como podem estes avanços tecnológicos funcionar para criar um mundo melhor e mais justo. E a verdade é que, quando usada para o bem, a tecnologia pode servir para ajudar as pessoas e fazer avançar os direitos humanos. Por exemplo, até agora, a Amnistia já lançou oito projetos de investigação colaborativa (à qual chamámos Amnesty Decoders), que apenas foram possíveis pelo estado atual da tecnologia e dos sistemas.

Ainda assim, é importante referir que os desafios para os direitos humanos no que concerne este tema ocorrem já no nosso quotidiano. A ubiquidade da internet – que entrou em todos os momentos da nossa vida e em quase todos os dispositivos tecnológicos que temos em casa – traz questões relacionadas com a vigilância e privacidade, como Edward Snowden expôs ao mundo, com todas as consequências para si próprio.

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