27 Fevereiro 2020

 

  • 210 pessoas morreram nos protestos ocorridos em 2019
  • Região é a mais letal para os defensores dos direitos humanos
  • 30,8 por cento da população da América Latina vivia abaixo da linha da pobreza
  • Venezuela atravessa a segunda maior crise mundial de refugiados, depois da Síria

 

De um lado, milhões de pessoas nas ruas em protesto contra a violência desenfreada, a desigualdade, a corrupção e a impunidade ou forçadas a abandonar os seus países em busca de segurança. Do outro, governos a restringir os direitos à manifestação e ao asilo, ignorando abertamente as obrigações nacionais e internacionais. Esta conclusão consta do relatório sobre a situação de direitos humanos nas Américas e Caraíbas em 2019.

“Os direitos humanos sofreram ataques renovados em boa parte das Américas, com líderes intolerantes e cada vez mais autoritários que recorreram a táticas cada vez mais violentas para impedir as pessoas de protestar ou de encontrar segurança noutros países”

Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Amnistia Internacional

“Os direitos humanos sofreram ataques renovados em boa parte das Américas, com líderes intolerantes e cada vez mais autoritários que recorreram a táticas mais violentas para impedir as pessoas de protestar ou de encontrar segurança noutros países. Mas também vimos jovens erguendo-se para reivindicar transformações em toda a região, organizando manifestações populares, em maior escala. A sua coragem quando confrontados com a repressão brutal dos Estados dá-nos esperança e mostra que as gerações futuras não se deixarão intimidar”, comentou a diretora para as Américas da Amnistia Internacional, Erika Guevara-Rosas.

“Com ainda mais turbulência social, instabilidade política e destruição ambiental a ameaçar a região em 2020, a luta pelos direitos humanos é tão urgente hoje como nunca. E que ninguém se iluda: os líderes políticos que pregam o ódio e a divisão, num esforço para demonizar e enfraquecer os direitos, vão ver que estão do lado errado da história”, nota a mesma responsável.

No ano passado, surgiram movimentos de protesto, em muitos casos liderados por jovens, que reivindicavam responsabilização e respeito pelos direitos humanos em países como Venezuela, Honduras, Porto Rico, Equador, Bolívia, Haiti, Chile e Colômbia. No entanto, em vez de criar mecanismos para promover o diálogo e responder aos manifestantes, a maioria das autoridades respondeu com táticas repressoras e mais militarizadas.

A Amnistia Internacional documentou, pelo menos, 202 mortes violentas em contexto de protestos: 83 no Haiti, 47 na Venezuela, 35 na Bolívia, 23 no Chile, oito no Equador e seis nas Honduras.

A América Latina voltou a ser a região mais perigosa do mundo para os defensores e as defensoras dos direitos humanos. Aqueles que se dedicam a proteger os direitos à terra, ao território e ao meio ambiente correram risco especial de ser alvos de assassinatos seletivos, criminalização, deslocamento forçado e assédio. A Colômbia continuou a ser o país mais letal, tendo sido palco de, pelo menos, 106 homicídios – a maioria, líderes indígenas, negros e camponeses. O conflito armado interno seguiu sem interrupções.

O México foi um dos países mais letais do mundo para jornalistas – pelo menos, dez foram assassinados em 2019. Além disso, houve um número recorde de homicídios, revelando o fracasso da Guarda Nacional militarizada e da aprovação de uma nova lei sobre o uso da força.

Nos Estados Unidos da América (EUA), a violência com armas de fogo continua a ser uma das maiores preocupações de direitos humanos. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro assinou uma série de decretos e ordens executivas que, entre outros resultados preocupantes, enfraqueceram a regulamentação da posse e do porte.

Migrantes visados

O número de homens, mulheres e crianças que fugiram da crise de direitos humanos na Venezuela chegou a cerca de 4,8 milhões – um número sem precedentes nas Américas. Contudo, Peru, Equador e Chile reagiram com novas exigências restritivas à chegada de estrangeiros, bloqueando a entrada de venezuelanos que necessitam de proteção internacional.

O governo dos EUA usou, indevidamente, o sistema de justiça para perseguir os defensores e as defensoras dos direitos dos migrantes, deteve crianças que fugiam de situações de violência e implementou novas políticas para atacar e restringir o direito ao asilo, violando as obrigações que tem à luz da lei internacional. A administração de Donald Trump forçou ainda dezenas de milhares de pessoas a esperar no México, em condições perigosas, ao abrigo do “Protocolo de Proteção a Migrantes”, também conhecido como a política “Permanecer no México”. Outros problemas documentados são os programas sigilosos de deportação rápida, que leva a que estas pessoas deixem de ter apoio jurídico, e a pressão feita a países vizinhos, como a Guatemala, El Salvador e as Honduras, para assinarem uma série de acordos de “Terceiro País Seguro”.

Após a ameaça norte-americana de novas tarifas comerciais, o governo mexicano não só concordou em receber e acolher requerentes de asilo devolvidos à força sob o “Protocolo de Proteção a Migrantes”, como também enviou tropas para impedir migrantes centro-americanos de chegar até a fronteira entre os EUA e o México.

Impunidade, ambiente e violência de género

A impunidade continua a ser generalizada na região. O governo guatemalteco dificultou o acesso à justiça para as vítimas de violações graves dos direitos humanos, já que encerrou a Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala, no ano passado. As preocupações ambientais continuaram a aumentar, com a administração de Donald Trump a anunciar, formalmente, a intenção de se retirar do Acordo de Paris. Ao mesmo tempo, graves crises na Amazónia afetaram povos indígenas do Brasil, da Bolívia, do Peru e do Equador.

No caso específico do Brasil, as políticas de Jair Bolsonaro alimentaram incêndios devastadores na Amazónia, deixando as comunidades tradicionais em perigo contra a extração ilegal de madeira e a criação de gado.

Tendo chegado ao poder no início de 2019, o presidente brasileiro rapidamente colocou em prática o seu discurso contra os direitos humanos. A morte da política e ativista Marielle Franco, em 2018, continua por resolver.

“Não podemos permitir que os governos das Américas continuem a repetir os erros do passado. Em vez de restringir os direitos humanos conquistados, precisam de ampliá-los”

Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Amnistia Internacional

A violência de género e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres continuam a ser um problema na região das Américas e Caraíbas. Na República Dominicana, a polícia violou, espancou e humilhou trabalhadoras do sexo, em atos que podem ser considerados como tortura. Em El Salvador, onde o aborto é ilegal, as autoridades continuaram a criminalizar mulheres e meninas – especialmente as de origem pouco privilegiada. Na Argentina, a cada três horas, uma menina com menos de 15 anos deu à luz, a maioria devido a gravidezes forçadas decorrentes de violência sexual.

Otimismo para 2020

O último ano também trouxe algumas notícias positivas. Até ao final de 2019, 22 países assinaram o Acordo de Escazú, um inovador tratado regional sobre os direitos ambientais. Em fevereiro, o Equador tornou-se o oitavo país a ratificar o documento, faltando apenas três para que entre em vigor.

Nos Estados Unidos, um tribunal do Arizona absolveu o voluntário Scott Warren da acusação de proteger dois migrantes, depois de ter oferecido comida, água e um lugar para dormir. Um juiz federal também revogou a condenação de quatro outras pessoas por acusações semelhantes.

A absolvição de Evelyn Hernández, acusada de homicídio agravado depois de sofrer uma emergência obstétrica em El Salvador, foi outra vitória para os direitos humanos, embora alguns procuradores tenham recorrido. Mulheres e jovens também se destacaram à frente de movimentos bem evidenciados em várias manifestações feministas em países como Argentina, México e Chile.

“Não podemos permitir que os governos das Américas continuem a repetir os erros do passado. Em vez de restringir os direitos humanos conquistados, precisam de ampliá-los para criar uma região onde todos possam viver em liberdade e segurança”, sublinha Erika Guevara-Rosas.

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